Entrevista com
Comunicador e ator
Entrevistamos o comunicador e artista Raphael Negrão, criador do workshop “Lugar de Escuta”, para entender como a brincadeira é uma ferramenta de construção
11 de Janeiro de 2023
Brincar não é coisa de criança, apesar do fato delas fazerem isso com maestria. Um dos grandes erros que cometemos quando crescemos, aliás, é abandonar o lado lúdico da vida e nos debruçarmos somente sobre as dificuldades da rotina. Isso nos afeta de várias maneiras, a começar pela nossa saúde mental, afinal, a diversão é também mola propulsora para a liberação de uma série de hormônios importantes para o nosso bem-estar.
O não-brincar é também fonte inibidora da criatividade, das soluções e do esgotamento físico e mental. Trazendo isso para o ambiente de trabalho, a dureza na comunicação pode afetar a criação de laços mais sólidos e verdadeiros, tão importantes para deixar tudo mais leve, confiável e eficiente.
Para mergulharmos um pouco mais nesse assunto e inspirados pela campanha Janeiro Branco, que traz à tona os temas oriundos à saúde mental, conversamos com o comunicador, ator e palhaço Raphael Negrão, que criou o workshop “Lugar de Escuta” e pretende com ele falar cada dia mais sobre a importância do brincar e sobre como a Escuta Ativa entra nessa jogada. Confira abaixo!
Quais foram os seus primeiros passos nessa jornada da escuta e do brincar?
Isso é uma coisa um pouco complexa na minha vida, na verdade. Mas eu venho de uma formação em comunicação, sou palhaço formado, fiz alguns cursos de teatro e cinema e fui entrando no mundo empresarial quase que sem querer. Só que esse lado artístico não se apagou, muito pelo contrário, continua latente. E com o tempo eu fui entendendo que o que me dá alegria no trabalho é ter boas relações, ter pessoas com quem a gente conta e tudo mais. Porque trabalhar, como sabemos, é difícil, é custoso, são muitas horas do nosso dia dedicado a essa tarefa. Então como eu consigo criar um ambiente bacana, gostoso de trabalhar, para que faça valer a pena e para que a gente lembre que a nossa vida não é só trabalho, que são várias outras coisas que me compõe como um ser humano fora do trabalho também? Eu gosto das minhas coisas fora, gosto de tocar guitarra, de ser palhaço, de ter cachorro, entre outras. E aí eu fui percebendo que era isso que me fazia vibrar de verdade, estudar as relações humanas, a criação das conexões. Com os anos eu fui entendendo como uma coisa se encaixa na outra e, nos últimos dois ou três anos, eu tenho dado alguns cursos sobre escuta, empatia e conexões humanas.
Qual é o objetivo desse workshop?
O objetivo final é que a gente tenha uma qualidade de vida melhor, afinal de contas estamos cada vez mais ansiosos. Se você for procurar ansiedade ou depressão no Google Trends, você verá que os temas só cresceram nos últimos cinco anos. Isso para mim sempre ficou muito latente, essa pergunta de como a gente consegue transformar o ambiente onde a gente passa mais tempo – que é o trabalho – em um ambiente colaborativo, que seja gostoso de estar apesar de tudo.
E onde você se encontra atualmente nessa jornada?
Hoje eu sou gerente de marketing em uma empresa grande, de Singapura, mas presente em mais de 60 países, então eu trabalho com pessoas do mundo inteiro, fuso horários completamente diferentes. E é aí que eu vejo como isso sendo bem aplicado funciona na prática. Porque é muito gratificante para mim ver que consigo ter uma conversa com alguém da Turquia, por exemplo, igual eu tenho com um amigo aqui do Brasil, dando risada, resolvendo coisas e trazendo questões. Eu me conecto com o que a gente tem de básico, que às vezes é simplesmente falar “você gosta de tomar cerveja? Você gosta de música?”, e aí a partir disso vamos desenvolvendo.
Você acredita então que a base para a construção de uma relação é sempre tentar se conectar com os pontos mais básicos em comum com aquela pessoa já de cara ou você acha que isso é construído com o tempo?
