Você está preparado para viver mais de 100 anos?

Se essa pergunta te surpreendeu, saiba que estudiosos acreditam que já nasceu o primeiro ser humano que vai chegar aos 200 anos de idade!

18 de Outubro de 2022


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Para Inspirar

Dalton Paula em "Representando os corpos silenciados"

Conheça a história de um artista premiado que trouxe suas vivências mais desafiadoras para o centro de sua arte.

13 de Outubro de 2024



Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

[trilha sonora]
 

Dalton Paula:
A arte me deu muito mais do que eu poderia imaginar. Na adolescência, o meu horizonte era só participar de exposição em Goiânia. Se uma pessoa me falasse que eu ia expor na Bienal de São Paulo, fazer parte do acervo do MoMA e abrir um centro cultural, eu ia achar que era brincadeira.  

[trilha sonora]
 

Geyze
Diniz:
Dalton Paula acredita que todas as suas vivências contribuíram para chegar aonde chegou. Tanto os desenhos que fazia quando era pequeno, quanto seu trabalho como bombeiro o ajudaram a criar o olhar e a crença de que é possível transformar qualquer material em arte.

Hoje, ele já exibiu suas obras em diversos países e está à
 frente do ateliê-escola Sertão Negro, dividindo suas experiências e seus aprendizados com os novos artistas. Eu sou Geyze Diniz e esse é o podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.
 

[trilha sonora]

Dalton Paula:
Eu fui uma criança introvertida e de saúde frágil. Fiquei boa parte da infância trancado num apartamento. Para passar o tempo, eu assistia desenhos animados, entre eles os Cavaleiros do Zodíaco, um anime japonês. Eu gosto de contar esse episódio, porque a gente nunca pode desprezar nenhuma forma de arte.

Um desenho despretensioso pode ser o começo de uma história maior. E comigo foi assim.
 Por causa dos Cavaleiros do Zodíaco, eu passei a colecionar revistas de heróis. A minha brincadeira era copiar esses desenhos com papel carbono e colorir com lápis de cor. Eu acho que, de alguma maneira, a combinação de cores que eu usava naquelas cópias chamou a atenção da mãe do meu amigo.

Quando eu tinha 14 anos, ela me convidou
para fazer um curso de pintura na Escola de Artes Visuais em Goiânia. Hoje eu entendo esse estímulo como uma armadilha, no bom sentido, pra capturar um adolescente e inserir no universo das artes. Foi assim que eu descobri a minha missão de vida.
 

[trilha sonora]
 

A lista de materiais da aula incluía uma malha de uns 3 metros de comprimento. Antes da gente pegar qualquer tinta
e pincel, um professor com formação em artes cênicas pediu para gente enrolar o corpo nessa malha e produzir sons e movimentos. Ele estava estimulando a gente a refletir qual era melhor linguagem para potencializar o que a gente queria dizer. 
 

No curso, eu conheci o trabalho de artistas como Farnese de Andrade, Marco Paulo Rolla e Arthur Bispo do Rosário. Ver linguagens diferentes causou uma erupção na minha mente. Eu fiquei 6 anos nessa escola, e depois dois no Museu de Arte de Goiânia, estudando desenho. As aulas estimulavam a gente trabalhar com o lado direito do cérebro, o lado das aptidões artísticas. E aos poucos eu fui explorando outros caminhos, como a fotografia e a
foto performance.
 

Desde cedo, eu percebi que viver de arte no Brasil
era um desafio. Embora a minha mãe me incentivasse a seguir por esse caminho, eu queria uma segurança financeira. Então, eu optei por ter uma profissão paralela e fiz faculdade de química por dois anos. Só que eu entendi que não dava para ser artista e, ao mesmo, se submeter a questões de mercado. E aí eu decidi prestar um concurso para o Corpo de Bombeiros. 
 

[trilha sonora]
 

Eu trabalhei 12 anos como bombeiro, e esse período foi uma escola
para mim. Eu prestava socorro pra vítimas de acidente de trânsito, de agressão, pra pessoas feridas e que tiveram um mal súbito. Eram crianças, adultos e idosos.
 Eu, como uma pessoa que recebeu muitos cuidados na infância, me vi no papel de cuidador.

