Parada obrigatória

#PlenaeApresenta: Sebastião Aires, o médico poeta

Conversar com o nordestino Sebastião é viajar por entre a poesia das palavras, da vida e da longevidade de quem já viveu nove décadas de mundo

3 de Outubro de 2020


Sabedoria e sentimentalismo: essas são as palavras que melhor definem a personalidade de Sebastião Aires de Queiroz, detentor da incrível marca dos 90 anos. Nordestino e oriundo do pequeno município de Cariri paraibano, ele também é patrono de uma extensa família, e não esconde o orgulho ao falar deles.

“Permaneço casado há 64 anos com a senhora octogenária Maria Amélia de Almeida. Nossa família é composta por sete filhos (três homens e quatro mulheres), dezoito netos e dez bisnetos. O cultivo das relações familiares, profissionais, afetivas e sociais é vital e será de suma importância para um conviver saudável, em níveis físicos, psicológicos e espirituais” diz.

Em um invejável uso do bom português, Sebastião nos conta que exerceu a Medicina por 56 anos, sobretudo como médico da família em diferentes empresas e consultório privado. Mas a impressão que fica é a de a literatura e a poesia são inerentes ao seu ser. Não por coincidência, ele já teve a marca de oito livros publicados.

“Sabemos que a velhice não é homogênea para todas as pessoas e não decorre apenas da passagem do tempo, mas é de múltiplos fatores genéticos, físicos, fisiológicos, biológicos, patológico, psíquicos, melhoria do padrão de vida, dos níveis de educação e do acesso aos avanços sociais e aos tecnológico de medicina” explica.

Sendo assim, por que as pessoas estão vivendo mais, mesmo diante de um cenário tão discrepante? Para Sebastião, os declínios significativos da fertilidade e da mortalidade infantil podem ser uma explicação válida para o expressivo aumento da população de idosos e da esperança de vida.

“A longevidade é, ao mesmo tempo, um significativo triunfo e um grande desafio, sobretudo para as populações do Nordeste e de outras regiões subdesenvolvidas do país. Os que agora nos encontramos na faixa etária dos setenta a noventa anos são audaciosos sobreviventes de décadas marcadas pela pobreza e castigadas por catástrofes naturais, como enchentes e secas prolongadas e ainda epidemias de diferentes naturezas” diz orgulhoso.

E é mesmo um grande feito. Doenças psicossomáticas, ou as chamadas agravos não-transmissíveis (DANTs) - como diabetes, hipertensão ou problemas renais - são comuns em indivíduos de idade avançada. Há ainda a questão da violência urbana, acidentes de trânsito, exposição ao uso de drogas e tantos outros tristes episódios que podem encurtar a vida de todos aqueles que não atingem a marca da longevidade.

Segundo o Diário Econômico do Banco do Nordeste , “o Brasil possui, atualmente, 208.494.900 habitantes, de acordo com dados recentemente divulgados pelo IBGE. A população do País continuará a crescer até 2047 quando atingirá 233.233.670 pessoas.”

A população do Nordeste representa 27,2% da população do Brasil, e possui 13,6% de seus habitantes com mais de 60 anos. Atualmente, a expectativa de vida dos nordestinos é de 73,6 anos, mas esse número deve aumentar para 78,9 anos até 2060. Somente na Paraíba, estado onde nasceu e cresceu Sebastião, possui hoje uma porcentagem de 9,6% da população com mais de 65+. Mas esse número deve dar um salto olímpico para 25,6% até 2060.

“Considerando a atual expectativa média de vida, cheguei longe. Vivo uma velhice relativamente saudável, na medida em que mantenho minha autonomia e independência para o desempenho dos atos do viver cotidiano - como mover-se, alimentar-se, vestir-se e higienizar-se. Também dirijo, uso computadores, gerencio minhas próprias finanças, opero meu telefone e seus aplicativos e ainda uso meios de transporte e outras atividades” revela.

Todas essas múltiplas capacidades são absolutamente evidentes ao menor contato de quem se aproxima de seu Sebastião e sua notável eloquência. Como é possível um saldo tão positivo após nove décadas de planeta Terra? “Tenho dedicado cuidados à qualidade e ao volume dos alimentos à disposição, dos hábitos de higiene e do regime de sono, tento evitar quedas e acometimentos por infecções por meio de imunizações, caminho regularmente, dentro dos meus limites, não sou tabagista ou usuário de drogas lícitas ou ilícitas e, claro, por integrar a classe média, tenho independência financeira e conto com plano de saúde através do qual faço revisões periódicas.”

Mais do que somente cuidar do físico, Sebastião frisa a importância de estar em dia com o seu espiritual também. “Na fé cristã que professo, busco manter boas relações com a família, com amigos, de respeito e afabilidade com vizinhos e até com desconhecidos. Evito guardar ressentimentos ou ódios e me empenho em conviver em harmonia e paz comigo próprio e com todos. Enquanto médico, sei que a saúde é uma junção de bem-estar físico, emocional, social, psicológico e espiritual.”

Sebastião revela que vê o futuro da sociedade com muito otimismo, sobretudo no que concerne às condições de se viver cada vez mais e com qualidade, com os avanços da ciência, por exemplo. No âmbito social, acredita que é preciso força de vontade da parte dos jovens para não seguirem caminhos traiçoeiros.

“É preciso que eles tenham discernimento, que persigam seus ideais com muita confiança, determinação, obstinação, labor e estudo. E nunca se deixem iludir pelos sedutores apelos das drogas, da promiscuidade e da corrupção endêmica que possam ameaçar suas preciosas e dinâmicas vidas. Celebrem os momentos mais gratos e felizes, e não deixem que emoções e agravos negativos perturbem os seus espíritos irrequietos. Até podemos nos realizar em muitas dimensões de nossa existência, mas se não atentarmos para a vocação espiritual e ela imanente, entraremos em crise existencial.”