Eu acho que depende. Uma das coisas que eu mais gosto nas relações humanas é que depende muito de pessoa pra pessoa, essa pluralidade humana é o que me encanta. Tem gente que nos relacionamos bem já de imediato, e aí quando você vê, já faz 5 minutos que está contando uma história de infância que ninguém liga, mas que com aquela pessoa fez sentido. Mas tem gente que não, que é preciso ir galgando aos pouquinhos a relação e a coisa vai se criando. Uma das frases que eu mesmo escrevi e que eu gosto muito é “se conectar através de humanidades, e não de amenidades”. É sobre achar coisas que nos tornam parecidos naquilo que nós somos: seres humanos. Todos nós temos desejos, medos, anseios, paixões. E quando a gente percebe, por exemplo, que nós amamos cachorros, e você fala do seu cachorro, falaremos sobre isso e será uma conversa muito mais interessante do que começar um papo falando sobre o tempo, sobre a chuva.
Eu posso assumir então que essa é uma dica pra quem busca se relacionar melhor no trabalho, por exemplo? Tentar buscar a humanidade no outro.
Com certeza, não só no trabalho, acho que de maneira geral. Para termos boas relações é necessário lembrar que aquele ser humano que está ali na frente é um universo de coisas e que temos que fazer com que esses dois universos se colidam de maneira harmoniosa. Como que a gente acha esse meio do caminho entre o que é meu e o que é seu e onde a gente consegue encontrar espaço para brincar? E aí entramos no assunto que eu mais gosto, que é esse brincar, tema que é tão amplo e tão importante. É preciso entender como eu gosto de brincar e como você gosta de brincar, porque o brincar é uma linguagem que vem através da escuta e do cuidado. Eu tenho que ir percebendo as nuances dela e os espaços onde ela é permitida. Exige cuidado e carinho para você ir pisando e entendendo. Quando a gente acha esse jeito de brincar com o outro, a gente vai muito mais longe.
Mas há um jeito certo para isso? Não haverá erros no caminho?
Sim, esse movimento exige um nível de risco também, porque pode ser que a gente erre. As histórias que o outro carrega também vão ressoar na forma como ele recebe essa brincadeira e para isso exige a escuta atenta e ativa, ouvir o que o outro fala naquilo que ele não diz, é muito necessária. Conforme a gente vai abaixando a guarda, os erros também podem acontecer e faz parte. Como comentei antes, hoje, trabalhando com pessoas de vários lugares do mundo, eu percebo que como cada um brinca diferente, então não dá para eu trazer as mesmas referências que a gente aqui do Brasil quando eu falo com alguém da Tailândia. Mas algumas coisas sempre teremos em comum e são essas coisas que vamos caçando. Essa é a chave. Até em coisas que a gente discorde. A base de uma boa comunicação é saber ler o outro, e isso inclui desde levar em consideração a sua cultura, a sua raça, seu gênero, até o lado mais social tipo posição da pessoa na empresa, o nível de intimidade. Isso que é gostoso, como a gente consegue trazer essa brincadeira para transformar os ambientes em que estamos inseridos, em algo mais prazeroso. E eu falo muito nisso pensando no trabalho porque é onde a gente passa a maior parte da nossa vida e onde a gente é requerido a produzir mais.
Qual é a relação disso com a escuta ativa?
Para descobrir esse universo do outro que eu mencionei, não há nada mais simples do que perguntar. As pessoas às vezes esquecem desse ato tão simples que é perguntar. Desvendar o outro é perguntar e escutar. E eu fui percebendo ao longo do tempo nessa minha trajetória de escuta ativa que eu ia falar sobre esse tema e aí, de repente, eu já estava falando sobre brincadeira. Mas qual a relação das duas? Aí eu entendi: é um passo a passo. A escuta leva a um brincar, e o brincar sem a escuta não é uma brincadeira, dificilmente vai andar, pode inclusive parecer bullying, alguma coisa que só você tá brincando. Pra gente ter uma brincadeira gostosa, a gente tem que estar se escutando, percebendo como o outro reage.
Há outros caminhos para aliviar o trabalho?
Eu sou sempre favorável ao trabalho colaborativo, todas as equipes que eu trabalhei, principalmente a minha que hoje eu coordeno, tento fazer o máximo que a gente puder de co-criação de campanhas e de ideias, porque sempre vão vir coisas melhores do que se vierem só de mim. Eu tenho uma potencialidade, se eu souber entender onde cada pessoa do meu time consegue entrar com as suas ideias, a gente faz o bolo crescer mais do que se fosse só eu. Então sou muito a favor do trabalho colaborativo pra gente melhorar. E tem uma outra questão que é entrando num campo até mais filosófico, nós só sobrevivemos enquanto espécie por causa do trabalho colaborativo. Se não estivéssemos formados em grupos e coletivos, seríamos bichos muito mais frágeis, mais suscetíveis aos riscos e não teríamos sobrevivido.