Essa experiência me deu acesso aos corredores dos hospitais. Me fez entrar em casas de pessoas em situação de
violência e vulnerabilidade. Foram vivências que ajudaram a engrossar a minha casca. É curioso, porque o Cerrado, o bioma do Centro-Oeste, onde eu moro, tem árvores com cascas bem grossas e mais resistentes a queimadas.
 

Trabalhar como bombeiro ajudou também a formação da minha identidade. Passar por situações de intensidade emocional e psíquica me deram ferramentas
para poder mergulhar cada vez mais a fundo no trabalho artístico. 
Eu comecei a me interessar pela busca de minhas origens. Eu tenho poucas informações sobre a minha árvore genealógica, assim como outros corpos negros.

A pesquisa pela ancestralidade toca raízes profundas, que direcionam a gente no presente e apontam o caminho do futuro. Eu me senti pertencente em lugares como quilombos, os terreiros
, subúrbios da cidade, as festas populares de Goiânia. Fui me sentindo mais conectado com as minhas raízes, com a terra e, assim, com a minha essência.
 

[trilha sonora]
 

A minha atividade de artista e a vida d
o bombeiro caminhavam em paralelo, mas às vezes os dois mundos se chocavam. Teve uma vez que o convite de uma das minhas exposições era uma foto minha vestido de noivo, maquiado e com a sobrancelha modelada. Com autorização do meu comandante, eu coloquei o convite no corredor do quartel. O meio militar, a gente sabe, tem um viés viril, e ainda precisa romper muitas barreiras em termos de gênero e sexualidade. Para mim, a arte tem um papel de tirar a pessoa do eixo e forçar uma reflexão sobre determinadas coisas.
 

[trilha sonora]
 

Teve uma época em que o meu tempo livre ficou muito reduzido, e eu comecei a pensar em outras formas de produzir arte. Eu circulava muito pela cidade nas viaturas, e comecei a mapear os muros, prestando atenção em cores e texturas. Um tijolo quebrado
e a água escorrendo pela parede atraíam a minha curiosidade.

Eu enxergava pinturas naqueles
muros e fiz um trabalho de foto performance nas minhas folgas, em que eu colocava diante daquelas paredes como um personagem. 
Como artista, é possível transformar qualquer material em arte. Seja um trabalho performático com seu próprio corpo, seja uma instalação, um objeto e uma fotografia. Eu não consigo fugir desse exercício.

[trilha sonora]
 

Na minha primeira exposição individual, eu fiz um empréstimo consignado na folha de pagamento
para bancar não só a minha arte, mas o coquetel e o DJ que ia tocar no evento. Era uma loucura, mas hoje, colhendo os frutos dessa loucura, eu vejo que foi bom ter me arriscado. Eu tive muita sorte de contar com o apoio de pessoas ao meu redor, da minha mãe, dos meus colegas da corporação. A gente não faz nada sozinho.
 

Em 2014, aconteceu a minha primeira exposição individual em São Paulo. Era um passo importante, porque o meu trabalho poderia passar a ser visto por muito mais gente. Nessa época, eu precisava fazer muitas negociações nos Bombeiros
para poder estar em São Paulo por algumas horas. Todo dia saem ônibus de Goiânia cheio de pessoas que vão pra São Paulo comprar roupa pra revender. Eu fazia esse bate-e-volta de 1.800 quilômetros. Chegava de manhã em São Paulo e à tarde já voltava pra trabalhar em Goiânia no outro dia. 

[trilha sonora]

As artes começaram a exigir cada vez mais dedicação, conciliar duas profissões exigentes foi ficando impossível. Até que, em 2016, eu recebi um convite
para participar da 32ª Bienal de São Paulo. Foi a gota d’água para eu tomar coragem, chutar o balde e deixar a corporação. Era uma fase de instabilidade política e econômica no Brasil. Eu ouvi de muita gente que era maluquice trocar um emprego público e estável para viver de arte. Mas eu decidi acreditar no meu sonho.
 

