Para Inspirar

Henri Zylberstajn em "As boas surpresas do acaso"

O episódio de estréia da nossa primeira temporada do Podcast Plenae, "Histórias para Refletir", está no ar!

21 de Junho de 2020


Leia a transcrição completa do episódio abaixo: 

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Introdução: Bem-vindo ao Podcast Plenae, um lugar onde você encontra histórias reais para refletir. Ouça e reconecte-se. 

 

No episódio de hoje, o engenheiro e fundador da ONG Serendipidade, Henri Zylberstajn conta como a sua vida deu uma guinada a partir do nascimento do Pepo. Mais do que um filho, Henri ganhou um propósito, o pilar que ele representa neste podcast. No final do relato, você ouvirá reflexões do monge Satyanatha, nosso convidado especial dessa temporada, para ajudar você a se conectar com o seu momento presente. Aproveite este momento, observe seus sentidos e abra-se para uma nova visão sobre o mundo e sobre você mesmo.

 

[trilha sonora]

 

Henri Zylberstajn: A Marina e eu temos um ritual desde que a gente começou a namorar, em 2007. Entre o Natal e o Ano Novo, em um jantar a dois, a gente escreve bilhetes com os nossos desejos pro ano que vai chegar. Em voz alta, a gente lê também o que a gente pediu no ano anterior. Na virada de 2017 para 2018, os dois pediram pela saúde do bebê que ia nascer. A gente já tinha a Nina, de 5 anos, e o Lipe, de 2, quando ficamos grávidos do Pedro, o Pepo. Eu sempre quis ter três filhos. A Marina também. O que não escrevemos naquele fim de ano, e a gente nem poderíamos imaginar, era o presente que estava por vir.

 

[trilha sonora]

 

A gravidez do Pepo, como as outras duas, foi normal, sem nenhum tipo de intercorrência. A gente fez todos os acompanhamentos com a mesma médica, no mesmo consultório. Fizemos todos os exames possíveis e imagináveis que nos foram apresentados e nenhum deles apontou nenhum risco de anormalidade. Éramos pais jovens, saudáveis, que não consumiam drogas e nem bebidas alcoólicas, ou seja, todo um cenário pra que tudo caminhasse dentro do que são as situações mais típicas. 

 

Quando a Marina tava de 36 semanas, a gente começou a ter um acompanhamento um pouquinho mais de perto, porque ela passou a ter contração. A médica falou: “O fluxo do cordão umbilical de oxigênio não é que tá ruim, mas ele não tá como eu gostaria.” Dois dias depois, a mesma médica disse: “Já tem um pouquinho de dilatação, vamos induzir pro Pedro nascer de parto normal, se ele quiser”.

 

Esse foi o único dia da gestação que a Marina teve um feeling ruim. Eu lembro que, quando a gente saiu da médica e entrou no carro, a Marina desabou, começou a chorar. E eu falei: “Fica tranquila, tá tudo bem”. Mas, por maior a confiança que a gente tivesse na obstetra, essa história de que o fluxo de oxigênio não tá bom, vamos adiantar o parto, tudo isso trouxe dúvidas: será que tá tudo bem com ele mesmo?

 

[trilha sonora]

 

Era meio de carnaval, 5 horas da tarde de uma segunda-feira, dia 12 de fevereiro de 2018. O Pedro nasceu prematuro, com 43 centímetros e 2 quilos e 200 gramas. A Marina ficou com ele no colo. Ele era tão pequenininho... 

 

Também percebi que a pediatra ficou examinando ele com um pouco mais de atenção, com um pouco mais de cuidado do que nos partos da Nina e do Lipe. Mas até aí tudo bem. Você tá eufórico, nasceu teu filho, é uma explosão de alegria! Toquei o hino do Corinthians. A gente recebeu a família, ficamos debatendo com ele parecia, com quem ele não parecia, como foi o parto...

 

A gente nem se preocupou quando a enfermeira levou ele pra UTI. A obstetra já tinha falado que, por ele ser prematuro, talvez tivesse que ficar uns diazinhos por lá, pra poder se reabilitar. Nesse dia, eu dormi do lado da Má, no sofazinho do quarto.

 

[trilha sonora]

 

No dia seguinte, acordei umas 6h da manhã e desci pra tomar um café. Quando eu tô voltando, encontro a obstetra no corredor: “Você tá indo pra onde?”, ela perguntou. “Ah, tô indo pro quarto”. “Então tá bom, vou lá com você”. 

