Parada obrigatória
Perto de completar 79 anos, a enfermeira narra como a fé fez parte de cada um dos seus caminhos - tornando tudo mais possível e menos tortuosos
1 de Outubro de 2020
Imagine uma pequena cidade paraense, cercada pela mais bela e profunda natureza. Paz, silêncio e boa alimentação. Parece um paraíso perfeito e propício para se viver bem e com qualidade, certo? E é, pelo menos aos olhos de Maria da Conceição Guerreiro, moradora de Oriximiná.
O município, localizado há 820 km de distância da capital Belém, no estado do Pará, possui aproximadamente 72 mil habitantes - o equivalente a um bairro em São Paulo capital, por exemplo. Dentre eles, tribos indígenas reservadas convivendo pacificamente com não-indígenas, e todos coexistindo perfeitamente com as belezas naturais que cercam esse espaço de terra.
Apesar de o número de idosos ter crescido 1 milhão por ano , de 2012 a 2017, a região Norte segue sendo a menor em concentração dessa população mais velha, tendo somente 9,7% de seus residentes acima de 60 anos. Porém, esse dado tende a acompanhar o padrão nacional e seguir aumentando.
Pesquisas recentes do IBGE apontam que o Pará terá mais idosos do que crianças dentro de 20 anos. O Amazonas, estado vizinho do Pará, por exemplo, já registrou 3,5% de aumento da população idosa em dez anos, ultrapassando o crescimento de adultos e crianças do local. Sendo assim, Conceição faz parte desse novo padrão onde vive-se cada vez mais, mas sempre em busca de qualidade
“Longevidade para mim é viver bem, em paz, cumprindo seus deveres e sendo uma pessoa correta e de muita” sintetiza ela que, já de imediato, introduz em sua narrativa a sua fé - essa que será uma constante ao longo de sua vida e de sua entrevista. “Tenho para mim que a fé da gente ainda é pequena. Acho que quanto maior, melhor”.
E o fato de morar em meio a uma estonteante natureza, pode ter contribuído positivamente para a longevidade dela? “Eu acho que sim. Tenho uma vida muito boa e não tenho do que me queixar. Só fui para Belém para estudar, mas cresci em Oriximiná. Agora nessa época de pandemia, eu me isolei na fazenda que era do meu pai e está sendo muito bom. A natureza é fundamental e infelizmente é um privilégio. A gente come peixe fresco, alimentos frescos, coisas que foram criadas aqui na natureza. Isso é ótimo para o corpo” conta.
Acreditar não somente em Deus, mas em si mesma também, foi o fator decisivo para que ela desse a volta por cima em sua vida, aos 55 anos de idade. Após se divorciar e assumir sozinha o controle de suas finanças e da criação de seus filhos, Conceição decidiu mudar-se para o Belém e iniciou seus estudos em Enfermagem.
“Primeiro criei meus filhos, depois entrei na faculdade com 55 e me formei com 60, quase 61. De lá em diante, voltei para Oriximiná e atuei como enfermeira durante 15, 16 anos, tanto em hospital quanto em cargos públicos. Fiz muito pela saúde pública da minha cidade e me aposentei aos 72, muito realizada e orgulhosa de tudo que alcancei” conta, emocionada.
Emoção completamente justificável, é claro, pois foi um feito e tanto. Muitos acreditam que somente aos 20 e poucos é possível alçar voos como uma mudança de carreira . Mas para a fé de Dona Conceição, nada parecia impossível. Largou seus trabalhos no campo, enfrentou o preconceito de ser uma mulher divorciada e seguiu seus instintos mais profundos: o de cuidar do outro.
“Eu queria muito ser médica, mas fui um pouco covarde porque na hora de fazer vestibular eu fiquei com medo de fazer medicina e fiz enfermagem” conta. “Mas depois fui enfermeira, ajudei muito meu povo exercendo a enfermagem. Nós cuidamos muito da pessoa, temos um dom, quase que uma santidade, pelo menos aquele enfermeiro que gosta do que faz. Acho que como médica eu não ajudaria tanto o ser humano quanto eu ajudei como enfermeira na saúde pública,. O enfermeiro é um anjo de roupa branca” diz.
Seu curso, aliás, também lhe rendeu boas amizades de alunos mais jovens que a receberam de braços abertos, como a própria conta. Com essa aproximação, hoje Conceição ainda mantém contato e percebe que tem muito a ensiná-los.
“Eu diria sempre aos mais jovens, ‘confia em ti mesmo’. Fui estudar em uma época que eu estava muito sofrida, logo depois de perder meus pais e me separar. Mas graças à Deus eu tive muita segurança, muita determinação para tomar as rédeas da minha vida e cuidar dos meus filhos, sem ficar precisando ter um marido. Inclusive, não arrumei outro nunca mais” conta.
