Você sabe onde se encontrar?

Você já se procurou em suas antigas versões?

13 de Abril de 2023


Você já se procurou em suas antigas versões? Sentiu falta daquilo que não tem certeza se viveu de fato, mas acha que viveu e, portanto, sente saudades? Você já foi embalado justamente por esse saudosismo onde tudo parece ter sido impecável no passado e, portanto, pode estar fadado ao fracasso no futuro?

O nome disso é nostalgia que, segundo a definição do dicionário, trata-se de "saudades de algo, de um estado, de uma forma de existência que se deixou de ter; desejo de voltar ao passado." É nesse desejo de voltar para o que já foi, tão natural quanto qualquer outra sensação humana, que podemos nos perder de nós mesmos.

Virar essa falta ambulante, uma fonte inesgotável de lembranças que, ao menor descuido, poderá habitar cada parte de seu corpo como alguém que sempre esteve aí. Ficar eternamente preso ao que se foi, mas seguir sendo de alguma forma que não se sabe explicar. Procurar-se em ruínas e perder-se no tempo presente, em um constante álbum de memórias próprias, que só fará sentido para quem o sente.

Essa vontade de viver o que já se viveu é, na verdade, um mecanismo de defesa de qualquer ser humano, pois o perigo mora apenas no desconhecido. E, nesse passado tão perfeito, não há desconhecimento.

Se normalizamos a falta, devemos também normalizar o nosso adeus. Entendo, enfim, que somos feitos então de pequenas saudades do que fomos, todos nós. Fragmentos do eu que deixou de existir para que outro eu pudesse nascer. Viver é perder-se um pouco o tempo todo nas esquinas da vida, enquanto tenta se encontrar.

Você sabe onde se encontrar? Você sabe onde se encontrar? Você sabe onde se encontrar? Você sabe onde se encontrar?

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Para Inspirar

Eduardo Kobra em “Desenhando um mundo melhor”

Na sexta temporada do Podcast Plenae, Eduardo Kobra conta como passou de pichador na zona norte para muralista internacional.

12 de Setembro de 2021


Leia a transcrição completa do episódio abaixo:


[trilha sonora]

Eduardo Kobra: Quando meu trabalho apareceu, eu fui muito discriminado por outros artistas. Me julgaram pela estética, pela linguagem e por trabalhos que eu fiz porque eu precisava sobreviver. Mas, eu continuei me dedicando, colocando meu sentimento nas minhas obras e as coisas foram acontecendo. O que eu expresso vem da realidade que eu vivi, do bairro de onde eu nasci, da origem que eu tive. Eu uso os murais para denunciar problemas sociais e causas que ninguém quer ver.

[trilha sonora]


Geyze Diniz: Um dos artistas brasileiros mais renomados do mundo, o muralista Eduardo Kobra, também conhecido como Kobra, superou muitos obstáculos antes de ter o seu trabalho presente em mais de 35 países. Nascido em São Paulo e, apesar das adversidades de uma adolescência vivida na periferia de uma grande capital, ele conseguiu deixar o talento e a força de vontade se sobressairem.

O menino, que andava por aí pichando muros, virou então um orgulho nacional. Conheça a história de Eduardo Kobra. Ouça no final do episódio as reflexões da psicanalista Vera Iaconelli para lhe ajudar a se conectar com a história e com o momento presente. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.


[trilha sonora]


Eduardo Kobra: Eu ganhei o meu apelido na escola. Eu era um menino retraído, não tirava nota muito boa  e passava a aula inteira desenhando. Os outros garotos viam meus desenhos no caderno e começaram a me chamar de “Cobra”, de sentido de ser bom, de ser fera naquilo.


Eu desenhava muita história em quadrinhos, super-heróis, caricaturas. Via um desenho no gibi e tentava reproduzir. Dois amigos da comunidade também tinham esse hobbie. Um deles, o Johnny, era bem melhor que eu. A gente se encontrava, mostrava os cadernos e assim ia aprendendo um com o outro. 


Com uns 12, 13 anos, conheci na porta da escola uns moleques mais velhos que pichavam. Eu fiquei completamente entusiasmado com a possibilidade de colocar meu nome num muro. Era uma forma de, sei lá, me libertar, me expressar, protestar e, ao mesmo tempo, pintar. 


Comecei a pichar dentro da escola. Pegava um pincel atômico e escrevia o meu apelido, Cobra, naquela época com “c”, no teto, nas carteiras, nas cadeiras, em qualquer lugar. Fui advertido várias vezes. Meus pais foram chamados na diretoria e assim eles souberam que eu tava pichando. Eles ficaram muito preocupados.


