Para Inspirar
Assim como o Caminho de Abraão trilhado por Ale Edelstein, muitas pessoas buscam em longas caminhadas, reencontrar sua fé e a si mesmo
3 de Dezembro de 2020
Na terceira temporada do Podcast Plenae - Histórias Para Refletir, conhecemos a história do cantor litúrgico Ale Edelstein. Utilizando um sapato como metáfora, ele nos conta como sentia que usava o mesmo calçado há tempos, e que passou a sentir necessidade de sentir o chão na sola dos pés.
Apesar de simbólico, Ale de fato saiu caminhando “por aí”, mais especificamente, trilhou o Caminho de Abraão, que tem como principal missão ser uma jornada de pacificação e paz entre diferenças crenças.
A trilha, que possui cerca de 2 mil quilômetros, busca atravessar os locais por onde, segundo a história conta, o personagem bíblico Abraão percorreu a mando de Deus. Hoje em dia, esse trajeto corresponde aos territórios de países como Túrquia e Israel.
Essa é uma das muitas opções de peregrinações que existem, sendo uma das principais e mais famosas - como aponta este site . Importante reforçar que a peregrinar não se resume somente ao fato de caminhar, mas diz respeito a uma jornada maior, que pode ser feita individualmente ou em grupo, tendo sempre um objetivo espiritual e de autoconhecimento envolvido.
O destino final das peregrinações também são específicos. Portanto, além da busca pela sua essência que a trajetória reserva, o peregrino recebe como recompensa final o prazer de ter chegado em um local considerado sagrado do ponto de vista religioso e histórico - seja por já ter abrigado manifestações sobrenaturais, acontecimentos importantes ou somente a passagem de um ser superior.
Marco Antonio dos Reis Serra foi um dos milhares de peregrinos que atravessam longas distâncias em busca de um sentido maior para a vida. Depois de dedicar toda a sua vida trabalhando no mercado financeiro, ao completar 50 anos, ele se viu em busca de mais.
Do momento da decisão até o da viagem foram apenas 2 meses. O gatilho para essa decisão foi a volta de uma viagem de trabalho. Enquanto lia dentro do avião, se deparou com um trecho que o provocou de tal maneira que, desde então, nunca mais se sentiu o mesmo.
Passagens compradas, uma mala e uma bota, e isso foi o bastante para que ele embarcasse, pela primeira vez, sem nenhum planejamento. “Pouca gente sabe disso, mas o Caminho de Santiago tem centenas de rotas. Mas o caminho francês é o caminho mais tradicional e foi o que eu fiz, o trecho de 800 km que começa na França e termina no último ponto da Espanha”. Confira o relato completo a seguir.
“Fiz o que eles chamam de caminho francês, em Santiago da Compostela, que é o caminho mais tradicional desse tipo de peregrinação. Mas ele não é um caminho único e nem se sabe se foi o primeiro, porque o Caminho de Santiago é milenar, há muitos anos percorrem essa jornada. Ele é basicamente um caminho que tem aproximadamente 800 km de extensão, liga uma cidade que chama Saint Jean Pied de Port até Santiago de Compostela, na Espanha.
Antigamente as pessoas faziam esse trajeto somente por questões religiosas católicas, mas eu fiz mais pelo isolamento, pela experiência. Santiago foi o primeiro apóstolo de cristo a morrer após a crucificação, por continuar a pregar a palavra de Cristo - proibida na época. Depois, os restos mortais dele, no ano de 42 D.c, foram roubados por fiéis que levaram ele da região onde hoje é a Palestina até Santiago de Compostela. Os restos mortais dele, em teoria, estão lá na catedral. Existem rotas que vem desde Istambul também, existem muitas rotas. Chama Compostela porque tem a ver com a descoberta de que esses restos mortais estavam lá e foram descobertos por jesuítas por meio de uma indicação luminosa de estrelas que indicavam que ali estariam esses os restos. A partir de então, isso virou uma peregrinação.
Muita gente pergunta porque foi de Palestina até lá. A explicação lógica é que depois de Santiago de Compostela, se você andar mais uns 120 km, você chega em um lugar chamado Finisterra, que é o ponto mais ao Ocidente da Europa, e antigamente se acreditava que a Terra acabava lá.