 

Voltei pro quarto com a doutora, sentei na cama e ela disse: “Então”... E mudou o tom. “Vocês acreditam que o hospital tá desconfiando que o Pedro tem Síndrome de Down?” Eu me lembro como se fosse ontem do quente que me veio aqui dentro, uma sensação de calor, desespero. Eu falei: “como é que é?”

 

[trilha sonora]

 

Meu nível de informação sobre a trissomia do cromossomo 21, o nome técnico da Síndrome de Down, era praticamente nulo. Eu não tinha a menor ideia do que era. E o pouco que eu sabia não me deixava muito animado, pra dizer o mínimo. A real é que a minha primeira sensação foi a pior possível.

 

Eu falei, tremendo: “Doutora, como assim?”. E ela também assustada não tava acreditando. Acho que, apesar de tecnicamente ser magnífica, nessa hora ela vestiu o casaco de mãe. Aí me baixou o espírito de engenheiro e eu falei: “Calma. Quem falou que ele tem Síndrome de Down?”. E lá fui eu pelos corredores do hospital atrás da pediatra neonatal que tinha dito.

 

Quando ela me vê, ela para e petrifica. Eu cheguei perto e falei: “Doutora, eu sou o pai do Pedro. Ele tem Síndrome de Down?”. Ela se assustou com a pergunta e falou: “vamos ali no quarto conversar?”. Eu falei: “Não. Eu só quero saber o seguinte: além de você, alguém examinou ele?” 


E ela falou: “Examinou”. Quem? "Outros médicos, pediatras". Mas pediatras neonatais? "Sim" Quantos? "Mais cinco." Alguém teve alguma dúvida? "Não". Voltei pro quarto e falei: Marina, o Pedro tem síndrome de Down. 

 

[trilha sonora]

 

Eu nunca vi uma morte de perto. A não ser dos meus avós, que já estavam bem velhinhos e aí eu acho que é diferente. Receber a notícia de que o filho que você imaginou não é exatamente assim certamente foi o momento mais difícil da minha vida. Eu não sabia onde eu tava. 

 

Eu entrei na UTI e comecei a enxergar no Pedro - pela primeira vez - os traços da Síndrome de Down. Aí veio o pediatra da família. Ele chegou perto da incubadora e precisou de um segundo e meio, não mais do que isso, pra dizer: “Henri, a gente vai ter que esperar um exame de confirmação, mas o Pedro tem Síndrome de Down”.

 

Ele começou a me dar uma série de elementos no meu filho: Falta de tônus muscular, uma linha na mão, a orelhinha implantada mais baixa, os olhinhos amendoados, a falta de osso nasal ou o osso nasal muito pequeno, a língua pra fora...

 

Quando os meus pais chegaram no hospital, eu levei eles na salinha da UTI neonatal e dei a notícia. A minha mãe é que nem eu: chorona, emotiva. Se um neto tocar DO RE MI FA, ela vai chorar, então, eu já estava acostumado. Mas meu pai, que estava prestes a fazer 70 anos, eu nunca tinha visto chorar. Nem quando o pai dele morreu. Eu acho que os avós sentem em dobro, pelos netos e pelos filhos.

 

Eu até me arrepio, porque talvez tenha sido um momento tão difícil quanto o de receber a notícia. A médica tinha conversado comigo umas 7 horas da manhã, isso já eram 3h da tarde. Então, eu já tinha de alguma forma absorvido o baque, nem que fosse um pouquinho. Mas quando eu vi o meu pai chorar pela primeira vez, foi muito, muito, muito difícil. Me veio uma sensação de culpa.

 

[trilha sonora]

 

A primeira vez que eu fiquei no quarto só com a Má, a gente se abraçou e chorou muito. E essa cena se repetiu por várias vezes, até o Pepo sair da UTI, 22 dias depois. Desde antes do Pedro nascer, a gente não planejava anunciar o nascimento dele nas redes sociais. Porque a gente não estava querendo no terceiro filho receber muita gente no quarto. Tanto é que não tinha nem brigadeiro, lembrancinha, nem nada.

 

Só que eu comecei a encontrar pessoas, conhecidos no corredor do hospital. E passei a ficar incomodado com o fato dessas pessoas poderem imaginar que eu estivesse escondendo a Síndrome de Down do meu filho. Então, decidi postar um texto no Facebook.

