Para Inspirar
Na quinta temporada do Podcast Plenae - Histórias para Refletir, conheça a paternidade afetuosa do escritor Marcos Piangers
6 de Junho de 2021
Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
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Piangers: Eu devia ter uns 4 ou 5 anos quando perguntei pra minha mãe, Heloisa: “Por que todo mundo tem pai e eu não?”. Eu lembro que ela ficou desestabilizada com a pergunta. Acho que por isso essa passagem ficou tão marcada na minha memória.
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Geyze Diniz: Ele já escreveu dois livros sobre sua experiência como pai, mas sua história com a paternidade vai além dessas páginas escritas. Piangers passou mais de 35 anos sem saber quem era seu pai biológico, e metade desse tempo se preparando para ser o melhor pai do mundo para suas filhas, Anita e Aurora.
Conheça a história cheia de emoção, cuidado e amor de Marcos Piangers. Ouça, no final do episódio as reflexões do rabino Michel Schlesinger para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.
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Piangers: Não é nada fácil a vida de uma mãe solo. A gente morava só nós dois num apartamento pequeno, em Florianópolis, e meus avós cortaram relação com a minha mãe quando descobriram que ela engravidou antes de casar. Eu só fui conhecer os meus avós quando eu tinha 2, 3 anos, depois de muito esforço de uma amiga que intermediou as relações.
Eu cresci sonhando com quem seria o meu pai. A gente tem essa narrativa do herói muito forte na nossa produção cultural, e eu ficava pensando: será que ele é o Super-Homem? Ou ele é um ator famoso? Um jogador de futebol? Um milionário? Mas também tinha o outro lado: e se ele fosse um vilão? Um bandido? Uma pessoa ruim?
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Na adolescência, quando eu perguntava pra minha mãe quem era o meu pai, ela sempre repetia que era ela. Eu acho que ela tinha medo de me contar, de eu ir atrás e me magoar com a reação dele. Aquela coisa de mãe protetora sabe? Eu acho que ela se sentia até orgulhosamente empoderada de me criar sozinha. De provar pro meu pai biológico e pros meus avós, e pro mundo, que ela dava conta de pagar todas as contas e lidar com todos os desafios de ser uma mãe solo. Até hoje ela tem esse espírito forte de lidar com os problemas de uma maneira objetiva, de aparentemente não sofrer com os percalços da vida.
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Depois de muuuuitos anos, ela me contou uma história que foi decisiva para não revelar quem era o meu pai. Ela conta que, quando eu tinha uns 3 anos, a gente foi na praia da Joaquina e eu ia de barraca em barraca pedindo picolé de molango. Ela ia atrás tomando conta de mim. Em um guarda-sol, o pessoal já estava meio bêbado e me deu caipirinha pra provar. Depois disso, eu pedia picolé de molango ou caipilinha. Aí todo mundo dava risada, era uma diversão na praia. Numa dessas barracas, eu encontrei o meu pai biológico. Ele reconheceu a minha mãe, mas virou a cara pra ela. Ela passou mal, quase desmaiou. Eu me lembro vagamente das amigas abanando, jogando água e falando: “O cara tá lá, o cara tá lá”. É claro que na época eu não entendi quase nada, mas fiquei angustiado de ver a minha mãe passando mal. Foi a partir desse dia que ela resolveu não me contar quem era o meu pai.
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Eu me casei e a minha esposa já estava grávida da nossa primeira filha, a Anita, quando eu fui perguntar pra minha mãe de novo: “Mãe, minha filha não vai conhecer o avô?” E ela disse: “Pra que você quer saber?”. Ia sempre desconversando.
Quando a minha filha já tinha 8, 9 anos, a minha mãe descobriu um câncer. E aí ela resolveu me contar: seu pai tem esse primeiro nome, esse segundo nome, a gente se conheceu na empresa, teve uma história, ele fugiu quando descobriu que eu estava grávida, virou a cara pra mim na praia, se mudou de cidade e aí eu decidi que eu mesma ia criar você.
Aquilo foi profundamente libertador pra mim, ouvir a verdade. Abracei ela e falei: “Que bom”. Meu pai não é um jogador de futebol, um empresário famoso, um milionário, mas também não é um bandido. É só uma pessoa comum que cometeu um erro. E isso me deu um alívio, tirou um peso das minhas costas.
