#PlenaeApresenta: Maha Mamo e o orgulho de ser brasileira

Na sétima temporada do Podcast Plenae, inspire-se com a história de encontrar um novo lar de Maha Mamo.

7 de Março de 2022



Você já se sentiu não pertencendo ao lugar onde está? A ativista Maha Mamo se sente assim desde que nasceu. Isso porque a representante do pilar Contexto era uma entre os 10 milhões de apátridas no mundo, ou seja, uma pessoa sem comprovação de nacionalidade, sem documentos, “sem pátria”. 

“Eu morei na minha terra natal, o Líbano, por 26 anos, sem nenhum documento. No Líbano, você só recebe a nacionalidade se o seu pai for libanês. Meus pais são sírios. A minha mãe é muçulmana, o meu pai, cristão. Na Síria, o casamento inter-religioso é ilegal. Por isso, em 1985, eles se mudaram pro Líbano. Tentaram se casar lá, mas só conseguiram na igreja, não no cartório. Nós nascemos apátridas. Nós não tínhamos passaporte, RG, CPF ou certidão de nascimento. Nenhum documento provava que a gente existia”, explica ela. 

Há diferentes porquês para alguém ser um apátrida. No caso de Maha, foi a escolha de seus pais sírios em se mudar para o Líbano e, assim, poderem se casar mesmo possuindo religiões diferentes, porém, somente na igreja, sendo privados de uma certidão de casamento ou qualquer outra comprovação legal. 

Mais do que o sentimento de não-pertencimento, o apátrida sofre consequências muito maiores. Por não terem qualquer documento, eles são privados do direito à educação, saúde e até o de ir e vir entre os países. O tema já foi até mesmo campanha da ONU, chamada “I Belong”, que foi aliás quando a ativista descobriu que não estava sozinha no mundo.

“Até então, eu achava que só eu, meu irmão e minha irmã estávamos naquela situação. Aí comecei a pesquisar sobre o assunto e descobri que existem 10 milhões de pessoas do mundo inteiro sem pátria. A ONU, a Organização das Nações Unidas, criou uma campanha chamada “I Belong”, ou “Eu Pertenço”, em português, que defende a causa dos apátridas. A campanha da ONU foi, pra mim, uma esperança meio vaga, meio doida, mas pelo menos era algo em que eu podia me agarrar. Eu já não era mais “Someone Unknown", mas Maha Mamo, apátrida”, relata. 

Maha Mamo conseguiu estudar por caridade das instituições que a aceitaram sem documentação, mas ela não queria parar por aí. Enviava diariamente e-mail para diversas nações, contando sua história, em busca de ajuda. Foi quando a embaixada brasileira, em 2016, se interessou pelo seu relato e convidou ela e seus irmãos para virem ao país. 

“O Brasil era uma opção muito distante. Eu não sabia nada sobre o país, exceto o carnaval, o futebol e a violência. Pra onde eu iria? Onde moraria? Como ia viver? Vasculhando no Facebook, conheci uma família de Belo Horizonte que aceitou acolher meus irmãos e eu. Eu já tinha ouvido falar do Rio e de São Paulo, mas não de Minas Gerais. Eu gostei do nome da cidade. Era o meu horizonte chegando”, relembra.

Dois meses depois de receber o e-mail, ela partiu para o Brasil em um misto de medo e excitação, sabendo pouco do país. Já nos primeiros dias, tirou fotos, registrou suas digitais e assinou papéis. Ganhou CPF, carteira de trabalho,  protocolo de solicitação de refúgio e até vacinas atrasadas tomou. 

“Nem as filas da burocracia pública me irritavam. Eu achava tudo divertido. Eu podia ter uma conta bancária, um plano de saúde e tomar todas as vacinas que não tomei na infância”, relata.

Apesar da alegria inicial, uma tragédia levou seu irmão embora e ela sentiu uma chave virar em sua cabeça. Depois de se reerguer da tristeza, o ativismo entrou em sua vida e ela entendeu que precisava lutar para ajudar as outras milhões de pessoas que se encontravam em sua situação passada pelo mundo. 