A questão toda desse caminho é que ele te expõe a um isolamento, uma meditação. Há ainda quem faça por homenagem a alguém. Não envolve se cercar de luxo, mas sim de simplicidade e introspecção. Tem alguns lugares que são até credenciados do Caminho de Santiago. Você leva um passaporte do peregrino e vai carimbando, e quando você chega no lugar final, eles te dão uma carta escrita com fio de ouro, dependendo da sua rota eles colocam quanto tempo você caminhou e tudo mais. Você pouco passa em cidades grandes, e mesmo as grandes, são bem pequenas, tipo Jundiaí, em São Paulo. Visitei cidades que tinham 28 habitantes, são lugares de cultura mais bucólicos, provincianos e rurais. Depois de um tempo nesse caminho, você acaba até se sentindo meio mal quando entra em cidade grande, é um turismo que você percebe que é tóxico, feio, agitado, psicótico de uma certa forma.
A maioria das pessoas viajam sozinhas. O peregrino costuma acordar bem cedo, às vezes antes do sol nascer, e passa o dia caminhando. Chega no ponto de parada, dorme e caminha mais no dia seguinte. Você usa esse caminhar como um processo de pensar, conversar consigo mesmo. E aí, quando você chega nos lugares de parada, conversa com as pessoas, conhece gente do mundo todo, divide experiências. Caminhei com gente que estava já na décima vez fazendo esse caminho, conheci uma mulher belga de 91 anos que andava quilômetros a fio, tranquilamente. Caminhei com uma japonesa que fazia em homenagem ao seu marido falecido e fez 40km em um só dia. Vi cadeirantes fazendo também. É um sentimento de colaboração e solidariedade que não existe, todos querem te ajudar de alguma forma.
Eu estava fazendo 50 anos, não me preparei muito, decidi 2 meses antes de ir. Eu comprei uma passagem de avião, uma mochila e uma bota, nem sabia onde ia dormir. Eu fui na experiência de não ter planos, no desconhecido, de não saber onde eu ia estar no dia seguinte. E isso foi uma riqueza infinita pra mim, porque na vida da sociedade moderna, tudo é muito planejado, você tem que se planejar, ver o que vc vai fazer no ano seguinte, seu plano de carreira, de férias. E uma das coisas que percebi é que entrar no desconhecido e estar fragilizado nisso era uma força e eu precisava disso.
Quando eu cheguei lá, desci de um ônibus, tava chovendo, coloquei uma jaqueta e já sai andando até os pirineus (uma cadeia montanhosa), só parei quando cheguei no albergue onde dormi aquela noite.
No albergue é legal porque sempre tem uma confraternização. E aí me perguntaram o que trouxe cada um pro Caminho de Santiago. E a minha resposta, que foi de mais da metade também, foi “eu ainda nao sei”. Então é uma coisa que até faz parte do espírito do caminho. Hoje enxergo melhor, mas não era claro pra mim quando eu estava lá. E aí você percebe que tinham coisas que você não sabia, que eram um chamado interno, e de repente você consegue enxergar.
Sempre fui do mercado financeiro, da lógica, do planejamento, e eu precisava jogar fora tudo isso, viver uma vida onde nem tudo é racional, ouvir mais o coração. Eu achava que eu precisava me reenergizar, sair da rotina, despertar uma consciência sem as distrações hiperativas de uma viagem repleta de roteiros milimetricamente planejados.
É um processo de transcendência, você ri sozinho, chora bastante, é um caminho interno muito profundo. Você tem que confiar no universo, e ele joga a favor, não adianta se desesperar quando você está sozinho, até porque não se tem nem pra quem reclamar, então você engole a reclamação e isso te dá muita força.
Há, evidentemente, as dificuldades físicas e psicológicas. Eu não tive muita dificuldade física porque pratico bastante esporte, mas é comum as pessoas todas terem bolhas no pé. Terminei o caminho em 23 dias, o normal é terminar em 30, 31. Mas o maior problema é o psicológico, estar longe da família, amigos, caminhando e se punindo por questões do passado, é uma limpeza que se faz em um processo de silêncio e autoconhecimento muito difícil e doloroso, mas necessário. Fazer isso por um dia ou dois é difícil, mas por 30 dias… Na primeira semana ou nos primeiros 10 dias, você enfrenta uma fase de provação psicológica.