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Depois disso, por incrível que pareça, não me deu vontade NENHUMA de conhecer o cara. Primeiro, por respeito pela minha mãe, por ela ter ficado e cuidado de mim. Segundo, porque, naquela altura, eu preferia dedicar o meu tempo, a minha energia, para minha esposa, pras minhas filhas, pros meus amigos, e pra minha mãe, em vez de fazer um esforço tremendo para procurar e me relacionar com um cara que me abandonou. Pra que eu faria isso? Por causa do nome, da convenção social, do laço sanguíneo? O meu pai biológico contribuiu com UMA célula apenas para minha formação. Paternidade não é DNA, é afeto, presença, carinho. Hoje eu tenho uma família estendida amorosa e presente, uma pequena aldeia para criar as minhas filhas. Essa rede de amor substitui um pouco aquela falta que eu sentia quando eu era pequeno.
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Só que a minha esposa, que é muito curiosa, buscou no Facebook pessoas com o nome do meu pai biológico. E achou vários caras e começou a mandar pedido de amizade, e um deles aceitou e disse: “Oi, Ana”. Ela escreveu que queria conversar, e ele já respondeu: “Eu acho que eu sou o pai do Marcos”. Então ela perguntou: “Por que você nunca falou com ele?”. E ele respondeu que durante muito tempo não teve certeza se era o meu pai, apesar da minha mãe ter dito pra ele que era.
Quando a minha esposa me contou essa história, eu falei: “Pronto, é o mesmo papo de SEMPRE”. “Ah, mas eu não tinha certeza que eu era o pai”; “Ah, mas a mãe não me deixou participar como eu queria”. É um comportamento MUITO egoico e machista. Os caras sempre colocam a culpa na mulher. E eu fiquei pensando: “Poxa, a minha mãe estava lá por mim, com todas as dificuldades, até hoje ela tá aqui por mim. E o cara vai botar a culpa nela!?”.
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A essa altura eu já tinha lançado o meu primeiro livro, O papai é pop, sobre a minha experiência como pai. Já tinha mergulhado no universo da paternidade e da masculinidade e já tinha ouvido relatos de muitos pais que cuidaram e abandonaram seus filhos. Um ano depois dessa conversa, a minha esposa publicou o livro dela, A Mamãe é Rock, e eu lancei o O Papai é Pop 2. A gente foi lançar os livros na livraria Travessa, no Rio de Janeiro. Estava um dia incrível, com vários amigos, altas filas, vinho branco. Na tarde de autógrafos, eu senti que a Ana estava cada vez mais nervosa, olhando pra alguém da fila. Olhando e nervosa, olhando e nervosa. Eu pensei: “Peraí. Ela já me contou que o meu pai biológico mora aqui no Rio”.
Eu não sabia a cara dele, mas ela sabia, então, deve ser o meu pai biológico. Vi o cara chegando, acompanhado de duas amigas. Continuei recebendo todo mundo de forma carinhosa, atenciosa, tirando fotos, dando autógrafos, conversando com todas as pessoas. Quando chegou a vez dele, eu estendi a mão e falei: "ô, rapaz, tudo bom? Eu sei quem você é”.
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Ele me olhou assustado. A amiga dele falou: “Ai, meu Deus, tô nervosa!”. Eu falei: “Calma, você não precisa ficar nervosa, tá tudo certo, deu tudo certo. A minha mãe me criou super bem. Eu não tenho mágoa, eu não tenho raiva, nem vontade de voltar no tempo”. Ele ficou ali do lado por um tempo. A gente se despediu quando ele foi embora, mas depois a gente nunca mais se falou.
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Embora eu tenha dito pro meu pai biológico que eu não queria voltar no tempo, na verdade, se eu pudesse e se o meu pai estivesse disposto e pudesse ter sido amoroso, atento e sensível, eu ia querer voltar sim.
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Porque eu senti muita falta de ter um pai. De ter um gigante protetor do meu lado, segurando a minha mão. De deitar numa barriga grande e pensar: “Aqui ninguém me pega, eu tô seguro”. Eu senti falta de ter um pai quando eu comecei a me apaixonar pelas meninas e não sabia o que falar, o que fazer. Senti falta de ter um pai pra me ensinar a andar de bicicleta. Eu só fui aprender depois de velho. Eu senti falta de ter um pai pra me levar no futebol, me dar um time do coração. Senti falta de ter pai quando nasceram as minhas duas filhas. Alguém pra me falar: “Não sai pra beber cerveja. Você tem filha pequena em casa. Volta pra cuidar delas, se conecta com essa engrenagem, que é importante nos primeiros dias, meses e anos”. Eu senti falta de ter um pai ontem. Eu senti falta de ter um pai hoje, de poder ligar pra alguém e conversar.