Em 2020, veio a primeira exposição internacional
de Nova York. Eu cheguei nos Estados Unidos em fevereiro, para ficar 80 dias. Mas logo depois começou o lockdown. A minha família queria que eu voltasse pro Brasil, mas eu decidi continuar em Nova York, e falei pra minha galeria: “Vou parar de ver televisão. Vou parar de ler as notícias. Se o mundo acabar, me avisa”.

Todo dia, eu ia
caminhando um pouco mais de uma hora do Airbnb até o estúdio. Era inverno. Às vezes, eu ia caminhando na chuva, às vezes, na neve. Mas eu não podia perder aquela oportunidade. Aí eu ia para o atelier, m
e concentrava e assim eu consegui fazer 24 retratos. São pinturas que retratam líderes negros que foram silenciados na história brasileira.

Essa era uma série que
eu tinha começado em 2018, inspirada na falta de imagens históricas dos negros. As únicas fotos e pinturas que eu encontrava objetificavam
esses corpos. Nos meus retratos, eu procurava criar uma nova história. Aí, o MoMA, que é o Museu de Arte de Nova York, comprou 6 dessas pinturas, e meu trabalho passou a fazer parte da coleção do museu. A exposição, de fato, foi acontecer só em setembro, e todos os meus trabalhos foram vendidos.  

[trilha sonora]

Depois disso, eu me senti com a casca grossa o suficiente
para trabalhar em qualquer lugar do mundo. Com a grana, eu consegui construir uma casa, um atelier e uma escola que se chama Sertão Negro, em Goiânia.
Num momento em que a educação e a cultura estavam sendo muito atacadas no país, eu achei que abrir uma escola de arte seria a atitude certa. Eu recebi muita ajuda na vida, e quero deixar a minha contribuição para artistas da nova geração. Quero compartilhar com eles o que eu aprendi sobre os códigos acessados nas galerias, nas instituições e nos museus.

[trilha sonora]

Hoje, o Sertão Negro tem aula de gravura, de cerâmica, de capoeira angola e de história da arte. O espaço tem 6 mil metros quadrados. A gente de
senvolve práticas agroecológicas produzindo parte do nosso alimento, de forma orgânica. A gente tem banco de sementes crioulas, que foram desenvolvidas, adaptadas ou produzidas por agricultores familiares, quilombolas, indígenas ou assentados da reforma agrária.

Hoje, o Sertão Negro tem 30 pessoas fixas
o que compõem essa comunidade de artistas em formação que frequentam a escola, participam das atividades e desenvolvem suas pesquisas. Um dos nossos projetos é dar autonomia pros artistas, garantindo para eles não só um lugar para trabalhar, mas para morar, que é o Jatobá Nascente. O Sertão Negro também possui três chalés com bioconstrução, que se conectam com o nosso programa de residência artística internacional, que recebe artistas do país e do mundo.
 

A gente vê a arte de uma forma expandida. A nossa referência são as comunidades tradicionais, tanto quilombolas quanto indígenas. Nesse contexto, a terra, a planta e todos os elementos naturais são sagrados. Uma pincelada no Sertão Negro não é mais importante do que uma semente plantada no solo. Cultivar um jardim num lugar que já foi um depósito de lixo é uma manifestação artística. 

Nesse momento de superaquecimento do planeta, d
as queimadas, das grandes enchentes, a gente tem que encontrar outras formas de está no mundo, de usar a água, de construir nossas casas e de se alimentar. A receita já existe. Ela é ancestral e nas comunidades tradicionais. A humanidade tem buscado outros caminhos, mas eu acho que eles não tão dando muito certo.

Ao longo da vida, muitas
das vezes eu ouvia vozes internas de que eu não pertencia a nenhum lugar. De que eu não podia fazer isso ou aquilo. Eu poderia ter parado no meio do caminho, se tivesse acreditado nessas vozes. Mas eu não sou uma pessoa de fugir da missão. Hoje, eu só peço força, sabedoria e discernimento para tocar o meu trabalho da melhor forma possível e deixar a melhor contribuição que eu puder pro mundo.

[trilha sonora]

Geyze
Diniz
: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae. 

[trilha sonora]
 

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