De que forma prática conseguimos ler o outro, principalmente no trabalho que você tanto mencionou? Como criar um atalho com uma pessoa, por exemplo, que é de um cargo de liderança e como atrelar isso a um ambiente onde a pressão rege?
Isso é um ótimo ponto, mesmo. São as minhas descobertas também e cada um vai tendo as suas próprias descobertas, e acho que a gente tem que fomentar essa discussão, porque eu vejo que não é só no Brasil, em vários lugares do mundo não há muito essa resposta. Eu acho que esse papel colaborativo e que estimula esse lado mais brincante do grupo precisa obrigatoriamente vir da liderança. O líder tem que ser alguém que entende a importância da brincadeira. Eu acho que um líder que sabe a hora de brincar e como fazê-lo é o tipo de líder que cada vez mais a gente tem que ter. E mesmo que o brincar seja muito simples, seja trazendo um gif rapidinho e vamos em frente porque temos muita coisa pra resolver. Eu não estou falando que a gente tem que pegar 15 minutos da reunião para falar sobre uma história engraçada do fim de semana. Mas como que ele consegue, através da brincadeira, deixar todo mundo conectado – porque quando a gente ri junto, muitas áreas do cérebro se ativam e a própria risada de um ativa o neurônio espelho do outro, que pode rir só de olhar. Isso vem de cima pra baixo, porque brincar exige uma falta de regra e isso é muito arriscado e assustador. Se o líder não estiver disposto para que isso aconteça, das duas, uma: ou não vai ter brincadeira e o espaço vai ser uma grande conversa de elevador, vão ficar só falando de trabalho e aquilo vai ser muito angustiante; ou vai ter a brincadeira e o chefe não vai participar. Porque a brincadeira é intrínseca à experiência humana, a gente precisa achar o alívio cômico em algum momento, e ela é importante pra gente se reconhecer como grupo. Então ela vai existir, o que o líder precisa é aprender a usá-la como ferramenta.
Qual a importância neurológica da brincadeira?
Quando a gente brinca, produzimos hormônios que trazem a felicidade, relaxamento, colaboração. Tudo isso que eu fui percebendo que eu sentia na pele e não sabia descrever cientificamente, é na verdade uma realidade, chancelada até pela Harvard Business Review. Conversando com um outro amigo meu que é palhaço e neurocientista, ele falava disso também, quando estamos em um ambiente estressante, ficamos menos dispostos a trazer novas ideias, a testar, a brincar e tudo mais, e aí o trabalho fica mais chato e menos criativo. E quando a gente está num ambiente onde nos sentimos seguros, a gente se sente ouvido, as coisas fluem. Fora a liberação dos hormônios atrelados ao bem-estar, como a serotonina, ocitocina, dopamina, que são ligados ao bem-estar e seus benefícios são amplamente estudados.
Quais são os tipos de brincadeira que você mais estimula?
Uma das coisas que eu sempre falo é entender os tipos de brincar. E acho que isso implica em entender o que cada pessoa gosta. Falar sobre cachorro já é brincar, por exemplo, porque já estamos falando de um universo lúdico, é uma paixão, algo que a gente gosta, então já estamos no campo da brincadeira. Se a gente for falar sobre música, também vamos entrar em outro campo lúdico, porque aí você vai falar das bandas que você gosta, e eu também, histórias que a gente já teve com show, e já estamos brincando. Geralmente eu gosto muito de olhar pelas paixões, mas tem pessoas que gostam muito de brincar de outras maneiras, por exemplo, dançando, colecionando coisas, competindo de alguma forma. Outra coisa é que se a gente for olhar pra grupo, a melhor brincadeira é a brincadeira que é nossa. “Ah, mas falar sobre cachorro não é a brincadeira mais divertida do mundo”. Depende. Se for duas pessoas que amam muito esse tema conversando, é uma conversa que vai se estender por horas e vai fazer muito sentido ali naquela dinâmica.
E como isso se enquadra na vida adulta?
Justamente, a gente perde um pouco isso na vida adulta, somos cada vez mais cobrados a trazer resultado, a performar, e menos a brincar, a sentir, a escutar. Esses sentimentos a gente vai tendo que guardar, só que são eles que fazem a gente sorrir, que traz mais sentido pros dias. É ele que faz valer a pena, faz suspender nossa noção de tempo e acho que a gente tem que recobrar isso cada vez mais, principalmente com as pessoas do nosso dia a dia.