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Eu passei e passo a vida tentando entender a figura masculina. Por que que desde pequeno a gente ouve que os homens têm que ser conquistador, forte, malandro, alheio às questões da família e dos afetos? Esse modelo coloca muita pressão sobre as mulheres, mas também é altamente prejudicial pros próprios homens. A paternidade é uma chance do homem se transformar não pela dor, mas pelo amor. É a chance dele se conectar com ele mesmo. Isso é tão importante que a ciência mostra que até a saúde do homem melhora quando ele participa da criação dos filhos.
Eu já viajei para vários países tentando passar uma mensagem de que a gente precisa mudar essa visão de paternidade e masculinidade. Vi famílias japonesas chorando, porque lá os homens são frios com os filhos e as esposas. Senti a mesma coisa numa palestra em Londres. Na Ilha da Madeira, em Portugal, um cidadão de idade avançada levantou e falou: “Eu passei a vida fugindo dessa sensibilidade que você tá falando, desse carinho com os filhos. Eu me arrependo profundamente disso”. Em Criciúma, em outra palestra, um outro senhor falou a mesma coisa. Tem muito homem que morre infeliz por não ter expressado seus sentimentos, abraçado mais e vivido a sua verdade.
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Com os meus livros e vídeos, eu acredito que a mensagem já tenha chegado, talvez, a 1% da população brasileira. Ainda tem muuuuito homem afastado da família, agressivo com os filhos, perdendo a chance de viver um casamento feliz. Eu sozinho não vou dar conta de alcançar todo mundo. Por isso eu incentivo que mais homens escrevam e falem sobre esse assunto. A gente tem que multiplicar a mensagem. E não é sobre mim, é sobre 6 milhões de crianças que não têm o nome do pai na certidão de nascimento, e outras milhões que não tiveram um pai presente e afetuoso dentro de casa. É importante pros homens, pras mulheres, pra sociedade e especialmente pras crianças. Essa é a minha missão.
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Miguel Schlesinger: Ninguém faz filho sozinho. E, portanto, ninguém deveria criar um filho sozinho. É muito doloroso para uma pessoa, como contou o Marcos Piangers, quando o pai ou a mãe estão vivos e não assumem a sua paternidade ou maternidade. Esse é um cenário mais comum entre homens, que muitas vezes deixam para a mulher a difícil tarefa de criar um ser humano. Esses homens não prejudicam somente as mulheres e as crianças, mas a si mesmos. Eles perdem a oportunidade de conhecer um amor profundo, e de envelhecer ao lado de um filho.
Que nós saibamos fortalecer juntos, uma sociedade na qual as pessoas assumam a responsabilidade por seus filhos. E quando os filhos não tiverem a sorte de ter pais presentes, que saibamos abraçar esses órfãos e mostrar que é possível mudar o curso da história. Mesmo aquele que não recebeu afeto pode constituir uma família repleta de amor. Como tão lindamente faz Marcos Piangers. Certa vez, um amigo me ensinou que professores são aqueles que nos ensinam como se comportar, mas não menos mestres, são aqueles que nos mostram o caminho a NÃO ser seguido. Às vezes são os anti-heróis, os anti-exemplos, que fazem com que sejamos quem somos, que fazem com que tenhamos a vontade de escrever uma história diferente.
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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
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Para Inspirar
O empresário conta como ressignificou toda sua vida e seus valores depois de sobreviver a dois acidentes de carro,
7 de Novembro de 2022
Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
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Felipe Dib: Eu pesquisei os princípios da prosperidade nas escrituras sagradas das três maiores religiões do mundo: o hinduísmo, o cristianismo e o islamismo. O princípio número um é a gratidão. E eu descobri que a gratidão deve ser demonstrada não só com pensamento e palavras. Mas, principalmente, com atitudes. É na atitude que mostramos a gratidão.
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Geyze Diniz: O professor Felipe Dib aprendeu desde jovem a importância de ser grato por estar vivo. Depois de sofrer dois acidentes de carro, ele mudou a sua maneira de enxergar o mundo. O sonho de criança de se tornar milionário foi substituído pelo desejo de retribuir as bênçãos que recebeu na vida.
