Presença que cura

A presença que cura é aquela presença que preenche

25 de Dezembro de 2023


A presença que cura é aquela presença que preenche. Preenche o espaço com uma risada, preenche o vazio com um abraço, preenche o silêncio com um olhar. A presença que cura é aquela presença escolhida a dedo, é aquela visita que, ao chegar, não se anseia pela partida.  

É valioso olhar para o lado e estar cercado só de quem lhe interessa - como cantou Lenine. A verdadeira riqueza, afinal, reside em nossos laços: ao partir deste plano, tudo ficará para trás, exceto a lembrança que você deixa em sua ausência. E é nessa lembrança que devemos focar nossos principais esforços. 

Nesse final do ano, aproveite as festas e as reuniões para cultivar suas relações com o mesmo apreço que uma avó cuida de seu jardim. Com o zelo que uma criança empenha ao criar um novo jogo. Com a força de vontade de um adolescente que quer conquistar o seu lugar ao sol. 

Nossas conexões, por mais espontâneas e fluidas que sejam, demandam intenção e empenho. É preciso regá-las para que elas cresçam saudáveis e, portanto, o primeiro passo deve ser escolher com cuidado ao quê e a quem você quer se dedicar. Feche os olhos, respire profundamente e pergunte-se: qual mão eu quero encontrar estendida para mim neste novo ciclo? Um brinde longo, ruidoso e feliz às nossas relações em 2024! 

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Para Inspirar

Carmem Virginia em "Escolhida por Xangô para ser iabassê"

O primeiro episódio da décima terceira temporada do Podcast Plenae é com Carmem Virginia, representando o pilar Espírito!

17 de Setembro de 2023



Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

[trilha sonora]

Carmem Virgínia: No candomblé, eu fui acolhida até por aquele que eu não vejo, que é o orixá. Quando você tem um encontro com seu orixá, você se sente abrigada por uma força. É como se a natureza te desse um abraço, como se o vento soprasse os seus ouvidos e mexesse o seu cabelo. Como se as águas te invadissem. É como se o fogo, que representa o meu orixá, Xangô, estivesse aceso dentro de mim, mas não me queimasse, só me aquecesse.

[trilha sonora]

Geyze Diniz: Aos 7 anos, dona Carmem Virgínia foi escolhida para ser iabassê, ou seja, a pessoa responsável por preparar os alimentos sagrados no candomblé. Na época, nem ela nem ninguém entendeu por que as entidades elegeram uma criança para um cargo tão importante. Ela assumiu a responsabilidade aos 14 anos e compreendeu que o seu papel era muito maior do que reproduzir receitas. Eu sou Geyze Diniz e esse é o podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.

[trilha sonora]

Carmem Virgínia: A minha ligação com o divino começa pelo meu nome. A minha mãe me batizou de Viviane Cristina, só que a minha avó não gostou dessa escolha. Ela disse: “Minha neta não tem cara de Viviane Cristina. Minha neta nasceu pra ser vencedora e próspera. Ela vai se chamar Carmem Virgínia”.

A minha avó tirou esse nome de um centro espiritualista oriental que ela frequentava em Recife, um lugar meio indiano, sabe? Carmem era uma senhora desse centro que recebia uma entidade chamada Virgínia.

[trilha sonora]

Eu fui criada pela minha avó, dona Edna. A minha infância poderia ter sido bem difícil, pela ausência de um pai, de uma figura masculina propriamente dentro da minha casa. Poderia ter sido difícil por ser filha de uma mãe solo, que se ausentou dessa casa por falta de condições. Mas a minha mãe não queria que eu sofresse. Ela queria que eu comesse na hora certa, que eu fosse pra escola, que eu tivesse as rotinas que toda criança tem que ter. Eu nunca tive dúvidas do amor de minha mãe e, apesar das dificuldades, tive uma infância muito boa, cercada de afeto.

[trilha sonora]

A minha avó, dona Edna, era amada pelo bairro, porque trabalhava como merendeira, alimentando as pessoas. Ela ficou viúva aos 36 anos e nunca mais se casou. Ela trabalhava 16 horas por dia, mas mesmo assim organizava a vida de todo mundo. Nós morávamos em 14 pessoas numa casa de dois quartos, entre primos e tios. Ninguém brigava, porque era proibido, nem falava palavrão. A minha avó não era prepotente nem mandona, mas era severa. Todos nós respeitávamos a força dela.