Esse foco em cuidar - tanto dos seus pacientes quanto dos seus familiares - acompanhou e ainda acompanha cada passo seu. Mas isso só acontece porque ela se sente cuidada por uma força maior e divina. Somente assim é que ela conseguiu fazer tudo que fez e colher hoje os louros que colhe.
“Trabalhei bastante na minha vida e criei bem meus filhos e minhas netas também. Mas não canso de me dizer que ter uma vida de muita fé em Deus, entregar tudo que você tem, é o segredo. Você adquire tudo por meio de Deus, eu devo tudo à Ele. Para mim o melhor de ter chegado até mais longe foi justamente isso: ter curtido muito minha família e ter tido muita fé em Deus, podendo passar isso para todos eles” diz.
“Com 9 anos de idade, eu ouvi uma história de uma parente. Ela foi para a Itália e eu decidi que iria conhecer tudo aquilo que ela falava, mas nos anos 2000, que era um ano sagrado em Roma. E eu fui. Eu dizia “não quero ir, eu vou ir”. Nós fomos, visitamos tudo, até hoje eu não sei como aconteceu, só sei que tive muito foco. Então se você se decidir aquilo que você quer, você consegue.”
Família e fé, relações e espírito, esses são os pilares que sustentam a vida de Conceição, que revela ter aprendido tudo com os seus pais. “Aprendi muita coisa com eles, como respeito ao ser humano, caráter, dignidade, ser uma pessoa íntegra. Isso aí pra mim é muito importante, meu pai era um homem muito trabalhador. Criava gado, carpintava, depois teve comércio. Era muito direito. Minha mãe era prenda de lar só, mãezona, mas foi ela quem nos ensinou tudo. Eram pessoas muito direitas e trabalhadoras.”
Hoje, Conceição leva a vida tranquila que tanto almejou, e enxerga o futuro com otimismo. “Eu acho que o mundo é bom e as pessoas também, mas vivemos em uma sociedade egoísta. Queria que fôssemos mais humanos, mais fraternos e que fizéssemos bem para os outros. Mas acho que a pandemia está fazendo as pessoas se voltarem mais para o irmão” divaga.
E qual seria então o remédio para essa sociedade ser menos egoísta e viver mais? “O amor, claro, ele é fundamental. Temos que amar tudo ao nosso redor, tanto as pessoas quanto o ambiente. Todo dia de manhã eu abro a minha janela e vejo a natureza linda, amanhecendo. Você tem que amar aquilo, agradecer a Deus àquela maravilha que você está vendo, amar a terra que você nasceu e cresceu”.
Entrevista com
Sócias-fundadoras da IT brands
Conversamos com as sócias da IT Brands, empresa que tem como propósito trazer o consumo sob uma perspectiva mais responsável
22 de Julho de 2021
Segundo artigo publicado no jornal Mercado e Consumo , a pesquisa “Shopping During The Pandemic”, realizada pela Ipsos com entrevistados de 28 países, revelou que 47% dos brasileiros têm feito mais compras online do que faziam antes da pandemia de Covid-19. No mundo todo, o índice é de 43%.
Porém, uma outra pesquisa - essa, realizada pelo Instituto Akatu e publicada no G1 , apontou que 76% dos 1.090 entrevistados – homens e mulheres com mais de 16 anos – não praticam o consumo consciente. “Entre os mais conscientes, 24% têm mais de 65 anos, 52% são da classe AB e 40% possuem ensino superior”, revelam os dados.
Aqui no Plenae, já conversamos com a jornalista Michelle Prazeres , que nos contou mais sobre o movimento slow , sua origem e seus desdobramentos, e como é urgente desacelerarmos em uma sociedade que nos obriga a acelerar - incluindo nosso volume de compras.
João Galvão Ceridono, gestor de parcerias na Quintessa , concorda com a afirmação, e disse em entrevista ao Plenae que “depois que você é picado pelo bichinho de sustentabilidade e de impacto, de pensar em como suas ações estão refletindo nas outras pessoas e no ambiente, você passa a ver tudo por essa lente”, e isso passa a ser “um estilo de vida, não é só dentro do trabalho, envolve o seu consumo, seus investimentos e até a sua locomoção”.
Pensando nisso, entrevistamos as sócias-fundadoras da It Brands , Luciana Giannella e Eva Bichucher, uma empresa que tem como lema propor “um novo olhar sobre o consumir”. Confira a seguir!
Contem mais um pouco sobre o trabalho da It brands
Eva: O IT brands existe há 7 anos e nosso propósito sempre foi apresentar marcas autorais, pequenos produtores mais exclusivos aos nossos clientes. Começamos muito no setor de moda e fomos ampliando para artesãos de casa, alimentação e também do mercado de bem-estar. Dentro dos nossos eventos, onde apresentamos toda essa curadoria, às vezes temos marcas mais fortalecidas e famosas, mas mesmo elas têm esse compromisso de estarem alinhadas com a sustentabilidade, seja usando um tecido sustentável, reciclando ou sendo veganas.