Ouça no final do episódio as reflexões do Historiador Leandro Karnal para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.
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Felipe Dib: Hello, my friend! Desde pequeno, eu tinha uma meta na vida: ser milionário. Eu sonhava grande, queria comprar um avião, relógios caros… Só coisas assim. Eu me dediquei muito pra isso acontecer. Comecei a trabalhar aos 13 anos, no restaurante dos meus pais, lavando copos, servindo bebidas, às vezes cuidando do caixa. Nessa época, eu ainda ganhava dinheiro como comerciante informal. Eu vendia bonés, que uma amiga da minha mãe trazia dos Estados Unidos e também vendia tacos de "bet" em sociedade com meu primo. "Bet" é um jogo de rua que a gurizada de Campo Grande gostava muito. Nós passávamos fita isolante no cabo de um pedaço de madeira e oferecíamos aos vizinhos que quisessem comprar. Tudo que entrava, eu juntava.
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Aos 16 anos, fui pra Nova Zelândia fazer intercâmbio depois de reprovar no curso de inglês e já cheguei trabalhando. Dei aula de capoeira na escola, cuidei do jardim da diretora do colégio, lavei pratos num café e varri cimento em obras. Para economizar, meu gasto diário eram 2 miojos por dia.
Quando eu voltei pro Brasil, fui dar aulas de inglês. Prestei vestibular para Relações Internacionais e, no primeiro semestre, comecei a lecionar no centro de idiomas da universidade. Eu seguia no meu plano de ser milionário, juntando dinheiro sem parar. Até que um acontecimento mudou meu jeito de pensar. Na verdade, foram dois eventos: dois acidentes de carro no intervalo de um mês. Eu tinha 24 anos e, a partir dali, a minha vida tomou outro rumo.
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No primeiro acidente, eu estava dirigindo sozinho de Campo Grande a Três Lagoas, uma cidade no interior daqui de Mato Grosso do Sul. Eu ia participar de uma troca de cordas de capoeira para receber a minha graduação de professor. Eram umas 5h15 da manhã. O céu estava cinza, meio amarronzado, começando a amanhecer. Eu dirigia a 180 quilômetros por hora, quando, de repente, eu vi uma moto a uns 100 metros na minha frente. Naquele segundo, minha decisão foi frear, porque se não, eu passava por cima do cara.
Eu freei com tanta força que o carro derrapou e começou a girar. O movimento parecia em câmera lenta. Enquanto o carro capotava naquele asfalto duro, eu grudei no volante e comecei a falar uma frase em árabe que toda família de muçulmanos conhece: "Bismi lérri rahmane rahim", que significa “Em nome de Deus, Clemente, Misericordioso”.
Eu aprendi essa frase com o meu pai, Elias Gazal Dib, e com a minha avó, Rosa, mãe dele. A minha sitê, como se diz avó em árabe, nasceu no Líbano. E meu vô veio da Síria, fugindo de uma perseguição. Eu cresci acordando todos os dias da minha vida ouvindo meu pai rezar. Todas as manhãs, todos os dias, não importa qual seja, ele amanhece lendo em voz alta o Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos. Isso é constante até hoje. Eu me levanto às 5h30 da manhã pra treinar. Depois da academia, eu passo na casa dos meus pais e, quando eu chego, meu pai está lendo o Alcorão. Ele lê o livro de capa a capa, várias e várias vezes ao ano.
O muçulmano usa em diversas situações aquela frase que eu falei no momento da batida, em momentos tensos, para entrar em casa, para sair de casa, para começar uma oração, para fazer uma refeição, para ter uma conversa importante, antes de começar um jogo… Essa frase "Bismi lérri" é a mesma frase que começa as 114 suratas, ou capítulos, do Alcorão.
Eu não sei se foi o poder dessas palavras, mas o fato é que eu não me machuquei no acidente. O carro capotou várias vezes e parou com as rodas pra cima, a uns 100 metros da pista, do outro lado da rodovia. Minha porta não abria, eu consegui sair pelo lado do passageiro e eu ficava pensando: “Meu Deus do céu, o que foi isso? Obrigado, Senhor!”.