Todos os seus workshops seguem o mesmo roteiro?
Não! No começo do ano eu fiz um workshop em uma escola sobre brincadeira para 11 turmas, foram 2 dias intensivos e foi incrível. Eu basicamente peguei tudo isso aqui que tô te falando e joguei fora, porque era um momento de brincar e interagir com as pessoas que estavam lá e foi muito gostoso. Já em empresas, depende. É preciso saber primeiramente qual é o problema que você quer resolver. Então todos os casos de empresas são feitos à mão, eu converso com o RH ou com a equipe que está me contratando para entender como é a realidade daquelas pessoas, em que nível estão aquelas pessoas em relacionamento para entender o que é preciso resolver. Uma vez, em uma empresa de comunicação, o problema era uma alta de contratação durante a pandemia, momento em que as pessoas não se conheciam e não tinham quebrado o gelo. A ajuda buscada era essa. Já no workshop que eu fiz na escola que eu mencionei anteriormente, o momento era de planejamento no começo do ano e eles queriam trabalhar colaboração do grupo para depois passar isso para os alunos. E falam sobre um processo de educação que é baseado na descoberta, na escuta, então fazia todo sentido. Tudo usa a escuta e a brincadeira como pano de fundo, mas o pra que que elas vão servir é diferente.
Então, apesar de você acreditar que a mudança precisa vir da liderança, esses cursos são dados para diferentes cargos, certo?
Sim. E a linguagem vai se adaptar também. Se eu estou falando com líderes e gestores, é diferente do que eu falar com chão de fábrica, os termos vão ser outros, as referências e as brincadeiras também. Na escola era para todo o staff da instituição, então o passo que eu dei era menor, eu não vou entrar muito na questão da neurociência, eu vou mais promover experiências. Agora quando foi só para os professores, que é o caso de pessoas que estudam mais neurociência e outras teorias, eu já consegui trazer outras propostas. Trouxe, por exemplo, um monte de coisas do Paulo Freire, que já falava de escuta ativa lá atrás, à sua maneira.
Ele não chegava ensinando, ele falava “o que você tem? Vamos partir daqui?”. Ele buscava entender o conhecimento prévio de cada um, mergulhar nesse universo que já existia antes dele chegar, gerar interesse a partir da realidade daquela pessoa. Tem uma citação dele que eu gosto muito que é “Nós só aprendemos se aceitamos que o diferente está no outro; do contrário, não há diálogo. O diálogo só existe quando aceitamos que o outro é diferente e pode nos dizer algo que não conhecemos”.
Assim como ele, eu acho sim que escutar é um ato revolucionário. É preciso entender onde você tá, onde eu estou e onde conseguimos ir juntos. E é aí que vem um outro ponto pra finalizar: a minha eterna busca não é sobre trazer a escuta como ferramenta e só. É como fazer ela estar e permanecer naquele ambiente. Porque quando eu faço um workshop sobre escuta e vou embora, eu plantei uma semente e eu quero que ela germine, mas não tenho controle sobre isso.
Agora quando eu sou agente desse processo todos os dias, tem um outro papel, um outro jeito de praticar essa escuta e que aí é na minha própria rotina, não é no discurso bonitinho e na frase motivacional, é na ação mesmo. E é isso que eu tento trazer cada vez mais, errando, aprendendo e perguntando cada dia mais para o outro.
Entrevista com
Psicóloga
8 de Abril de 2019
O preconceito de que idosos são melancólicos por natureza é um dos entraves para o diagnóstico da depressão nessa fase da vida. Na verdade, o distúrbio mental atinge igualmente de 7 a 10% dos jovens e velhos. Segundo a psicóloga Marcia Scazufca, pesquisadora científica na área de epidemiologia e saúde mental da Faculdade de Medicina da USP, os velhos usam a sabedoria para driblar problemas inerentes à faixa etária. "Por terem passado por muita coisa, eles geralmente estão mais preparados para lidar com as dificuldades", diz ela. A seguir, ela fala sobre a saúde mental de idosos brasileiros.
Quais são os problemas mentais mais comuns em idosos? São a demência, um transtorno mental típico do avanço da idade, e a depressão. Diferentemente da demência, a depressão tem tratamento. A maior parte das pessoas pode ser tratada e ficar bem. O problema da depressão é que muitas vezes ela não é identificada.