 

E a partir de então eu comecei a receber muitas mensagens. Muitas clichês, do tipo:  “Filhos especiais são para pessoas especiais”; “Deus não confia missões mais difíceis do que as pessoas podem carregar”; “Vocês são uma família do bem, então nada vem por acaso”;

 

Só que essas mensagens, apesar de me confortarem, não tocavam o meu íntimo. Até então - eu confesso - eu estava encarando aquilo como um castigo. Eu questionei Deus muitas vezes. Do por que que ele tinha me mandado um filho com Síndrome de Down, se eu me considerava uma pessoa boa? Eu não tenho vergonha de falar isso, porque é a verdade, era como eu estava encarando a situação.

 

Até que chegou a mensagem da Silvia, uma amiga que também tem uma filha com Síndrome de Down. E a Silvia me falou, baseada na experiência dela que, na verdade, ter um filho com Síndrome de Down não é uma coisa ruim. É o contrário, é uma oportunidade de vida. De poder tê-lo do nosso lado e poder enxergar o mundo através de uma outra perspectiva. Poder valorizar as pequenas coisas. Poder respeitar as individualidades alheias. Poder entender que talvez o mundo não seja como a gente enxerga e que existam outras possibilidades. E que tudo isso fazia a vida valer a pena. Eu fiquei em prantos quando ela falou isso para mim. E foi ali, oito dias depois que o Pepo nasceu, que tudo começou.

 

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Pedro saiu do hospital, tomou as vacinas e a gente começou a levá-lo pra passear, pra ver gente. Parte dos meus amigos não conseguia me olhar no olho. Não conseguia tocar no assunto “Pedro”. A outra parte nos abraçavam como se a gente tivesse de luto. Foram muitos abraços, tapinhas nas costas, falando: “Que barra, conta comigo”. E eu pensava: conta comigo para quê?

 

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Apesar de ninguém escolher ter um filho com deficiência, a gente tava tentando extrair o melhor daquela situação. Eu acredito que as pessoas vão encarar o teu filhos da mesma forma como você encara ele. Então, se eu estava encarando o Pedro como alguém capaz, repleto de possibilidades, era muito provável que as pessoas também iam enxergá-lo da mesma maneira. 


Aí então a gente resolveu abrir uma conta de Instagram pra dividir um pouco do nosso dia a dia. Eu queria que a gente fosse no clube e as pessoas não precisassem falar: “Ah, ele tem Síndrome de Down”, diminuindo o volume quando falassem a palavra Síndrome de Down no final da frase. 

 

Eu não queria que os outros tivessem dedos para falar da deficiência do meu filho. Porque a deficiência faz parte da personalidade dele, faz parte das características dele, mas não é o que o define. Eu e a Má criamos a conta de Instagram dentro de um táxi, indo pro aeroporto. Um dia depois, tínhamos 3.500 seguidores. Em cinco dias, 10.000. E hoje, são mais de 115 mil.

 

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Eu nasci numa família que sempre me educou a respeitar a diversidade, mas ela não fazia parte do nosso dia a dia. Eu nunca tive preconceito, no sentido ruim da palavra, mas ao mesmo tempo eu achava que aquilo não me pertencia. Quando você vive uma vida inteira com pessoas da mesma cor de pele que a tua, da mesma classe social e com as mesmas condições físicas e cognitivas, você pode até não ter preconceito, o que já é um bom começo. Mas certamente você vai sentir uma barreira quando cruzar com alguém que não se encaixe nesses padrões.

 

Então, eu fico aflito quando eu penso que meu filho vai sofrer com essas barreiras. Porque eu sei que ele vai encontrar algumas. E, por mais racional, por mais preparado que você esteja, imagino que deva ser algo que te tire do prumo. 

 

Depois que o Pepo nasceu, eu tirei um sabático de 6 meses pra me dedicar a estudar a deficiência intelectual. Comecei a contribuir na APAE São Paulo e ter contato com a realidade brasileira do tema. Eu e a Má criamos uma ONG, chamada Serendipidade, que vem do inglês Serendipity, que quer dizer o ato de descobrir coisas boas ao acaso. Foi exatamente o que aconteceu conosco quando o Pedro nasceu. 