Aí eu escuto uma voz vindo lá da beira da rodovia: “Cê tá vivo?”. Era o cara da moto! Ele ouviu o barulho da pancada e voltou pra ver o que tinha acontecido. Eu falei pra ele: “Meu irmão, você tá com o farol apagado!”. Aí ele falou pra mim: “Cê quer carona?”. Eu perguntei pra ele: “Cê tem outro capacete?”. Aí ele falou pra mim: “Não tenho, mas não dá nada não, vambora”. Eu comecei a balançar a cabeça e dar risada. Falei pra ele: “Oh, meu irmão… Deus acabou de me livrar de uma, eu não vou pedir outra chance agora, não”.
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Peguei carona com um caminhoneiro de volta até Campo Grande e, quando eu cheguei em casa, meus pais ainda estavam dormindo, tranquilos da vida. Eu pensei comigo: "Obrigado, meu Deus". Dei um beijo neles e eles estranharam minha presença ali. "Ué, você ainda não foi?". Quando eu falei que já tinha ido e capotado o carro, os dois se levantaram da cama. Fomos pro hospital e eu fiz um monte de exames… E eu realmente não tinha machucado nada.
Naquele dia eu senti que eu precisava retribuir aquela bênção de alguma maneira. Eu estudei nas escrituras sagradas das três maiores religiões do mundo quais são os valores que trazem prosperidade. O valor número um é a gratidão.
Eu queria mostrar a minha gratidão com palavras e, principalmente, com ação. O que eu sabia fazer melhor era ensinar inglês, então eu decidi dar aulas de graça na internet, pra qualquer pessoa no mundo que quisesse aprender o idioma.
Com a indenização do seguro do carro que capotou, eu comprei um carro popular, bem mais simples que o anterior e paguei a produção de 300 vídeo-aulas que iríamos gravar para oferecer grátis online. Eu planejei essas aulas pensando em um aluno como eu, alguém que não tem facilidade de aprender. Nossas aulas são passo a passo. A aula 1 é como dizer “oi, bom dia, boa tarde, boa noite” em inglês. Aula 2, como se apresentar: “I’m Felipe Dib”, “Nice to meet you”. Aula 3: “How are you?”. Aula 4: “What's your name? First name, middle name, last name”. E assim nós vamos evoluindo.
Nós gravamos 20 aulas, mas tivemos que interromper as filmagens, porque um mês depois do acidente, eu bati o carro de novo. E dessa vez eu me machuquei MUITO.
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Era uma sexta-feira, depois do almoço. Eu estava no quarto respondendo e-mails, quando os meus pais me convidaram para fazer um passeio. Eles iam com uns amigos até Ponta Porã, uma cidade na fronteira com o Paraguai, onde muita gente da região faz compras. É um passeio comum para quem mora em Campo Grande.
Eu animei de ir, inclusive porque eu queria colocar um "toca-CDs" no meu carro "novo" entre aspas, que não tinha nem som. Meus pais foram na frente e eu combinei de pegar a minha namorada e ir com o meu carro.
Era a primeira vez que eu pegava estrada depois do acidente. Eu estava com muito medo, muito inseguro por causa da batida anterior. Eu fui bem devagarzinho. Eu dirigia a 60 quilômetros por hora, e o tempo começou a fechar, começou a chover forte. O limpador do parabrisa estava na velocidade máxima e, mesmo assim, a visibilidade era ruim. Essa viagem normalmente dura 3 horas, mas naquela velocidade e com aquela chuva, eu falei pra minha namorada: “Meu amor, nós vamos chegar lá só amanhã”. Ela falou pra mim: “Se a gente chegar pro café da manhã, eu já tô feliz”.
Aí, numa curva onde já aconteceram alguns acidentes, nosso carro aquaplanou e atravessou a pista. Dessa vez, eu não rezei. A única coisa que saiu da minha boca foi: “Caraaa…”. E aquela palavra foi interrompida pelo maior barulho que eu já ouvi na minha vida. O meu carro bateu de frente com outro, que vinha no sentido contrário. Foi uma pancada tão violenta, que eu apaguei. A frente do carro amassou igual a uma sanfona e me espremeu pra dentro do carro, que virou uma bola de ferro amassado. Eu admito que no primeiro acidente eu estava errado, eu tive 100% de culpa, mas no segundo não.
Quando eu acordei, acho que alguns segundos depois da batida, a Cy, hoje minha esposa, já tinha sido retirada do carro. Só que eu estava preso nas ferragens. Com o impacto da batida minhas pernas dobraram até ficarem grudadas no meu peito, com os meus pés em cima do volante. O meu primeiro pensamento foi checar se eu tinha ficado paraplégico. Eu tinha pouquíssima mobilidade naquela posição, mas consegui me mexer um pouquinho e percebi que eu não tinha fraturado a coluna. Naquele instante, eu comecei a agradecer a Deus. Morrendo de dor nas pernas, nos pés, o corpo inteiro queimando, ardendo, mas eu já estava agradecendo.