Quais são os principais sintomas da depressão? Os principais são humor deprimido, como se sentir para baixo e sem perspectiva, e pouco interesse e prazer em fazer as coisas. Há também sintomas complementares, como se sentir cansado e sem energia, problemas para dormir, alteração no apetite, culpa excessiva, dificuldade de concentração para fazer coisas simples, além de agitação ou lentidão. Em alguns casos, a pessoa não tem mais vontade de viver. Esses sintomas se confundem com o estigma da velhice, o que dificulta o diagnóstico da doença. É socialmente aceitável que um idoso fique num cantinho, sem grandes vontades e prazeres, pois é comum a ideia de que velhos não servem para nada.
A prevalência de depressão aumenta na velhice? Existe um preconceito de que o idoso tem mais depressão do que os jovens. Na verdade, a prevalência da doença é semelhante em todas as etapas da vida adulta: atinge de 7 a 10% da população. A gente acha que no fim da vida a pessoa teria motivos para estar depressiva, porque adoece, não trabalha mais e perde entes queridos. No entanto, esquecemos que os mais velhos são os sábios da sociedade. Por terem passado por muita coisa, eles geralmente estão mais preparados para lidar com as dificuldades.
Quais são as maiores barreiras para o diagnóstico da depressão? São várias. Uma delas é o estigma social, como eu disse. Nem o idoso nem seus familiares estranham sua mudança de comportamento. O estigma atinge também os profissionais de saúde, que, além do preconceito, não se sentem capacitados para lidar com transtornos mentais. Se 10% dos idosos brasileiros tiverem depressão, estamos falando de 3 milhões de pessoas, somente nessa faixa etária. Nenhum país do mundo conta com psicólogos e psiquiatras suficientes para atender essa quantidade de gente. Quem precisa identificar e tratar a depressão é a Atenção Básica. Essa é, inclusive, a determinação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Dois terços dos idosos brasileiros são atendidos exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A rede pública deve encontrar formas baratas e efetivas de treinar profissionais generalistas para detectar e tratar doenças mentais comuns. Psicólogos e psiquiatras ficariam apenas com os casos mais difíceis.
Como esse treinamento pode ser feito? Profissionais da Estratégia de Saúde da Família vão uma vez por mês à casa dos pacientes. Os agentes comunitários podem ser treinados para identificar a mudança de comportamento de uma pessoa. Se um velhinho que era alegre e brincalhão passa a ficar quietinho em um canto, há algo errado. Os agentes também podem ficar atentos a situações que aumentam risco de ter depressão, como violência, doenças graves e pessoas que têm queixas múltiplas e nunca melhoram.
De que maneira um idoso pode preservar a sua saúde mental? A saúde mental não se constrói na velhice. Ela começa desde que o indivíduo está na barriga da mãe. Assim como a saúde física, a mental é cultivada durante toda a vida e influenciada por relacionamentos, conhecimentos e finanças. É necessário preservar o bom humor e se preparar para a velhice por meio do autocuidado, com fontes de lazer, prática de atividade física e uma rede de suporte. Se eu parar de aprender, vou me tornar uma pessoa chata que não sabe conversar. Caso meu amigo morra, preciso buscar novas amizades.
O tratamento da depressão é diferente na velhice e na vida adulta? É o mesmo, à base de medicação, terapia ou uma combinação dos dois. O que muda são os assuntos. Cada fase da vida tem suas especificidades. Idosos muitas vezes têm problema de mobilidade e doenças que favorecem a depressão, por isso precisam de uma atenção diferenciada.
A depressão atinge idosos de todas as classes sociais ou os mais pobres são mais vulneráveis à doença? A pobreza é um fator de risco muito importante para todas as doenças crônicas, inclusive os transtornos mentais. Pobres vivem em situação de vulnerabilidade social, provavelmente moram em um lugares com entornos violentos, se alimentam mal, têm menos opções de lazer e de atividade física, fatores importantes para o humor. Isso não quer dizer que todo pobre terá depressão, nem que ricos não podem sofrer da doença, mas a prevalência é maior entre os menos favorecidos. O envelhecimento no Brasil é galopante. A grande questão hoje é: como cuidar do idoso pobre? Se ele não tiver tratamento, seu envelhecimento vai ser muito triste.
Por que o suicídio é mais prevalente entre idosos? A depressão em si não mata, mas é um fator de risco importantíssimo para o suicídio. Então, é importante tratar a doença para a pessoa nunca querer se matar. Conversar sobre os problemas e a depressão é a melhor forma de prevenir o suicídio. Entre os idosos, a depressão é agravada pelo isolamento social, que pode ser brutal.