Luciana: Nascemos com os eventos, promover essas feiras de curadoria era o principal negócio. Eles são sempre grandes e duram 2 dias. Só em São Paulo, já realizamos 25 eventos, é o nosso principal lugar de atuação. Hoje, nos definimos como uma plataforma de lifestyle que integra conhecimento, mente, corpo, e até espírito, que é onde temos o wellness muito forte.
Como a moda circular e o slow fashion se relacionam com a IT brands?
Luciana: O movimento tem total sinergia com a nossa filosofia, faz parte do nosso estilo de vida e a primeira coisa, quando falamos em sustentabilidade, é que a gente promove marcas que produzem em poucas quantidades. Isso promove a exclusividade, o oposto dessa produção em massa que a gente vê, e isso por si só já produz impacto positivo para o planeta. Além disso, toda sua cadeia é mais responsável, com uma reciclagem de tecidos, por exemplo.
Eva: quando a IT brands nasceu, a gente nem tinha essa consciência tão grande do slow fashion como temos hoje, enquanto movimento sólido, era uma coisa mais intuitiva. Nosso propósito sempre foi ter um público mais nichado que antes era super consumidor e nós fomos desconstruindo aos poucos, trazendo novas possibilidades. Nem todas as marcas que estão com a gente são atreladas ao slow fashion , mas a gente consegue trazer sempre nomes com princípios.
Luciana: E aí tem os desdobramentos, algumas estão fortemente atuando no slow fashion , no slow food , no feito a mão. São etapas, temos uma curadoria bem grande, são 250 marcas e procuramos ser sempre bem criteriosas dentro dos nossos segmentos.
Para vocês, qual é a importância de um consumo mais responsável?
Eva: o que a gente vive hoje não é mais uma escolha, todos temos que ser responsáveis. Acho que é basicamente isso: você ser e pensar como o produto é feito e o impacto que ele gera, como você consome, saber mais do seu processo é algo que tem que ser automático, incorporado em nossas vidas.
Luciana: nós vivemos um momento planetário que já não é mais uma escolha mesmo, é um chamado. O planeta não sustenta mais alguns comportamentos, então já é um caminho sem volta, o futuro é esse e a pandemia deixou isso ainda mais claro. Existe uma expressão em inglês que chama “wake up call” (chamado para acordar, em tradução livre), que traduz bem.
Eva: antes, quando víamos algo e achávamos barato, era um ganho. Hoje você se pergunta: por que é tão barato? Por que tem tanto? Vale a pena essa compra? Você fica muito mais feliz de consumir uma coisa que tem um propósito maior.
Luciana: a gente também acha que o próprio valor é sustentabilidade. Quando o valor é completamente desproporcional ao custo, a gente presta muita atenção. Uma coisa é quando o produto é exclusivo, que pressupõe um preço mais alto, feito a mão, que tem um processo de produção mais específico por trás e que acaba impactando no valor. Mas esse preço tem que ser proporcional à sua entrega.
Quais são os primeiros passos para quem busca colocar essas ideologias em prática?
Luciana: o primeiro passo é, de fato, entender o que ele tem em casa faz sentido manter ou doar. Um dos nossos braços é o “give away, ” (dar, em tradução livre). Trata-se da venda de peças doadas, em bom estado, muitas vezes novas, e a gente propõe esse reuso. O próprio Terceiro Setor faz muito esse trabalho de receber e encaminhar doações. O segundo passo é buscar conhecimento e entender como esse produto foi feito, o que está por trás dessa marca que você gosta tanto, como ela produz, qual é a procedência, quais são as costureiras envolvidas, se é uma cooperativa ou se está ajudando alguma comunidade.
Eva: hoje, com esse acesso amplo que temos a informações, temos que pesquisar mais sobre os impactos, como ler o rótulo de tudo. Isso automaticamente já vai impactando nas suas escolhas, é natural e inconscientemente ir fazendo escolhas melhores, até no seu mercado, sua comida, passa a comprar mais no seu bairro e se interessar pela história daquele produto.
Como reconhecer uma marca responsável nesse segmento?
Eva: acho que não tem um segredo só, vai muito da comunicação dessa marca também. Claro que tem marcas que só de entrar na loja você já percebe ou lê na etiqueta que o tecido é sustentável ou que uma porcentagem da renda é revertida, por exemplo. Ou quando você vai em um evento tipo a nossa feira, já fica muito mais óbvio, porque todo mundo ali é engajado. Em shopping, acho que realmente uma bandeira que eles poderiam ter era comunicar mais mesmo, e aí não tem outra maneira, vai do consumidor pesquisar.
Quais são as pessoas referências para vocês?
Eva: há várias marcas que nos inspiram e fazem esse trabalho. Mas se existe alguém que a gente se inspira é a Gwyneth Paltrow, da plataforma Goop Lab . Ela é um modelo de inspiração no discurso, no jeito como apresenta sua curadoria que é impecável. É muito como a gente busca fazer, não perdemos nada desse assunto quando ela traz, já fomos visitar as lojas.