 

A gente fala de uma maneira leve e positiva sobre o tema, sem esconder nada e sem falar que é a melhor coisa do mundo ter um filho com deficiência. Mas a gente mostra que, se isso acontece, dá para você viver e enxergar um outro lado incrível da vida.

 

A nossa missão é fazer com que a inclusão não seja encarada como uma caridade, mas sim como algo bom para todos que se envolverem com ela. A gente atua para que as pessoas não tenham que ter um filho com Síndrome de Down ou esperar 38 ou 70 anos, como foi o caso do meu pai, para conhecer mais sobre o assunto.

 

Eu não tenho a menor dúvida de que o contato com a inclusão engrandece a nossa essência, faz com que as pessoas abram a mente. A diversidade nada mais é que a liberdade que as pessoas têm de viver como elas são ou como elas querem ser. O Lipe ainda é pequeno pra entender o que é a Síndrome de Down, mas a Nina já entende. Outro dia, ela me perguntou se o Pedro vai ter filhos. Aí eu falei: “Filha, ele vai ter se ele quiser e se ele puder. Mas se ele tiver, você gostaria que o filho dele nascesse com ou sem Síndrome de Down?”. Ela me disse: “Papai, tanto faz”.

 

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Satyanatha: Chegamos ao fim do relato do Henri. A gente costuma achar que o futuro é perigoso. Por isso, criamos um cenário hipotético e se convence de que é o único panorama viável e seguro. Mas a vida tem uma criatividade extraordinária. Muitas vezes ela nos conduz para um caminho diferente - e melhor - do que imaginávamos. Os temperos de alegria, de criatividade e de propósito são muito superiores a qualquer dor causada - até porque não existe caminhada sem dor. 

 

A solução pra evitar o sofrimento não é imaginar vários futuros, e sim viver o agora. Se hoje eu for aberto, verdadeiro, amoroso e dedicado ao que eu sinto, eu vou criar um futuro positivo. Foi isso que o Henri começou a descobrir, quando transformou a condição do Pepo em um propósito. 

 

Muita gente vê o propósito como uma tarefa. Na verdade, ele é um estado de espírito, no qual você se predispõe a estar alinhado com um tema e a vibrar, no presente, aquilo que você quer para o futuro. 

 

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Finalização: Nossas histórias não acabam por aqui. Acompanhe semanalmente novos episódios e confira nosso conteúdo em plenae.com e no perfil @portalplenae no Instagram.

 

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A volta dos psicodélicos

Você já tomou alguma substância capaz de alterar a sua mente?

16 de Março de 2023



A volta dos psicodélicos
O que você vai encontrar por aqui: 
  • O que são psicodélicos
  • Como eles atuam no cérebro
  • Riscos e cuidados necessários
  • Microdosagem: vale mesmo a pena? 
  • Dicas de leitura, podcast e filmes para se aprofundar
Boa leitura! 
Você já tomou alguma substância capaz de alterar a sua mente? Provavelmente sim. Seja diariamente com uma boa xícara de café, ocasionalmente com uma bebida alcóolica, ou mesmo em um dia de dor de cabeça com uma dose de dipirona, muitas substâncias são capazes de modificar a atividade cerebral. 

No meio dessa enorme lista de elementos alteradores do funcionamento natural do corpo e da mente, um grupo especial tem voltado a chamar a atenção: os psicodélicos. Após serem banidos por quase meio século, vivemos um renascimento global da investigação científica psicodélica, com resultados bastante promissores no tratamento de doenças mentais e de dependência química. Ao mesmo tempo, cresce o número de pessoas que utilizam a microdosagem de substâncias psicoativas na busca por mais criatividade, produtividade, foco, ou mesmo um estado de mais conexão e bem-estar. 
Porém, assim como aconteceu na década de 1970, pesquisadores temem uma nova reviravolta negativa se não tomarmos cuidado com o uso indiscriminado e sem supervisão de substâncias com alto potencial de alteração da consciência. Eles acreditam que o entusiasmo exagerado, colocando essas substâncias como “drogas milagrosas”, aliadas ao interesse comercial, pode levar a uma nova guerra às drogas, suspendendo novamente pesquisas sérias e um futuro que inclua a cura psicodélica. 