[trilha sonora]


Mesmo assim, eu continuei andando com aquela turma. A galera devia ter mais de 20 anos e eu era o mascote. A gente pegava ônibus, ia até o centro de São Paulo e voltava a pé pra casa, pichando muros no caminho com spray. Mudei a minha assinatura para Kobra com “K”, porque já tinha outros pichadores com “C”.  


Era uma vida bem arriscada. Tinha gente que caía de prédio e morria, outros eram pegos pela polícia. O perigo mais constante eram as brigas violentíssimas por disputa de território. Uma pessoa não pode pichar na área que não é da turma dele ou escrever o nome por cima do nome do outro.

Fui detido 3 vezes, quando eu ainda era menor de idade. Numa delas, eu tava num túnel perto do Parque do Ibirapuera, com uns 4 caras. Fomos levados pra delegacia e os policiais picharam a gente. Foi humilhante. Teve outra vez que eu tava no muro do Jockey Clube, de madrugada. Quando vi a viatura, consegui me esconder junto com os travestis que fazem ponto ali. Um dos meus amigos foi detido. 


Meus pais ficavam revoltados, queriam me afastar da pichação de qualquer jeito, para me proteger. Eles não entendiam porque eu entrei naquele universo. Na verdade, nem eu mesmo entendia. Hoje eu vejo que era coisa de adolescente rebelde. Mas na época eu não tinha essa maturidade e clareza. Chegou um ponto em que eu via problemas em todo lugar: em casa, na escola, na rua. Eu tava perdido, sem rumo. 


[trilha sonora]


A minha vida começou a fazer algum sentido no dia em que eu vi uns caras dançando break. Foi no Largo São Bento, no centro de São Paulo. 


[trilha sonora]

Aquela dança acrobática, que fazia sucesso nos anos 80, chamou a minha atenção. Os caras eram de um grupo chamado Jabaquara Breakers. Me aproximei deles e ainda conheci a cultura hip hop, um movimento cultural que nasceu na periferia de Nova York, nos anos 70. Eu comecei a ouvir Racionais MC’s, Thaíde & DJ Hum. Me identifiquei com aquelas letras que falavam da violência urbana, das dificuldades da periferia, das diferenças sociais. Eu pensei: “Cara, eu também tô passando por isso”.


[trilha sonora]

Com o hip hop, eu comecei a tomar consciência do que acontecia ao meu redor. E aquilo me deu um chacoalhão, no sentido de pensar o que eu queria para a minha vida. Eu já sabia que eu não queria droga, nem crime, mas ao mesmo tempo eu me sentia deslocado socialmente. Aí o hip hop me apresentou o grafite, uma arte de rua que é um dos pilares do movimento, junto com o rap, o DJ e o break. Eu me descobri.

Comecei a pesquisar sobre o assunto e encontrei num sebo um livro da Martha Cooper, uma fotógrafa americana que fotografou o grafite nos muros de Nova York. Pelas fotos dela, eu passei a entender as diferenças entre os artistas, as linguagens, a estética, os materiais. Eu andava com esse livro debaixo do braço 24 horas por dia. Se o meu trabalho existe hoje, é graças à Martha Cooper.


[trilha sonora]


Durante alguns anos, eu fiz uma transição da pichação pro grafite. Eu não considero que tenha sido uma evolução. Eu só fui pro grafite porque eu já desenhava, e eu adorei descobrir que eu podia desenhar num muro.

O sucesso não veio de uma hora pra outra, não. Demorou bastante. Para pagar as contas, trabalhei como estagiário na Caixa Econômica Federal e como office boy. Saí da casa dos meus pais, porque eles não aceitavam as minhas escolhas, mas eu nunca deixei de lutar.

Aos poucos, começaram a aparecer trabalhos remunerados pelos meus desenhos. Eu pintava oficina mecânica, escolinha, quarto de criança, reproduzia quadros de pintores conhecidos. Eram bicos que me davam uma graninha e serviam de prática pra eu desenvolver a minha técnica.


Eu ganhei um pouquinho de estabilidade financeira quando fui trabalhar no Playcenter. Eu pintava os ônibus e todos os equipamentos e brinquedos do Noites do Terror, um evento anual que fazia muito sucesso lá no parque. Passei uns 10 anos nisso, até oportunidades maiores começarem a surgir. 