“Antes do Eddy morrer, eu estava aproveitando a vida, de boa, com esperança de um dia conseguir a minha nacionalidade. Quando ele faleceu, entendi que a vida é muito curta e nós não temos garantia em nada. Eu não queria morrer sem a minha nacionalidade. Comecei a me questionar: Quem sou eu como ser humano? Pra que eu realmente quero essa liberdade de ir e vir, de fazer o que eu quiser?”, pensou.


Hoje, ela faz entrevistas e palestras mundo afora e ajuda países a modificarem suas leis e reconhecerem histórias como a dela. Em 2018, ela oficialmente se tornou brasileira, as primeiras apátridas reconhecidas pelo estado. Emocione-se com o seu relato apertando o play no Podcast Plenae, em seu streaming de preferência!

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Entrevista com

Daise Rosas Natividade

Professora, doutoranda e presidente da REAFRO

“Coisa de mulher”: uma conversa sobre o cenário do empreendedorismo feminino no Brasil

Conversamos com Daise Rosas Natividade, professora, doutoranda e envolvida com o cenário do empreendedorismo no Brasil há anos.

5 de Março de 2024



Há alguns anos, publicamos por aqui uma matéria sobre empreendedorismo feminino, inspirados pelo episódio de Zica Assis na primeira temporada do Podcast Plenae. Ela, que assim como muitas mulheres no Brasil, mudou sua vida por meio da prática. 

Mas ela também é o retrato desse movimento que nasce sob circunstâncias muito diferentes das dos homens: a imensa maioria das mulheres empreendem por necessidade e suas motivações são sobretudo o sustento, desatreladas dessa ideia primária do propósito. 

Segundo a última pesquisa do Sebrae, feita com base em dados do IBGE, mostra que, no terceiro trimestre do ano passado, havia 10,3 milhões de mulheres donas de negócios no país, mais de 34% dos empreendedores, como conta a matéria no G1. Pensando nisso, resolvemos conversar com quem está intimamente ligada ao movimento. 

Diretora nacional na Rede Brasil Afroempreendedor (REAFRO) e presidente Estadual no Rio de Janeiro da mesma instituição, Daise Rosas Natividade é muitas em uma só - característica comum em mulheres empreendedoras. Professora, psicóloga, empresária, doutoranda, dentre outros tantos papéis, ela conversou com o Plenae para falar afinal, o que é “coisa de mulher” quando o assunto são negócios. Confira a conversa completa abaixo!

Conte um pouco sobre a sua trajetória profissional

Caí logo no terceiro setor e por uma questão social. Estava sentada num consultório odontológico e vi uma matéria sobre uma instituição chamada São Martinho - que depois eu vim saber que é o santo do dia do meu nascimento, 11 de novembro. Fui trabalhar nesse lugar porque haviam meninos e meninas de rua, negros em sua maioria, o que chamou minha atenção. 

Eu ainda nem estudava psicologia, atuei lá como voluntária por longos anos até eu me formar, durante os 5 anos de formação. Dali, eu fui parar na docência, sempre fazendo essa conexão com a atividade profissional. Acho que há uns 30 anos da minha vida fui professora universitária, a maior parte do meu tempo dando aulas de administração. 

Qual a sua relação com a psicologia em si?

A psicologia sempre foi muito elitista, né? Então, para uma mulher negra como eu, retinta e psicóloga, eu não me sentia tão aceita, a não ser nos âmbitos mais sociais. Aí eu comecei a ficar meio contrária à psicologia, pensava não ser pra mim essa área, porque eu sou muito do social e a psicologia em si não falava da questão de gênero e raça na época. De uma década para cá é que isso vem sendo ponto de pauta, senti a diferença e voltei a clinicar.  

Mas eu sempre atuei com a psicologia como presença na minha vida, seja clinicando, nas áreas sociais ou na própria docência. Atualmente eu faço parte da Associação Nacional dos Pesquisadores Negros e Psicólogos, que é a ANPSINEP. Sou também doutoranda da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, estudando psicologia social, abordando as questões da interseccionalidade das políticas públicas com a autoestima e pertencimento de mulheres que desenvolvem negócios. 