Ela sempre soube dividir o bolo pelo número de pessoas que estavam ali pra comer. Ela me ensinou que o pouco pra Deus é muito, mas, quando tiver muito, tem que se preparar para quando tiver pouco. A minha avó me dizia: “Seja você a alegria da vida das pessoas; seja você o brilho no olhar das pessoas; seja você o sorriso das pessoas”. Ela me criou pra trazer luz pros outros. Eu não sei o que é infelicidade. Talvez seja porque eu levei a minha vida toda com muita intimidade com o divino. Se você tem intimidade com a espiritualidade, você não é infeliz.

[trilha sonora]

Quando eu tinha uns seis anos, a gente se mudou do Recife pra uma cidade chamada Paulista. 

[trilha sonora]

Nós morávamos numa vila que tinha 22 casas de um lado e 22 casas do outro. Três casas antes da nossa, havia um terreiro de candomblé. E foi nesse terreiro onde eu conheci talvez a mulher que mais me modificou como pessoa e que me deu todo sentido do que é ter fé. Dona Maria Rodrigues Pinto era mãe de santo e conhecida na rua como vó Lô, porque ela benzia as crianças, era uma criatura muito boa, muito altruísta, muito especial.

[trilha sonora]

Por causa da dona Lô, eu comecei a frequentar o terreiro. Ninguém da minha família ia, só eu. Eu adorava ouvir as histórias que aquela senhora contava sobre África, sobre os negros e principalmente sobre os orixás, que são divindades do candomblé. Toda pessoa tem o seu espírito ligado a um orixá.

Eu me encantei pela música e pela comida do lugar. Era muita comida, era muita alegria, era muita risadagem. Ao mesmo tempo, era algo introspectivo. O terreiro tinha um cheiro de alfazema, um cheiro das ervas que dona Lô amassava nas mãos para fazer os banhos, cheiro dos galinhos de arruda e de pião roxo, que ela usava para benzer os nossos corpos.

Isso tudo pra mim era muita poesia. Era algo que me remetia à maternidade, ao cuidado, ao zelo, ao carinho, ao amor. Eu não tô aqui para dizer que o candomblé é a melhor escolha para qualquer pessoa que queira ser religioso. A melhor escolha é amar e aceitar o outro da forma que ele é, independente da religião. Mas eu quero dizer que eu nunca encontrei acolhimento em nenhuma religião como eu encontrei no candomblé.

Quando eu tinha sete anos, eu entrei escondido no terreiro pra assistir a uma cerimônia. No candomblé, os filhos de santo, como a gente chama, incorporam as divindades. Naquele dia, quem chegou no terreiro foi Xangô, justamente o meu orixá. Xangô notou a minha presença, me pegou no colo e saiu dançando comigo pelo terreiro. Eu fiquei encantada. Num determinado momento, ele levou sua mão à minha boca, e levou de volta à boca dele.

Depois me explicaram o que significava  aquele gesto.
Xangô tinha me escolhido para ser a cozinheira dele, num cargo chamado iabassê. Ninguém entendeu, porque eu só tinha sete anos de idade. Nem minha avó, nem ninguém, porque geralmente as pessoas mais velhas são escolhidas para essa função. Cozinhar pras divindades é um ato de suma importância no candomblé. Eu demorei sete anos pra assumir essa responsabilidade com o divino e me tornar, de fato, uma iabassê.

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Só tinha um detalhe: eu não sabia cozinhar. 

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Eu sempre achei minha avó a melhor cozinheira do mundo, mas nunca repliquei as receitas dela, gente. Até porque, ela não deixava a gente chegar perto do fogão. A minha avó queria que eu tivesse outra profissão. Naquela época, a gente via cozinheira mais em casa de família, porque nem bares e restaurantes eram tão comuns como é hoje.

Mas a cozinha foi entrando dentro de mim a partir do momento em que eu me identifiquei como iabassê, que eu quis ser cozinheira, eu entendi que, se eu abrisse aquela porta, eu não tinha que me esconder, eu não tinha que ter medo.