Acreditamos que vale a pena conhecer um pouco mais sobre o potencial transformador que uma experiência psicodélica pode proporcionar, assim como entender os riscos e cuidados que é preciso ter, caso surja o interesse de embarcar nessa jornada. Usados sabiamente, os psicodélicos podem ser uma poderosa ferramenta de autoconhecimento e transformação pessoal. Mas, para algumas pessoas, pode ser a gota que faltava para uma bad trip.
Fundo no assunto
Mergulhando no buraco do coelho


Psicodélico é um termo cunhado na década de 1950 pelo psiquiatra Humphry Osmond e o escritor Aldous Huxley. Em sua etimologia, estão duas palavras gregas que juntas significam “manifestação da psique ou alma”. A partir de experiências com a mescalina, os autores buscaram encontrar um termo capaz de sintetizar a complexidade farmacológica daquele psicoativo que, nas palavras de Huxley, tinha a capacidade de tornar as pessoas “mais sábias e menos presunçosas; mais felizes e menos autocomplacentes; mais humildes no reconhecimento de sua ignorância, mas também mais bem equipadas para compreender a relação entre as palavras e as coisas, entre o raciocínio sistemático e o Mistério insondável que, sempre em vão, ele tenta compreender”, segundo o artigo de Marcelo Ribeiro

Hoje, a definição de psicodélico tem variações e é objeto de disputas. Novos termos buscam diferenciar não só como diferentes psicoativos atuam no cérebro, mas também seu uso. É o caso do termo enteógeno, que significa “manifestação interior do divino” e busca ressaltar o contexto ritualístico/místico em que determinados psicotrópicos são ingeridos, como a Ayahuasca e o Peiote. Apesar das diferenças relativas aos efeitos percebidos, assim como a forma que cada uma atua no funcionamento cerebral, é possível dizer que essas substâncias produzem estados de percepção sensorial intensificados e extraordinários, assim como uma maior sensibilidade emocional. 


           

Muitos dos compostos psicodélicos são encontrados na natureza. Entre os mais conhecidos estão: a mescalina (presente em alguns cactos), a psilocibina (proveniente dos “cogumelos mágicos”), o DMT (presente em folhas e caules) e a ibogaína (princípio ativo de uma raiz). O LSD é o principal psicodélico de origem sintética, criado pelo químico Albert Hofmann em 1938 e que somente 5 anos mais tarde publicou seus efeitos lisérgicos após um contato acidental com a molécula. Mais recentemente, o MDMA e a cetamina também entraram para a lista de drogas psicodélicas.


Durante as décadas de 1950 e 1960, a pesquisa científica sobre drogas psicodélicas prosperou em todo o mundo. Um fato que contribuiu para isso foi a distribuição gratuita de LSD a psiquiatras e psicólogos interessados em testar seus benefícios no contexto clínico, pelo laboratório Sandoz. Centenas de estudos foram publicados sugerindo grande potencial no tratamento de distúrbios mentais, como a depressão, a ansiedade e o transtorno de estresse pós-traumático. 

Porém, o LSD saiu dos laboratórios e passou a ser usado de forma recreativa, sendo associado especialmente ao movimento de contracultura e anti-guerra, nos Estados Unidos. Em resposta, o governo deu início a uma verdadeira guerra contra os psicodélicos, classificando-os como drogas de abuso sem nenhum valor terapêutico. Como estratégia, não só tornaram ilegal todo e qualquer uso, mas também investiram massivamente em propagandas com informações por vezes exageradas, tendenciosas e, inclusive, falsas, no intuito de gerar um certo pânico na população. Essa proibição espalhou-se por todo o mundo, encerrando anos de pesquisas e investigações a respeito e deixando marcas profundas na sociedade, que até hoje vê este tema como um grande tabu. 

No entanto, como colocou Rick Doblin, diretor do MAPS - Multidisciplinary Association for the Study of Psychedelics e importante ativista na busca pela legalização do uso terapêutico de psicodélicos, neste Ted Talk, as substâncias psicodélicas devem ser vistas como uma ferramenta e seus efeitos benéficos ou prejudiciais estão diretamente ligados a forma e o contexto em que são usadas. Após quase meio século de restrições, assistimos ao renascimento da ciência psicodélica, com avanços importantes e resultados promissores, inclusive no que tange a legalização do uso medicinal dessas substâncias. Mas estamos apenas no início dessa jornada de conhecimento, com importantes obstáculos não só científicos, mas políticos e culturais também. 