Estou sendo orientada por um professor negro, que para mim é um é um grande estímulo, e dentro dessa perspectiva da psicologia social, trabalhando gênero e raça. Mas com essa pegada de como é que as políticas públicas podem fortalecer esse lugar. Isso faz muito mais sentido pra mim e fui me encontrando nesses caminhos. 

Atualmente, quais têm sido as suas conquistas?

Recentemente eu fui participar do fórum nacional de empreendedorismo, micro e pequenas empresas, e até então, nenhuma mulher negra havia ocupado esse espaço anteriormente nos últimos 21 anos anteriores. Eu chego no ano de 2023 sendo a primeira mulher negra a ocupar esse lugar que fala de empreendedorismo, sendo que 52% da população empreendedora é negra. E aí, como não ter pessoas negras pensando a política pública para si mesmo? Não é só tendo protagonismo não negro nesse lugar. 

Eu fui representando a Rede Brasil Afroempreendedor, que é uma instituição que eu presido aqui no Rio de Janeiro e faço parte da diretoria nacional. Ela atende 22 estados do país, vários públicos diferentes do Acre ao Rio Grande do Sul. Hoje em dia, inclusive, temos um programa chamado afro-indígena uberim, onde nós estamos com um grupo de um pouco mais de 300 mulheres negras e indígenas participantes de 18 estados do Brasil onde estão inseridas. 

Esses programas são financiados por uma instituição e por uma outra e nós entramos dando orientações de gestão de negócios, de orientação de negócio para esse grupo. Também atuo diretamente com uma empresa de tingimento natural na floresta, pensando toda a questão da moda aliada com a sustentabilidade. 

Na REAFRO, estamos nesse programa de capacitação, qualificação e orientação de gestão de negócios com esse grupo de 300 mulheres. Dentro do Governo do Estado, eu faço parte do Conselho, fui convidada recentemente para fazer parte do conselho da Secretaria Estadual de Política das Mulheres. No município, eu faço parte do Conselho de Inclusão Produtiva. 

No Governo Federal, faço parte do fórum de empreendedorismo das micro e pequenas empresas. E em todos esses lugares eu tenho pensado muito sobre a política pública para esse grupo feminino, mas em particular para as mulheres negras e as mulheres indígenas. 

E quais têm sido os avanços nessa área?

Nós temos trabalhado com uma proposta de microempreendedor familiar. E por quê familiar? Porque a população negra e a população indígena vêm de uma matriz com marco civilizatório coletivo. Nós não fazemos a coisa no individual, fazemos as coisas pelo coletivo. É claro que há ainda muito dos nossos que estão nesse processo de descolonização e que absorveram esse lugar do individual. 

Mas, todas as nossas matrizes - e principalmente se a gente olha para esse lugar do empreendedorismo, seja ele feminino, ou seja ele masculino em particular da população negra - tem esse lugar da família. Então por isso é familiar, trata-se desse grande ambiente coletivo. Não estamos sozinhos, estamos um com o outro.

Recentemente, a convite do Ministério de Desenvolvimento Social, fomos convidados a pensar no empreendedorismo que vai se implantar implementar no Brasil, com pessoas do Cadúnico nessa implementação. Em uma conversa com caciques, foi mencionado: “nós aqui não precisamos disso que você está me trazendo. Nós precisamos que as coisas sejam coletivas, porque aqui somos todos uma coletividade”. E é preciso ter isso em vista quando falamos de políticas públicas para essa população.

Mais especificamente sobre o empreendedorismo feminino, qual é o cenário no Brasil? 

O empreendedorismo feminino no Brasil hoje ainda é muito no âmbito da necessidade, né? E isso aumentou no pós-pandemia, porque o processo pandêmico vulnerabilizou muitas de nós e nessa vulnerabilização não nos devolveu para o mercado de trabalho no mesmo padrão. 