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A partir do momento que eu fui tendo intimidade com as comidas do candomblé, fui entendendo que poderia ser um trun
fo pra eu ascender como cozinheira. Porque na verdade todo mundo come a comida dos orixás, mas chama de comida baiana, comida regional ou comida brasileira.

As receitas de acarajé, moqueca, abará, vatapá, caruru e outras riquezas que nós chamamos de cozinha afro-brasileira pertencem aos orixás. Os terreiros de candomblé foram os guardiões dessas receitas centenárias, que chegaram pra gente através da oralidade. De certa forma, eu acredito que Xangô me escolheu lá atrás, porque sabia que eu ia espalhar essa mensagem e ajudar a fortalecer a história dos orixás.

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Ser iabassê significa estar sempre ligada ao divino, para não se perder dentro da cozinha. Porque não é só comida, é energia que vem da gente e alimenta o outro. Não dá para diferenciar o bom caráter do mau cozinheiro ou o mau caráter do bom cozinheiro. Ou você é os dois ou você é nenhum.

Nós, do candomblé, fazemos o que chamamos de oferendas aos orixás. São rituais com alimentos, flores e bebidas que funcionam como uma forma de se comunicar com o mundo espiritual. Existem comidas dedicadas para cada orixá. O acarajé é para Iansã, por exemplo. O caruru, que é uma sopa de quiabo, é para Xangô. Para Oxalá, as coisas brancas: canjica branca com uvas e arroz. Para Iemanjá, tudo que vem do mar. Para Oxum, o ovo, que representa a fertilidade, mas Oxum também come feijão fradinho com camarão, aquilo que chamamos de omolocum.

Só que o orixá em si não precisa de comida. Ele precisa da energia dos ingredientes, ele precisa da energia das nossas mãos e dos nossos corações. As nossas atitudes com o outro são cruciais para que o divino se sinta alimentado pela nossa intenção. Isso que é axé. Então, ser do candomblé e ser iabassê, especificamente, é fazer um exercício diário de errar menos. E, se errar, é imediatamente saber que errou e procurar remediar, porque ninguém aqui é orixá, nem Deus, nem Jesus Cristo. Somos humanos e erramos. Ser iabassê é se preparar diariamente para não se perder no caminho e não fazer coisas erradas, nem em pensamento.


[trilha sonora]

Abrir um restaurante foi um caminho natural.
Ao cozinhar nas festas e dos rituais, muitos visitantes do terreiro foram me dando sinais de que aquela comida poderia ser comercializada. As pessoas comentavam sobre o sabor dos meus pratos. Daí eu decidi me especializar.

Comecei a estudar, mas não só sobre os orixás que estão na minha nação, que é Nagô, mas sobre todas as nações do candomblé, como o Ketu, Angola e Jeje. Estudei sobre os povos que vieram de África, do Benim, de Angola, da Nigéria, do Senegal. Entendi que a África não é só comida de santo, mas um grande continente e me tornei especialista em cozinha africana. A África é plural e nem
todo o continente bate tambor.


[trilha sonora]

A cozinha de orixá chegou nas faculdades de gastronomia. Os cursos me citam como pioneira na cozinha ancestral, não como quem criou, mas como a primeira pessoa a se manifestar sobre isso. Eu tenho orgulho de falar abertamente sobre meus dogmas, sobre meus orixás, de andar com minhas contas, de botar o meu turbante, de bater no peito que sou de candomblé, que sou cozinheira de orixá e que consigo o sustento de minha família com essa comida.


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Anos atrás, eu entrei num programa que fez um exame de DNA em 100 brasileiros pra dizer de que parte de África a gente era. O resultado apontou que eu era uma hauçá yorubá, da Nigéria. Hauçá é muçulmano. E yorubá é da terra de Xangô. Essa descoberta foi muito significativa pra mim. Fechou-se um ciclo dentro de mim sobre por que Xangô tinha me escolhido lá atrás. Ele não só me escolheu, ele me reconheceu. Eu fiquei muito feliz de saber que dentro de mim corre sangue 100% negro.

É tão bom a gente saber de onde veio, o nome do nosso povo e da nossa família. O passado dos negros foi apagado pela escravidão. Hoje, quando eu me vejo dentro de uma cozinha, fazendo uma comida maravilhosamente preta, eu me orgulho e agradeço muito por Xangô ter me escolhido pra ser sua cozinheira.

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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.

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