Segundo o artigo publicado pelo IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, nesse processo de renascimento da ciência psicodélica, avanços no campo da neurociência contribuíram para refutar antigas justificativas de demonização desses compostos. Hoje, é possível dizer que eles apresentam baixo risco de danos à saúde quando usados com conhecimento e responsabilidade. Ao mesmo tempo, mostram resultados positivos no tratamento de distúrbios mentais como depressão, ansiedade, traumas severos e vícios. 

Especialmente no campo da psiquiatria, os psicodélicos têm gerado grande entusiasmo. Desde o lançamento do Prozac, nos anos 80, uma “crise” vinha se instaurando no ramo, já que muitos estudos mostram não só os riscos e limitações de um modelo de tratamento com prescrição de drogas de uso contínuo, assim como a ineficácia dessas drogas para uma parte considerável de pacientes. Por outro lado, com poucas sessões de terapia assistida utilizando psicodélicos, os indivíduos analisados mostraram redução significativa de sintomas, muitas vezes superiores aos tratamentos convencionais, recebendo o selo de “terapia inovadora” da FDA (Food and Drug Administration).   

O que as tecnologias de conhecimento do cérebro identificaram é que eles atuam nesse órgão aumentando a quantidade de alguns neurotransmissores, especialmente a serotonina, propiciando mais conectividade entre neurônios, reduzindo a atividade de determinadas regiões cerebrais e intensificando outras. Drogas como o MDMA, já em fase avançada de estudos clínicos, possuem moléculas capazes de diminuir a atividade da amígdala, região responsável por sensações de medo, agressividade e ansiedade. Em contrapartida, ela é capaz de aumentar a atividade do córtex pré-frontal, área ligada ao processamento complexo de pensamentos, sensações, sentimentos, tomada de decisão e comportamento. 

De forma simplificada, o potencial transformador de uma experiência psicodélica recai na sua capacidade de gerar novos estados e processos neurais, emocionais e cognitivos, oferecendo “novas rotas” de pensamento que podem alterar de forma duradoura percepções, crenças e narrativas sobre si e a vida. Como te explicamos neste tema da vez,  nosso cérebro é plástico e possui uma incrível capacidade de se reorganizar e modificar algumas de suas propriedades estruturais e funcionais em resposta às experiências de vida. 

A figura a seguir mostra os dados colhidos, por ressonância magnética, da quantidade de conexões neurais de um grupo de pessoas que em (a) tomaram um placebo e em (b) receberam uma dose de psilocibina.
      
Fonte: Petri G, Expert P, Turkheimer F, Carhart-Harris R, Nutt D, Hellyer PJ, Vaccarino F. “Homological scaffolds of brain functional networks”. Journal of The Royal Society Interface, 2014.


Na lista de países que mais produzem estudos de impacto sobre psicodélicos, ocupamos lugar de destaque no ranking global. Estudos crescentes e rigorosos vêm sendo desenvolvidos sobre o uso da ayahuasca no tratamento para depressão, tanto no Instituto do Cérebro, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como na USP de Ribeirão Preto. Em 2019, a publicação dos resultados de uma pesquisa realizada com LSD, indicando potencial da substância para frear o declínio mental causado por envelhecimento,  também colocou o Brasil em evidência. O Instituto Phaneros, com suas pesquisas de terapia assistida com MDMA, incluiu o país na pesquisa internacional para teste do protocolo terapêutico da MAPS. Ainda, o país avança nos estudos com a ibogaína para tratamento de dependência química, com ótimos resultados.
O que dizem por aí
Muita calma nessa hora


 
Apesar de serem classificadas por especialistas como a droga recreativa menos prejudicial para a saúde, especialmente por não causarem dependência ou levar a uma overdose, também é verdade que para algumas pessoas uma “viagem” psicodélica pode ser extremamente perturbadora e até perigosa, como aponta este artigo do New York Times. Nesse sentido, pesquisadores vêm mapeando fatores que podem influenciar os efeitos e resultados dessas vivências, na busca de aperfeiçoar protocolos e orientar a população sobre os riscos do uso sem supervisão. 

