Para Inspirar
Uma das maiores invenções da humanidade, a religião é motivo de debate ao longo dos séculos. Mas o que pensam os Humanistas a respeito de seu propósito?
25 de Fevereiro de 2021
É praticamente impossível cravar há quantos anos existe a religião entre os seres humanos. Isso porque o termo designa diferentes tipos de dogmas que se modificaram ao longo do tempo, uns acabando, e outros apenas se ressignificando.
Mas, como crava o antropólogo e historiador Yuval Noah Harari em sua obra mais vendida, Sapiens, um dos fatores que fizeram o Homo Sapiens chegar tão longe foi o poder da crença e da cooperação coletiva. Se eu creio que ali naquele pedaço de ilha há sereias que cantam e nos dão poder, então eu unirei esforços para chegar até lá e, pouco a pouco, conquistamos o mundo inteiro.
Ainda assim, há várias maneiras de encarar o mesmo assunto: qual é o propósito da religião? Para Eduardo Ruano, escritor e autor da obra recém-lançada, O Humanismo na Religião, a fé nas diferentes correntes teológicas nada mais é do que o desejo de dar sentido à sua própria existência.
“Para mim, o Humanismo na Religião é uma obra que enfatiza o papel do homem como criador de significado e sentido para sua vida e essa responsabilidade é intransferível, independentemente de qualquer crença como a existência de Deus, anjos” explica Eduardo.
Esse homem, segundo ele, sente por um lado a angústia de ter que carregar o peso de suas próprias decisões e, por outro lado, ele é encorajado a buscar sua independência. “Então o desejo do homem de dar sentido a sua própria existência é individual, não existe um sentido geral, o que existe é que cada pessoa constrói com base na sua história particular” explica.
Quando a religião promete um sentido maior em Deus, ela quer prometer uma garantia que existe um sentido maior e ideal para o qual você pode lutar, algo como dar um sentido coletivo, isentando o sujeito de buscar ele o seu próprio.
Mas os humanistas acreditam somente no sentido que se constrói com base na sua experiência. “O Humanismo traz o crente para perto de si, porque sabe que essa fé é importante para formar suas próprias ideias de mundo. Portanto, não existe falar de Humanismo sem falar em religião”.
Sua proposta não é tampouco negar ou questionar a existência da divindade, mas entender qual é o seu papel na construção de significados de cada indivíduo, e remanejar hierarquias. “Se antes os cristãos colocavam o homem como destinatário das mensagens divinas, hoje o homem é mensageiro. No lugar dele ser uma pessoa que é usada para explicar a representação do mundo, ele mesmo dá uma explicação sobre o mundo em que ele vive. Deixa de ser passivo e passa a ser ativo”, explica.
O humanista, seja ele ateu ou religioso, ela não exclui Deus da representação do mundo, mas pra ele, Deus não é a autoridade suprema a partir da qual ela cria seus valores, essa autoridade é o homem. Os valores humanos são subjetivos e, sendo assim, podemos optar por eles.
Características de um humanista:
Além disso, o propósito de se criar crenças que nos ajudam a significar o mundo ao nosso redor e a nossa própria existência, é também entender as nossas falhas. “Tudo que ele projeta em Deus é o que ele gostaria de ser, tudo que ele enxerga em Deus é uma projeção de uma imperfeição do mundo terreno, suas próprias deficiências Ele pode tudo, perdoa tudo, está por toda parte - humanos não. A entidade acaba servindo de modelo: sem ele, muitas pessoas podem se sentir mais ansiosas e apreensivas na tentativa de significar o mundo”, diz o escritor
Se Deus é uma criação humana, logo, ele é fruto de nossos valores, reflexo do que esperamos do mundo. Novamente: o Humanismo não questiona a existência do divino, apenas busca entender o que ele representa no mundo terreno. Além disso, a emoção torna o que é misterioso mais aceitável do que a razão. A entidade acaba servindo de modelo: sem ele, muitas pessoas podem se sentir mais ansiosas e apreensivas na tentativa de significar a vida”, diz o escritor.
Portanto, pode-se dizer ainda que religião é identidade, é a forma como sujeito se percebe no mundo, é a projeção de tudo que ele acredita ser importante para sua formação, e que ele almeja ter um dia. “Por isso, seus dois principais sentimentos envolvidos são o medo e a esperança: sem o medo de falhar, não haveria esperança em melhorar”, conclui Eduardo.
E você, como encara sua própria fé enquanto mecanismo valioso para a construção de uma versão cada vez melhor de si mesmo? Lembre-se de que a religião é, antes do que tudo, uma ferramenta, uma agente de mudança, e cabe a nós, seres humanos, usá-la de maneira benéfica.
Para Inspirar
Ver somente o lado bom de todos os eventos cotidianos pode condicionar o seu cérebro mais resistente às realidades da vida
2 de Setembro de 2020
O ano é de 2020 e o mundo é então acometido por uma pandemia que já apresentava seus primeiros sinais ao final do ano anterior no território asiático - mas foi solenemente ignorada por todo o resto do planeta. De repente, nos vimos confinados em nossas próprias casas e, em muitos casos, acompanhados somente de nós mesmos e nossos pensamentos.
Por mais importante que a atitude positiva seja importante para tornar nossas rotinas mais leves, não podemos negligenciar nossas próprias emoções negativas, que fazem parte dessa dança chamada viver. Não só em situação pandêmica, mas em ocorrências comuns da vida - como o fim de um relacionamento ou a morte de um ente querido - todas elas pedem que se respire fundo e abrace a sua tristeza interior para que a ferida seja curada.