[trilha sonora]


Não sou mais considerado grafiteiro, e sim, muralista. Pelas regras da street art, o grafite é feito de forma ilegal, sem autorização do dono do muro. Hoje, meu trabalho está presente em 35 países, considerando que nos Estados Unidos eu tenho cerca de 50 murais. Só em Nova York, são 20. Um deles fica numa escola para alunos especiais onde o Jean-Michel Basquiat estudou. Ele é uma das minhas principais referências de street art.


Eu tenho murais na Inglaterra, na França, nos Emirados Árabes, no Japão, na Rússia, na Índia, na Noruega. Uma vez, eu tava pintando no Taiti e a Martha Cooper, aquela fotógrafa americana, apareceu para registrar o meu mural. Eu fiquei super feliz. Falei pra ela que era uma honra pra mim, porque ela faz parte da minha história, mesmo sem saber. Apesar que ela sabe, né? Ela é responsável por todo mundo que faz arte de rua do planeta. 


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Algumas pessoas perguntam como eu cheguei onde estou hoje. Não tem bala de prata. O que existe é um passo de cada vez em 30 anos de dedicação. Eu tive e até hoje tenho que encontrar meios de viver da arte e de ter liberdade criativa. E isso não é nada simples. 


Muita gente me fala: “Ah, Kobra, você não é exemplo pra ninguém na periferia, porque você é uma exceção”. E eu respondo: “Ao contrário, eu sou a prova de que é possível”. Poderia ter sido mais fácil? Poderia, se alguém tivesse percebido o meu talento e me instruído. A periferia tá cheia de talentos desperdiçados, gente que fica pelo caminho porque encontra barreiras intransponíveis. Por isso, eu tô criando um instituto para dar oportunidade a meninos e meninas em situação de vulnerabilidade.

Nem todo mundo nasceu pra estudar medicina, engenharia ou arquitetura. Tem gente com dom pra ser bailarino, poeta, músico. E eu não quero que esses jovens enfrentem o preconceito que eu enfrentei. Os meus pais nunca conheceram um artista antes de mim e só ouviam falar coisas ruins sobre o universo da arte. Por isso eles tiveram tanta resistência, mesmo quando eu já fazia grafite.

Com o passar do tempo, vendo a minha dedicação e meu profissionalismo, eles passaram a respeitar a minha profissão. Um dia, eu abri a gavetinha que tinha ao lado da cama do meu pai, da cabeceira. Eu vi que ele colecionava vários recortes de jornais com matérias sobre o meu trabalho. Ele não tá mais aqui, mas eu sei que ele teve orgulho de mim. Hoje, eu tenho um filho de 5 anos e entendo totalmente a preocupação dele e da minha mãe lá atrás.


É um privilégio ter a possibilidade de passar a minha experiência adiante e mostrar que há um caminho possível, independente da dificuldade que cada um vive. O meu sonho é construir um espaço onde meninos e meninas dêem vazão ao seu lado artístico. Onde eles possam sonhar e saber que o sonho pode se tornar realidade. 


[trilha sonora]


Vera Iaconelli: A experiência do Kobra é um exemplo da dificuldade da nossa sociedade em reconhecer diferentes talentos, por vezes fora das qualidades convencionalmente valorizadas por nós. Se trata de um jovem de origem humilde e periférica que não encontra um olhar pras suas competências excepcionais de artista. Muitas vezes nesses casos, ao invés das qualidades serem valorizadas, exploradas, desenvolvidas, elas acabam por ser marginalizadas, excluindo ainda mais os sujeitos, os deixando com saídas muito limitadas, como a delinquência, por exemplo.

Se não podemos ser reconhecidos na escola e na sociedade em geral, as outras opções de reconhecimento podem ser bem temerárias. A grande lição da história do Kobra é como ele conseguiu reverter uma questão bem conhecida da gente, que é como muitos talentos são desviados pra marginalidade, ou ainda adoecem pela falta de reconhecimento, como nos casos de depressões e abuso de droga.

Diante desse dilema, a história do Kobra nos ensina que, em algum momento, a pessoa faz uma escolha, agarra uma oportunidade, por vezes única, e consegue sair de um ciclo de incompreensão, e que isso depende de nos imaginarmos muito além das condições que nos foram oferecidas, mas também de uma sociedade que fique atenta às necessidades e aos talentos dos seus jovens.

Essa história nos inspira a lutar contra o preconceito que acaba por subestimar os talentos, as competências, a inteligência potencial de sujeitos periféricos e os faz ser empurrados pra marginalidade. Ela junta a competência, a vulnerabilidade, a escolha, o sonho e a realização. Nesse sentido, é uma história extremamente inspiradora, que pode servir pra muitos de nós ou melhor ainda pra todos nós em diferentes circunstâncias. 


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Geyze Diniz:
Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.

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