Mesmo quando essa mulher retorna, é já com alguns recursos financeiros a menos no bolso e tendo que se sujeitar a lugares diferentes. Isso impacta diretamente a vida dessa mulher que, majoritariamente, também são as chefes de família. Diante desse cenário, com menos recursos e muitas vezes menos conhecimento necessário para a empreitada, a mulher se lança no empreendedorismo para cobrir esse buraco, tanto as negras quanto as não-negras. 

Uma das principais dores de todas elas já começa na gestão financeira. A questão da autoestima, da segurança, do acesso ao conhecimento, gestão do tempo entre as múltiplas tarefas do dia e até ao acesso de financiamentos possíveis, tudo isso são gargalos do empreendedorismo feminino - que vale dizer, se concentra majoritariamente nas áreas de estética, moda, gastronomia, turismo e tecnologia, essa última área vem ganhando espaço. Tudo isso é “coisa de mulher”.

As instituições que fazem as avaliações trazem dados que apontam a 45% de mulheres nesse universo tão amplo. A interseccionalidade dos ministérios precisam fazer algumas ações que possam favorecer o empreendedorismo feminino para a permanência dela hoje, tendo em vista as demandas da população negra.

Qual é um gargalo importante para você quando se trata de empreendedorismo em geral?

O Brasil está numa posição que é segunda ou terceira de pessoas mais empreendedoras. Mas, nesse universo, ainda temos demandas de crescimento. As nossas políticas públicas, estão no processo de fortalecimento. Agora temos um Ministério do Empreendedorismo, que vai olhar para as micro e pequenas empresas, e eu creio que isso vai fortalecer esse ambiente.

Mas, uma coisa que eu acho que é muito importante a gente pensar, sobretudo no caso das mulheres, é nesse quesito de precarização. Porque, ao empreender, a pessoa entra no lugar do trabalho e renda, mas ele tira de alguma forma os direitos trabalhistas também. Esse empreendedor não vai ter o 13º, férias, fundo de garantia, aposentadoria, entre outros direitos. Quando se é MEI, há ainda alguns direitos garantidos, mas a gente tem um alto índice de pessoas que não estão pagando os seus meios e isso vulnerabiliza os nossos

Como isso tudo atinge a população negra? 

Dentro desse cenário, a gente tem um percentual de 52% de pessoas negras empreendendo no todo. Mais de 60% das mulheres negras empreendem por necessidade e muitas são mães solo, que vão ter que dar conta de cuidar de tudo. A questão do crédito e microcrédito é algo muito importante para todas as mulheres, mas esse acesso ao recurso financeiro com juros muito mais baixos e para pagamento mais longe é ainda mais difícil para as mulheres negras. 

Falta ainda a qualificação da orientação para que ela possa saber empreender da melhor forma possível, oferta de um ambiente onde ela possa apresentar ali o seu negócio dentro da sociedade e ampliar as suas redes de negócios. O próprio poder público poderia fazer um levantamento de quais são esses negócios e trabalhar e utilizar esses negócios internamente para a própria política pública.

Ainda falta um ajuste fiscal, já que as mulheres negras vão de alguma maneira ter um poder aquisitivo menor em alguns casos, mas elas vão ter que arcar com as mesmas despesas e tributações. E por fim, tem a questão da idade. As mulheres negras geralmente estão até a idade de 65 anos empreendendo, em alguns casos até iniciando os seus negócios, porque não conseguem sobreviver com os recursos que dispõem, em uma idade onde outros públicos já estão mirando a aposentadoria.

O que há de mais positivo no movimento de mulheres que empreendem?

As mulheres se apoiam, né? Uma apoia a outra nos seus negócios, então quando uma não pode, a outra abre espaço. A gente vê a importância que elas dão às suas relações. Sempre que uma tem uma oportunidade, ela chama a outra para fazer parte desse lugar e às vezes, ela até cede o lugar para essa outra, porque percebe que essa outra tem uma necessidade maior, né? Essa relação de pertencimento também é algo muito forte nesse processo. 

Ainda, nosso índice educacional também é maior hoje do que o dos homens, nós estudamos mais, apesar de termos menos acesso e ganharmos 39% a menos. Somos muito criativas e muito proativas, então apostar em um negócio feminino é sempre muito positivo, o universo “coisa de mulher” é muito rico. 

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