Entrevistados pelo portal Huffpost britânico, alguns psicólogos comentaram sobre o assunto e explicaram de forma científica o porquê devemos dar vasão mesmo aos sentimentos negativos que habitam dentro de nós. Essa negação já possui até mesmo um termo científico: positividade tóxica. Confira os principais pensamentos reunidos a seguir.
Para a assistente social e diretora de desenvolvimento de programas do Newport Institute, Heather Monroe, a positividade tóxica pode simplificar o cérebro e a maneira como ele processa nossas emoções. Isso, a longo prazo, pode incentivar uma pessoa a inibir ou calar seus sentimentos e, por fim, desenvolver alguma doença de natureza emocional.
“Acreditar que, se ignorarmos as emoções difíceis e as partes de nossa vida que não vão bem, seremos muito mais felizes pode simplificar demais o cérebro humano e ser prejudicial a nossa saúde mental” diz. Isso porque sentir-se conectado e ouvido pelos outros é um dos antídotos mais poderosos contra a depressão e a ansiedade, segundo a especialista.
Está tudo bem em não conseguir realizar todos os seus sonhos e vontades de uma vez só. Durante a pandemia, fomos bombardeados com a ditadura da alta produção. Redes sociais e posts nos incentivando a estarmos em constante produção, seja de uma nova receita, ou tirando um velho projeto da gaveta ou aprendendo a fazer artesanato e falar um novo idioma.
Mas, como dissemos nessa matéria, o ócio é também muito importante para sua criatividade e para o respiro de seu cérebro. Mais do que isso, encher-se de tarefas ao longo do dia é negar seus próprios sentimentos e não parar para ouvi-los.
Para o psicoterapeuta Noel McDermott, também entrevistado pelo portal Huffpost britânico, “mesmo em tempos normais, concentrar-se no seu eu interior é sempre um desafio, pois todos temos nossos demônios”. Mas na pandemia, isso ficou ainda mais evidente. “Um dos maiores exemplos de positividade tóxica é a negação da natureza traumática da pandemia”, afirma.
Estar preocupado ou chateado com alguma situação faz parte do funcionamento cerebral humano. É inclusive o que nos mantém vivos, alertas aos perigos que o mundo oferece, desde quando ainda éramos homo sapiens vagando pela natureza selvagem.
Evidentemente, os riscos hoje são diferentes - mas ainda assim, se nos geram preocupação, é porque acionam esse dispositivo mental que carregamos dentro de nós enquanto espécies ao longo dos milênios. A preocupação exacerbada pode gerar um estresse que, a longo prazo, também nos faz mal.
Mas simplesmente ignorá-la e fingir que ela não existe não parece uma boa solução. Afinal, é preciso fazer as pazes até mesmo com o estresse, como explicamos aqui. Até porque, em situações atípicas como no caso da pandemia, é preciso que o cérebro reconheça a situação em que está exposto para então se acostumar.
Segundo a terapeuta novaiorquina Jenny Maenpaa, é preciso estar atento à sua própria auto sabotagem. Assumir uma atitude positiva e otimista não necessariamente implica em ignorar todo o resto. “Você pode combater a positividade tóxica reconhecendo que diversas emoções complexas podem existir ao mesmo tempo dentro em você” afirma ao portal britânico Huffpost.
Por fim, a positividade tóxica pode ser nociva ainda em debates sociológicos, como racismo ou desigualdade social. Uma vez que o indivíduo está determinado a enxergar somente o que há de bonito na vida, ele acaba por ignorar muitas vezes o sofrimento do outro.
É irônico pensar que justamente as pessoas mais positivas possam ser menos empática, ainda que não propositalmente. Durante a pandemia, ao tentar pregar “vamos focar nos recuperados” insistentemente, o otimista pode estar fechando os olhos para a dor de quem perdeu um ente querido, e que pode ter ficado de fora desse foco positivo.
McDermott compara a um caso de abuso doméstico, onde a vítima não pode ser aconselhada com base somente na psicologia positiva como uma maneira de gerenciar o abuso, pois assim ela permanecerá nessa situação. “Ela deve ser aconselhada a tomar medidas para ter a segurança física e também a tomar medidas psicológicas para se recuperar do abuso” explica.
Educar o seu cérebro para manter-se grato pode te levar ao bom envelhecimento, como nos contou o neurologista Fabiano Moulin. Mas é importante que você se permita vivenciar o movimento e sentir todas as emoções que o cérebro humano é capaz de sentir. Isso vai te ajudar a elucidar questões e enxergar sob diferentes pontos de vista.
Uma vez admitido o desconforto, lide com ele de forma a educar o seu corpo, e não ignorando-o. Técnicas de respirações, como as que ensinamos aqui, podem te ajudar nessa empreitada. Entender as diferentes técnicas de meditação descritas aqui também devem ser bem-vindas para esse momento imersivo.
Cuidar da saúde mental em tempos de pandemia parece tarefa impossível, mas ouvir suas próprias queixas é o primeiro passo rumo ao autocuidado e ao autoperdão.
“Quando nos permitimos ter várias verdades aparentemente conflitantes em nossas mentes ao mesmo tempo, eliminamos a tensão entre elas e damos espaço a todas as nossas emoções, positivas e negativas”, explica Maenpaa ao Huffpost.
Todo tipo de expressão é válida: se você for mais reservado, escreva um diário. Dê corpo e alma a tudo que habita dentro de sua mente, para então identificá-los. Só assim você será capaz de lidar de maneira racional e sincera consigo mesma e com seus sentimentos. Esteja livre para sentir e, então, ser.