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A discriminação que escolhe focar nas crenças religiosas de outras pessoas pode se manifestar de diversas maneiras e segue violentando pessoas mundo afora
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A décima sexta temporada do Podcast Plenae está no ar e abriu com chave de ouro: o primeiro episódio fala sobre os caminhos que levaram o pai Denisson e mãe Kelly a se tornarem umbandistas. Representando o pilar Espírito, o casal nos emociona ao relembrar os primeiros contatos com a fé e como hoje ela é o tema central de suas vidas e seus propósitos.
Foi pensando nesse relato que resolvemos desmistificar mais um conceito: a intolerância religiosa. Apesar de se tratar de um termo geral, que não foca a opressão a um credo específico, sabemos que as religiões de matriz africana são as que sofrem mais.
Segundo levantamento da startup JusRacial, em 2023 havia 176 mil processos por racismo em tramitação nos tribunais do país, e um terço deles (33%) envolviam intolerância religiosa. No Supremo Tribunal Federal (STF), a proporção de casos de intolerância religiosa entre os processos por racismo é ainda maior: 43%, como conta o Brasil de Fato.
A seguir, te contaremos mais sobre o assunto, que é triste, mas muito importante de ser estudado para poder então ser combatido.
A intolerância religiosa é toda discriminação que ocorre tendo a crença do outro como foco. É sempre tarefa difícil cravar a origem de um termo, ainda mais quando se trata de um que diz respeito a uma violência institucionalizada. No caso da intolerância religiosa, suas raízes são complexas e entrelaçadas com questões históricas, socioculturais, políticas e econômicas.
Sabemos que nas antigas sociedades politeístas, as diferenças entre cultos e práticas religiosas podiam levar a tensões e conflitos, apesar de haver sim um nível de sincretismo e coexistência entre elas. Mas o monoteísmo foi ganhando força, e religiões como o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, ganharam espaço e foram trazendo uma mudança significativa. Com isso, a crença em um único deus muitas vezes vinha acompanhada de rejeição ativa e confronto com outras religiões.
A posterior expansão do Império Romano e a consequente adoção do cristianismo como religião oficial intensificou a perseguição das religiões pagãs e outros sistemas de crença. As conquistas islâmicas e as cruzadas cristãs durante a Idade Média são a prova de como a religião, política e guerra vivem de mãos dadas, em uma clara manifestação de intolerância religiosa nos idos da história.
Para se ter uma ideia, no século XVI, a Reforma Protestante desencadeou conflitos religiosos homéricos na Europa, culminando em guerras e perseguições entre católicos e protestantes. A resposta da Igreja Católica foi adotar medidas severas contra aqueles que se desviavam, em mais um episódio de intolerância.
Neste artigo da revista Galileu, algumas hipóteses para sua origem são levantadas com base em indícios. Para se ter uma ideia, há indícios dessa violência que datam de mais de 400 anos atrás. O Laboratório de História das Experiências Religiosas da UFRJ, liderado pelo historiador André Chevitarese, busca entender, a partir de pesquisas, as raízes da intolerância religiosa, que remonta há séculos.
Ele não é o único brasileiro interessado no assunto. A historiadora Vanicleia Silva-Santos, curadora associada da Coleção de Arte Africana do Penn Museum, da Universidade da Pensilvânia (EUA), e orientadora de mestrado e doutorado em História na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também tem se dedicado ao tema.
Ela é pesquisadora em História da África e suas diásporas e escreveu o livro “Marfim Africano como Insígnia de Poder”, onde encontrou 40 mil processos nos tribunais da Inquisição em Portugal entre 1636 até 1822, com acusações contra judeus, além de muçulmanos de Portugal, da África e do Brasil que realizavam cultos contrários à Igreja Católica, como conta a Galileu.
Sua pesquisa também mostrou que o sincretismo religioso dos escravos brasileiros que nada mais é do que “a reunião de doutrinas diferentes com a manutenção de traços perceptíveis das doutrinas originais”, foi alvo de muita violência, apesar de com frequência ter sido retratado de forma romântica.
Um exemplo trazido pelo artigo é de quando os padres contaram aos negros a história de que o Santo Antônio conversou com um morto para inocentar seu pai acusado de matar o homem. Para os escravizados que ouviram, havia uma relação clara com os orixás, pois esse santo, afinal, poderia se comunicar com o outro mundo. Muitos deles foram presos ou mortos quando a Igreja descobriu que utilizavam a imagem cristã em suas cerimônias.