Mas eu falo para todo mundo: não dá pra morrer sem fazer. Ainda pretendo fazer várias vezes, hoje eu olho penso que o Caminho de Santiago é uma experiência inesquecível, mas existem ainda muitos outros que eu quero fazer. Eu não gostaria de dizer o que eu recomendo ou não, isso faz parte da humildade que conquistei, não me vejo na posição de ensinar alguém, porque são experiências pessoais, completamente individuais e intransferíveis. Um pouco do aprendizado é saber que os planejamentos muitas vezes podem dar errado, como tudo na vida. E acredite: caminho te impacta aos poucos, até hoje estou assimilando ou sendo impactado com coisas que não tinha percebido até então. É muito forte”
Para Inspirar
Na décima primeira temporada do Podcast Plenae, inspire-se a mudar o mundo com a trajetória de ativismo de Daniela Lerário.
27 de Março de 2023
Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
Eu tinha na cabeça a ideia de uma "ilha de lixo" - que na verdade nunca existiu. Parece mais uma sopa com um monte de objeto flutuante. Pente, escova de dente, madeira, uma roda com a calota e tudo, várias embalagens de plástico flexível - uma tinha data de 1980, imagina. Em alguns lugares, a quantidade era bem maior, e a gente podia ver aquelas coisas que ainda não afundaram …. A água que a gente coletava pra amostragem - parecia normal, até olhar de pertinho. Depois ela era viscosa, tinha vários pedacinhos de plástico colorido. [trilha sonora] Geyze Diniz: Guiada por sua intuição, Daniela Lerario, há 11 anos, embarcou em uma expedição que mudaria sua relação com o consumo e com a natureza. Foram mais de 40 dias no mar, 12 tripulantes e um único propósito: ajudar o meio ambiente. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se. [trilha sonora] Daniela Lerario: Em 2012, eu me juntei a 12 pessoas de 7 países, numa expedição atrás dos resíduos do tsunami que atingiu o Japão, um ano antes. Essa foi a maior aventura da minha vida, uma viagem de quase 4 meses, sendo 42 dias num veleiro. Eu soube dessa jornada pelo blog de um capitão norte-americano chamado Charles Moore. Esse cara é um ativista ambiental e velejador que há muitos anos trabalha com proteção e conservação dos oceanos, e fez uma convocação para PANGEA Expedition. No dia 11 de março de 2011, um terremoto de 9 graus de magnitude no fundo do mar, seguido por um maremoto, arrastou milhares e milhares de toneladas de resíduos da costa do Japão.
“Legal, você tá dentro. Só que você precisa subsidiar a viagem. Se vira”. Puts! A expedição custava uns 7 mil reais, mais a passagem de ida pra Tóquio e a de volta pro Havaí. Ou seja, eu não tinha essa grana. E o maior problema não era nem esse. [trilha sonora] Fazia menos de dois anos que eu estava num ótimo emprego, numa empresa bem grande com um trabalho bem remunerado. Quando eu recebi a resposta, eu pensei: “Que que eu faço agora? Como é que eu vou sair de um emprego que tá super bem pra embarcar numa aventura dessas, e ainda pagar por isso?” [trilha sonora] Só que, por mais que parecesse uma loucura, não tinha nenhuma dúvida sobre a decisão que eu estava tomando. Eu tenho uma conexão engraçada e bem forte com a minha intuição. Eu sempre sei o que fazer, e aí, eu coloco energia em como vou fazer acontecer. Até hoje eu tenho o costume de me perguntar o quanto que uma escolha afeta positivamente a mim e a minha família, e se ela conecta com a minha essência e com o que eu percebo de valor. A resposta sempre vem. [trilha sonora] Eu digeri a informação por alguns dias antes de tomar coragem de entrar na sala do VP da empresa na época e dar a notícia pra ele. Ele deve ter me achado completamente maluca. Eu lembro dele olhar para mim e falar: “Me conta, o que que é que você vai fazer nesse navio?” Eu pensava: “Não é um navio, é um veleiro”. Aí ele disse com um ar meio de reprovação “Olha, menina, se eu tivesse aceitado qualquer coisa que aparecesse na minha vida, eu não estava sentado aqui”. Eu tinha uma certeza: que a única coisa que eu não queria tá era sentada naquela cadeira. Ele até tentou me convencer. Ele disse que poderia guardar meu lugar por alguns meses: “Tá bom, de quanto tempo você precisa? Dois meses? Três, quatro?”. Tipo, vai lá, e faz o seu capricho e volta. Mas eu não podia me comprometer, vai saber o que que tinha lá fora reservado pra mim. [trilha sonora] Numa decisão bem controversa - pros outros - eu juntei as economias, passei o chapéu e fui pro Japão. Chegando lá, eu não conhecia ninguém. A gente foi se conhecer em Tóquio, num alojamento do Corpo de Bombeiros que a expedição tinha cedido pra gente. Eu era a única brasileira no grupo de 12 pessoas. Na primeira noite, a gente jantou com o Charles Moore, aquele norte-americano que convocou a expedição. Esse cara foi a primeira pessoa que cruzou com a mancha de lixo do Pacífico. Isso foi lá em 1997, quando ele estava participando de uma regata e fez uma mudança de trajeto para cortar o caminho de Los Angeles pro Havaí. Daí pra frente ele começou a estudar essa região de acúmulo de resíduos. E hoje em dia, a gente sabe bem mais sobre esse tema. Essa mancha, ela ocupa uma área do tamanho do estado do Texas. Para comparar, maior que o estado de Minas Gerais, imagina! E ela não é a única, são outras quatro destas no planeta, talvez até cinco. [trilha sonora] Esses "sistemas de correntes oceânicas rotatórias", que são conhecidos como giros oceânicos, são dois no Oceano Atlântico (Norte e Sul), dois no Pacífico (Norte e Sul) e um no Índico. E eles afetam diretamente o clima global e os ecossistemas marinhos.