O primeiro fator de risco é o histórico pessoal e familiar de transtornos mentais sérios, como esquizofrenia e bipolaridade. Para estas pessoas, a experiência com psicotrópicos pode ser um gatilho e dar início a um quadro psicótico. É por isso que tanto grupos místicos/religiosos que usam “plantas de poder”, como a ayahuasca, assim como todo e qualquer estudo sério com estas substâncias, realizam (ou deveriam realizar) um rigoroso questionário para entender possíveis questões de saúde mental e física (como problemas cardiovasculares) que podem impactar negativamente a experiência da pessoa. 

Outro fator fundamentalmente importante a ser levado em consideração para a segurança de uma experiência com psicodélicos é o contexto no qual ela ocorre. Isso inclui o local, as pessoas presentes e os elementos que compõem a experiência, com destaque especial para a música. Conhecido como “set-setting theory”, estudos mostram que uma mesma substância pode gerar respostas completamente diferentes a depender da expectativa e intenção do usuário - o set; e o contexto social, cultural e ambiental do uso - o setting. 


Outro ponto de preocupação em torno dos psicodélicos é a “bolha de entusiasmo” recente que acaba inflando resultados preliminares, ainda que promissores. Promessas exageradas, pensamento mágico, frases de efeito simplista e uma corrida do ouro por parte de investidores estão, segundo pesquisadores psicodélicos, pondo em curso uma nova onda negativa, que poderia ser ainda mais prejudicial que a primeira se não nos prepararmos adequadamente. 

Nesse sentido, pesquisadores voltam a se posicionar pedindo cautela e fazendo até mesmo um mea culpa, como é o caso da Dra. Rosalind Watts em seu artigo, “o que aprendi nos cinco anos desde minha palestra no TEDx”, ao focar seu otimismo mais na substância e menos no procedimento terapêutico. Segundo ela, o psicodélico funciona como um catalisador do processo, uma porta de acesso aos sentimentos mais profundos, mas não como o processo terapêutico por si só. Assim, a integração psicodélica, que se refere à etapa de juntar as percepções, emoções e insights que surgiram ao longo da vivência e processá-las nas diferentes áreas da vida, é parte crucial para que, de fato, essa experiência seja reveladora e transformadora.


E é com este entendimento de que psicodélicos podem funcionar como “amplificadores” que surge uma nova geração de usuários desses compostos, que veem na microdosagem uma ferramenta para potencializar a produtividade, o foco e a criatividade, sem cair nos efeitos lisérgicos das altas doses. A “moda” ganhou força no Vale do Silício e vem se popularizando ao redor do mundo, especialmente entre os adeptos do biohacking, um movimento que une tecnologia e biologia na busca de otimizar o funcionamento do corpo e da mente. 


Porém, há poucos estudos científicos sobre microdosagem e pesquisadores afirmam que os benefícios psicológicos relatados por microconsumidores podem ser parte de um efeito placebo. Ainda, especialistas temem que, mesmo em doses pequenas, o consumo regular de psicoativos possa causar problemas cardíacos ou mesmo tornar as pessoas tolerantes aos seus efeitos, reduzindo seu potencial terapêutico. Isso sem falar nas questões legais que ainda envolvem os psicodélicos, o que torna difícil saber a procedência do que vem sendo comercializado ilegalmente. Assim, a recomendação é o velho e conhecido ditado: “melhor prevenir que remediar”. 
Abrindo as portas da percepção

Nossa busca pelo transcendente é ancestral e muitas destas plantas com potencial de expandir a consciência e alterar nossa percepção ordinária da realidade são utilizadas pela humanidade há milhares de anos. Hoje, estas substâncias “fantásticas”, como foram classificadas no início do século XX, voltam a estar nos holofotes e basta uma breve busca na internet para perceber a complexidade e amplitude desse assunto. Assistimos a renascença da psicodelia e ainda temos muito por descobrir. 

Nem super entusiasmados, nem super céticos, nossa dica nesse tema da vez é para que você mantenha a mente aberta e um olhar crítico. O caminho seguro é seguir se aprofundando no tema, desmistificando conceitos e rompendo antigos preconceitos e estigmas em torno dessas substâncias, sem cair em promessas milagrosas de uma panaceia psicodélica. Assim, para seguir seus estudos, veja nossas dicas a seguir. 
Quer saber mais? Separamos alguns conteúdos que podem te ajudar
a fazer um mergulho ainda mais profundo, não deixe de conferir!

Livro: Psiconautas: viagens com a ciência psicodélica brasileira - Marcelo Leite



Série: Como mudar sua mente -  Netflix
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