Na segunda metade do século passado, em um passado não tão distante, o pentecostalismo ganhou força no país ao passo que as religiões de matriz africana se tornaram “inimigas”. Exu, como já era de se esperar e como explicamos por aqui, era o maior dos vilões, com frequência comparado ao diabo.
“No catolicismo, o diabo é sempre vencido. Mas os evangélicos dão muita atenção ao diabo: todo mal que acontece eles acham que é obra dele. Ninguém é pecador, mas sim vítima do diabo. E esse diabo não é genérico, etéreo, distante, como é para os católicos; é um diabo que pode ser visto na sua frente, nas entidades da Umbanda e do Candomblé”, comentou à Galileu o sociólogo Reginaldo Prandi, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) e autor de mais de 30 livros, Reginaldo Prandi.
No Brasil, há uma lei que literalmente proíbe esse tipo de discriminação. Eis o que diz o artigo 1º da Lei 9.459, de 13 de maio de 1997: “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” A punição para quem executar, induzir ou incitar essas práticas passou a ser, desde janeiro de 2023 pela lei 4.532, de até 5 anos de prisão, além de multa. Isso porque injúria racial, racismo e liberdade religiosa foram equiparadas e, para este tipo de crime, não cabe mais fiança e é imprescritível.
Infelizmente, o endurecimento da lei não impede que esses crimes aconteçam. O Brasil registrou 2.124 violações de direitos humanos relacionadas à intolerância religiosa durante todo o ano de 2023, como divulgou artigo do Governo Federal. O número, compilado pelo Disque 100 – Disque Direitos Humanos - indica um aumento de 80% na comparação com o ano anterior, quando foram registradas 1.184 violações provenientes de diversas regiões do Brasil.
Os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia chamam atenção pela recorrência nos casos e as religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, são as mais afetadas, mesmo estando entre as cinco mais seguidas no Brasil, com mais de um milhão de adeptos. De acordo com o IBGE, os católicos praticantes são maioria: cerca de 123 milhões de fiéis. Em seguida estão os evangélicos, com 113 milhões.
"Esses dados são alarmantes. Cada vez mais a população tem compreendido que cenários, situação onde há violência, agressão em razão da religiosidade da pessoa se trata, sim, de uma violação de direitos humanos", destaca o secretário nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Bruno Renato Teixeira, ao Fantástico.
Para enfrentar a intolerância religiosa e garantir a laicidade brasileira, o governo criou uma Coordenação de Promoção à Liberdade Religiosa, liderada por uma Ialorixá Mãe Gilda de Oxum. "Esse é o ponto fundamental da discussão, que é a promoção da tolerância e a garantia da diversidade religiosa no Brasil", completa Teixeira ao programa.
São várias as possíveis formas de ataque. As diferentes crenças religiosas frequentemente se associam a diferentes identidades culturais e sociais, então para proteger uma identidade religiosa, o indivíduo pode excluir ou rejeitar outras. A violência é quase sempre movida por ignorância ou desconhecimento, fatores que a educação e o contato intercultural poderiam reduzir.
A pessoa que sofre intolerância religiosa pode ainda:
Receber um tratamento desfavorável em contextos como emprego, educação ou serviços
Ser vítima de agressões, insultos ou ameaças, além de ter seus locais de culto vandalizados
Ser forçada por outras pessoas a aderir a uma determinada religião ou a abandonar suas próprias crenças
Ser estigmatizado ou marginalizado por crer em algo.
O incentivo para mitigar essa discriminação poderia partir das próprias instituições religiosas e seus líderes, que muitas vezes desempenham um papel crucial na formação das atitudes da sociedade e poderiam fomentar a coexistência. Ainda sobre o tema, vale lembrar que governos e regimes muitas vezes usam a religião para consolidar o poder e justificar a perseguição de oponentes.
Existem ainda motivos mais profundos, como em alguns casos cuja perseguição religiosa está ligada a interesses econômicos, como a expropriação de terras ou recursos de grupos religiosos minoritários. A globalização também trouxe consigo um maior contato entre diferentes culturas e religiões, o que pode tanto promover o diálogo quanto intensificar a intolerância, a depender de cada grupo.
Por fim, a necessidade de pertencimento a um grupo religioso pode levar à exclusão daqueles que são percebidos como diferentes. E é aí que o seu entorno se faz importante: uma boa base familiar, além de referências positivas, podem sanar esse desejo de fazer parte sem que seja necessário excluir o outro. No final do dia, é sobre estarmos todos juntos almejando o bem comum, apenas acreditando em caminhos diferentes para alcançá-lo, mas respeitando todas as sugestões.
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