É como se eles fossem grandes ralos, e é lá que vão parar todos os resíduos que, de alguma maneira, caem no mar. São várias as fontes: os rios poluídos, o esgoto mal tratado, um lixão perto da costa, redes de pesca, o lixo que é descartado pelos navios e, claro, as embalagens de uso único. Tipo aquela garrafinha de água que as pessoas deixam na areia. [trilha sonora] Os resíduos plásticos tão entrando no oceano numa taxa de cerca de 11 milhões de toneladas por ano, prejudicando a vida marinha e os habitats. O plástico é um material feito pra durar e dura. O problema é que a gente deixa ele ir parar no mar.
Essas zonas de confluência concentram pequenos fragmentos que a gente chama de microplásticos. O plástico vai se quebrando com a ação da maré, dos raios solares e do vento. São pedacinhos bem minúsculos que acabam entrando na cadeia alimentar através dos animais menores - os fitoplânctons, por exemplo - e sobem até os maiores - como os camarões ou peixes - que no final são consumidos por nós. Tinha um cientista, o NIkolai Maximenko, que acompanhava por satélite pra onde iam os resíduos do tsunami do Japão - e eles estavam se movendo em direção à grande mancha de lixo do Pacífico. E era exatamente pra lá que a gente também ia. [trilha sonora] Mas, antes de embarcar no veleiro, a gente fez um período longo de trabalho voluntário pelo Japão. A ideia era mergulhar na cultura local, entender um pouco da lógica da expedição e compreender que os resíduos que a gente ia monitorar vinham de famílias. Foram mais de 18 mil vidas perdidas naquela tragédia. A gente tinha que entrar naquele lugar com muito respeito. [trilha sonora] O líder científico da nossa viagem era o Marcus Eriksen, um ativista fundador do 5 Gyres Institute, uma ONG norte-americana super conhecida no tema de poluição de plástico. Com a liderança dele e alguns outros tripulantes, a gente se voluntariou em Fukushima. Esse nome deve ser familiar pra você. É aquela província onde o tsunami causou o maior desastre nuclear desde a explosão em Chernobyl, na Ucrânia, em 85. Meu pai ficou super preocupado quando eu contei que ia pra lá. Eu lembro dele falando: “Filha, o mundo inteiro tá indo para longe de Fukushima. O que que você vai fazer lá? Não faz essa loucura!” E eu, acho que tão jovem na época, nem pensei no perigo da radioatividade. Eles deram pra gente máscara, bota e uma roupinha especial e lá fomos nós. [trilha sonora] O senso de comunidade dos japoneses é de dar orgulho. Eu fiquei surpresa de encontrar vários japoneses que tinham tirado férias, saído das suas cidades pra ajudar a reconstruir o país de uma forma anônima e voluntária. Eles estavam ali porque era o certo a se fazer. Eu e o Marcus, a gente trabalhou na reconstrução de um jardim da casa de uma senhora que perdeu toda família no tsunami. A gente cuidou do canteiro dela e depois sentou no tatame da sala pra tomar um chá. Ela contou em japonês, meio com sinais, que viu aquela onda gigante vindo em direção da casa e depois perdeu toda sua família. Ela tinha uma origem rural e dava pra perceber que as mãos dela eram de gente que trabalha na terra, sabe? O Marcos pediu permissão e fez um molde de gesso da mão dela. E foi um momento super marcante pra mim, porque essa peça acabou acompanhando a gente durante toda a expedição, representando a conexão da nossa viagem com a vida humana.