Nas palavras do poeta, “chegar mais longe na jornada da existência é uma oportunidade de viver melhor e tendo a consciência de que ainda poderá ser útil e produtivo no lugar ou ambiente em que vivemos”. E para gozar desse imenso prazer que é estar vivo, é preciso estar atento e forte aos aprendizados e percalços de nossas trajetórias.

“Não podemos desistir dos ideais acalentados pelos quais lutamos, com todas as forças do nosso ser, superando múltiplos obstáculos que se anteponham à sua concretização. ‘Tudo valeu a pena pois a alma não foi pequena’ como disse o grande poeta Fernando Pessoa” conclui, usando da sua usual e íntima poesia.

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#PlenaeApresenta: Carlinhos de Jesus e a autoaceitação como caminho

O Plenae Apresenta a história do dançarino Carlinhos de Jesus, participante da nona temporada do Podcast Plenae!

15 de Agosto de 2022



Você se orgulha das suas marcas? O dançarino Carlinhos de Jesus sim. Mas essa aceitação veio com a maturidade, depois de anos tentando vencer o invencível: o vitiligo. No primeiro episódio da nona temporada do Podcast Plenae, tivemos uma aula sobre corpo, ou melhor, sobre a aceitação do mesmo.

Portador de uma síndrome rara chamada vogt-koyanagi-harada, o artista viu primeiro sua visão perder força, logo ele, que precisava tanto enxergar o palco para assim acertar seus passos de dança diante de uma plateia. “Eu dava muitas topadas na rua, porque não enxergava os obstáculos na minha frente. A minha visão de perto também foi afetada. O grau ia aumentando rapidamente e eu comprava aqueles óculos de camelô pra ler. Quando eu precisei pegar uma lupa para ler um texto, eu percebi que estava com um problema”, relembra.

Muitas e muitas idas ao oftalmologista, sem nenhum diagnóstico cravado ou problema resolvido. Nessa altura, Carlinhos já desenvolvia técnicas como medir o palco antes de entrar para saber quantos passos poderia dar para cada lado sem cair ou topar em algo.

Foi quando, em uma viagem para Cuba em uma consulta arranjada, ele descobriu o nome do que tinha e recebeu duas notícias, uma boa e uma ruim. A boa é que essa síndrome iria passar com o tempo, sobretudo depois dos 50 anos - e de fato, melhorou muito hoje aos 69.

A ruim é que ela poderia causar vitiligo, uma doença autoimune dermatológica que tem como sintoma a perda de melanina em algumas partes do corpo, causando manchinhas brancas que podem se estender ao longo da vida. Manchinhas essas que Carlinhos já tinha notado em diferentes partes do corpo, mas não tinha dado muita atenção.

“Realmente tinham aparecido umas manchas brancas nas minhas mãos, no pescoço, no rosto, na virilha. Eu moro em Copacabana. Atravesso a rua e chego no mar. Então, a minha primeira suspeita era uma coisa chamada pano branco, uma micose comum de praia. Eu procurei alguns dermatologistas, passei umas pomadas, mas não adiantou. Alguns médicos tinham apontado que podia ser vitiligo, mas ninguém bateu o martelo, até o doutor Hilton Rocha descobrir o que eu tinha”, conta. 

O mais curioso é que o vitiligo pode se agravar conforme as emoções daquele indivíduo, ou seja, se ficar nervoso ou triste, elas podem piorar. “Como eu levo uma vida muito agitada, com vários momentos de estresse, a pele marca essas passagens. Cada nuvem estampada no meu corpo traz a lembrança de um trabalho que eu fiz. Uma é da coreografia que eu criei pra Comissão de Frente da Mangueira em 98. Outra da Comissão de Frente de 99. Tem uma da primeira vez em que eu subi no palco com a Marília Pêra. E por aí vai”, pontua. 

Foi depois de confidenciar a dois amigos próximos a sua condição que ele percebeu que não há nada de errado com ela. Era preciso aceitar algo que não teria cura e mais, algo que fazia parte da sua história e de quem ele era. “Eu escondia tanto a doença, que eu escrevi um livro sobre a minha vida e nem citei o vitiligo. Não era tanto por mim, mas porque eu me preocupava com a opinião alheia. Eu tinha medo das pessoas acharem que era algo contagioso. Ou que me vissem como um relaxado que não se cuidava e pegou micose”, desabafa. 

Hoje, Carlinhos responde cada vez menos às críticas e exibe suas “nuvens”, como ele apelidou suas manchinhas por aí, sem medo de ser feliz e servindo de inspiração para tantas outras pessoas portadoras de “nuvens” também. “Eu fui entendendo que o preconceito tá nos olhos de quem vê. É do outro, não é meu. Ah, você está olhando pra minha mancha? Eu tô olhando o seu desrespeito. E da mesma maneira que eu rejeito o olhar de julgamento, eu também não quero um olhar de piedade. Eu não sou um coitado. Eu tô trabalhando, tô vivendo, tô respirando, tô amando. Eu só quero ser visto como eu sou, com naturalidade”, diz.

Para ele, ter manchas é tão parte de seu corpo quanto ter braços, bigode e olhos. E é com essa naturalidade e alegria que ele encara o que, para muitos, pode afetar seriamente a autoestima. Um show de inspiração Ouça agora este lindo relato na sua plataforma de streaming favorita ou apertando o play por aqui mesmo. 

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