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Enquanto os bombeiros tentavam me soltar das ferragens, alguém pegou o meu celular e ligou pros meus pais. Eles, que também estavam na estrada, só que mais à frente, voltaram em direção a Campo Grande. Mas o acidente tinha bloqueado a rodovia, então eles desceram do carro e caminharam um tempão até chegar no local da batida. De repente, eu vejo minha mãe, chegando desesperada e gritando: “Meu filho! Meu filho!” Eu fiz um sinal de joia pra ela com o polegar, sinalizando que estava tudo bem, mas não estava.
Deve ter demorado umas 3 horas até os bombeiros conseguirem me soltar das ferragens. Quando eles esticaram o meu corpo na maca, o grito que eu dei deve ter chegado a Campo Grande. A dor era insuportável. No hospital, descobriram que eu fraturei 6 costelas, calcâneo, fêmur, um osso na face. Minha boca não se mexia, meus olhos ficaram pretos. Depois, eu soube que eu tinha fraturado um osso na coluna também.
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Eu passei 29 dias internado, sentindo dor sem parar um minuto, sem conseguir dormir. Por causa das fraturas, eu não conseguia me mexer, talvez em alguns meses eu conseguiria me levantar. Eu tinha que fazer as necessidades na cama. O código para fazer o "number 2" era chocolate. Minha mãe colocava um lençol como cortina e eu ficava um tempão pra conseguir, precisando de ajuda para me limpar… E aí eu fui tendo a constatação de que o dinheiro não compra as coisas que têm mais valor na vida. A grana que eu tinha no banco não tirava a minha dor, não me dava mobilidade, não me ajudava a dormir. O dinheiro é fantástico para um monte de coisas, mas ele não seria a causa da minha felicidade, como até então eu acreditava.
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A minha vontade de devolver todas as bênçãos que eu tinha recebido veio com mais força ainda. Eu me lembro de uma noite lá no hospital, segurando as mãos dos meus pais e chorando, eu falei pra eles: “Deus foi muito bondoso comigo. A partir de agora eu vou dedicar minha vida pra agradecer, vocês vão ver. Enquanto eu não fizer a diferença na vida de cem mil pessoas, eu não vou sossegar”.
Quando eu tive alta, fui levado de maca pra casa dos meus pais, ainda sem me mexer da cintura pra baixo. Eu liguei pro produtor que eu tinha contratado antes, pedindo pra gente dar sequência nas gravações. Eu não podia sair da cama, e por isso ele ia em casa. Eu gravava as aulas ali, sentado na cama dos meus pais. Segundo nossos alunos eu estava muito arregalado e muito amarelo naquelas primeiras aulas. E eles têm razão, eu estava feio demais.
Depois de meses de fisioterapia, dedicação, graças a Deus eu voltei a andar. Eu sabia que esse gesto de gratidão duraria pra sempre, não seria algo passageiro. Já se passaram 10 anos desde que eu comecei a postar as aulas na internet. De lá para cá, a equipe cresceu e nós criamos uma plataforma própria, o Você Aprende Agora.com. Já são 41 milhões de aulas lecionadas para alunos em 181 países.
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Há dois anos, nós começamos a produzir conteúdo do currículo de inglês da BNCC pro Ensino Fundamental e Médio. Nosso curso hoje é transmitido pela TV aberta, chegando a milhões de pessoas que não têm nem celular, muito menos internet. Meu sonho é levar o Você Aprende Agora pros estudantes das escolas públicas. Eu ainda não consegui, mas um dia eu chego lá.
Eu trago o exemplo que eu tive em casa, de me preocupar em como eu posso ajudar as pessoas, o que eu posso fazer para retribuir a bênção de estar vivo. Eu sou um muçulmano que crê que todas as religiões pregam a mesma mensagem, com palavras diferentes. Todas buscam uma ligação com algo superior, que cada um chama do jeito que quiser: Cristo, Jeová, Krishna, Alá… Tanto faz. O importante é se conectar com essa força e agradecer pelo nosso bem mais precioso: a vida. Thank you very much. I'm Felipe Dib. See you next class!
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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
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