[trilha sonora]
Depois dessa etapa, a gente embarcou no que era pra mim o auge da experiência: a travessia. O veleiro Sea Dragon, ou Dragão do Mar, tinha 78 pés, que era mais ou menos 23 metros. Que é grande, mas, mesmo assim, sem nenhuma privacidade pra 12 pessoas. A partir daí, era todo mundo tripulante. A gente dormia em redes enfileiradas e sobrepostas em três camadas, assim como se fosse um triliche. O barco tinha dois banheiros, mas só um tava funcionando. E a bomba de água doce deu problema desde a primeira semana, então a gente não tomava banho e tinha que cozinhar com água do mar pra economizar.
Durante toda a expedição, a gente não teve um telefonema e pouquíssima comunicação com o mundo externo. Era um estado de presença absoluta, em que ninguém ficava parado. Todo mundo trabalhava em turnos, eram equipes de 3 pessoas, limpando, cozinhando, fazendo o trabalho científico de coleta e avistamento de resíduos. Várias vezes por dia, a gente lançava no mar um equipamento que parece uma raia com uma bocona bem grande de metal e um saco de rede.
Depois, a gente despejava essa amostra numa peneira e fazia uma análise. A gente fez isso 93 vezes durante as 7.000 milhas percorridas. E mais de 90% das amostras tinham fragmentos plásticos. Eu também passei muitas horas olhando pro mar, em busca de algum resíduo flutuante. E a gente tinha que anotar tudo o que aparecia em uma prancheta com as fichas de resíduos com o maior detalhe possível.
[trilha sonora]
Depois de mais de 40 dias no mar, eu tinha dois caminhos. Ou eu botava tudo aquilo debaixo de uma pedra e fingia que não era comigo ou eu encarava a realidade e pensava: bom, o que que eu posso fazer pra mudar?
[trilha sonora]
Onze anos depois, eu sei que a expedição mudou completamente a minha vida, muito mais do que eu imaginava que ela ia mudar. No lado pessoal, a minha relação com o consumo se transformou completamente. Eu nunca mais comprei caneta com tampa, por exemplo, porque a tampa é um resíduo tão pequeno que provavelmente vai parar no mar. A bexiga, por exemplo, é muito legal, mas nas festas de aniversário dos meus filhos não tem de jeito nenhum. Embalagem de sachê, aquelas pequenininhas, esquece, você nunca vai me ver usando. E se eu tiver que usar eu vou tá com o coração bem apertadinho, com peso na consciência. Todo mundo brinca que ir pro supermercado comigo, por exemplo, é um inferno, porque eu me preocupo tanto com o conteúdo quanto com a embalagem. Eu analiso cada um pra optar por aquelas que têm maior chance de serem efetivamente recicladas no lugar onde eu vivo. São medidas pequenas que entraram na nossa rotina, mas claro que sozinhas elas não vão ser suficientes. Por isso, com a maturidade, eu saí um pouco desse lugar de culpa e procuro focar a minha energia nas ações que realmente vão fazer uma mudança, tipo influenciar políticas públicas.
[trilha sonora]
Do ponto de vista profissional, a expedição pivotou a minha carreira. Ela trouxe oportunidades que rendem até hoje pra mim. De lá pra cá, me tornei sócia de uma empresa, da qual fui CEO por 3 anos. Desde 2018, eu me dedico a um desafio um pouquinho maior, que é o das mudanças climáticas. Eu recebo o tempo inteiro notícias terríveis, estudos cada vez piores sobre as projeções pro futuro da humanidade.
É difícil estar nessa posição. Mas, se eu pensar nisso, eu não saio da cama. Então, eu lido com isso com um otimismo teimoso, que a gente gosta de falar. Eu sou a esperança encarnada. Não é uma visão ingênua, mas de acreditar que, se a gente aprender a colaborar de forma realmente inclusiva e se a gente der pras pessoas o mínimo de oportunidade, é possível reverter esta situação.
O meio ambiente somos nós. Nós somos a natureza. Nessa corrida, todo mundo ganha ou todo mundo perde. Ou a gente é parte da solução ou a gente vai continuar sendo parte do problema.
[trilha sonora]
Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
Conteúdos
Vale o mergulho Crônicas Plenae Começe Hoje Plenae Indica Entrevistas Parcerias Drops Aprova EventosGrau Plenae
Para empresas