Para Inspirar

Como um bom casamento pode te levar a plenitude e a longevidade?

Entenda como ter suas relações equilibradas é capaz de refletir positivamente em outros aspectos da sua vida

31 de Julho de 2020


Você já deve ter ouvido o último episódio da primeira temporada do nosso podcast, certo? Nele, Geyze e Abilio Diniz, empresários e idealizadores do Plenae, contam como se encontraram e decidiram partilhar muito do que essa vida tem para nos apresentar.

Mais do que uma história de amor, é também uma narrativa sobre se permitir, sobre segundas chances e recomeços. Todos esses fatores culminaram para o então casamento saudável que hoje ambos levam, recheado de confiança, respeito, carinho e muito aprendizado.



Pautados nessa história de sucesso, resolvemos investigar: se um casamento saudável é responsável por trazer tantas coisas positivas para nossa vida, será que ele também não deve fazer bem a níveis físicos? Pois encontramos prontamente a resposta: sim!

Isso porque, além de efetivamente agir em nossos sistemas fisiológicos, ele também atua de maneira intensa para a boa manutenção da nossa saúde emocional - que, como você já sabe, é importantíssima para o corpo como um todo. Além disso, há menos chances de desenvolver demência, contrair um simples resfriado ou até maiores chances de sobreviver a um câncer. Que os solteiros nos perdoem, mas acreditem: estar casado é também muito valioso para sua saúde.

Conheça agora algumas pesquisas que comprovam, por meios científicos e estudos sociais aplicados, o poder que um bom relacionamento pode exercer para a sua vida - capaz de te levar longe e, mais importante, de forma plena.

Mas não se esqueça de um detalhe importante : esses dados só valem se a sua relação for saudável. Do contrário, ele pode visitar extremos opostos. Afinal, antes só do que mal acompanhado.


Uma edição do jornal britânico British Medical Journal, especial Valentine’s Day - o Dia dos Namorados celebrado em fevereiro para diversas nações - constatou que sim, o casamento é o responsável pelos resultados positivos em alguns de seus participantes.

Essa crença é, na verdade, bem antiga - mas antes era difícil traçar um comparativo, pois não haviam solteiros. Hoje, com a taxa de divórcios crescente - só no Brasil , um aumento de 75% em 5 anos foi registrado - há diferentes perfis para se fazer uma média comparativa.

O estudo , guiado pelos pesquisadores John e David Gallache, da Escola de Medicina da Universidade de Cardiff, reuniu avaliações de mais de um milhão de participantes, de sete países europeus diferentes, acerca de suas saúdes. Os casados apresentaram índices positivos de longevidade: viviam cerca de 10% a 15% a mais do que os solteiros.

As principais hipóteses para esse resultado era a melhora na qualidade de vida, mais convivência familiar, menos hábitos nocivos como vício em álcool e maior suporte psicológico. Mas o estudo também revelou que aqueles que escolheram casar já apresentavam uma saúde melhor do que os demais antes mesmo do matrimônio. E isso pode ser extremamente relevante para o resultado final.


Parafraseando esse verso tão famoso dos anos 90, podemos afirmar que sim, estudos sugerem que o casamento é um forte aliado a saúde do coração.

A pesquisa realizada pela Sociedade Cardiovascular Britânica revelou que, por terem um apoio mútuo maior do que os solteiros, os casais acabam buscando um estilo de vida em comum mais saudável. Isso após analisar, ao longo de uma década inteira, quase um milhão de britânicos.

O grupo de pesquisadores responsáveis por guiar esse estudo é o mesmo que j á tinha revelado que os casados apresentam maiores chances de sobreviverem a um ataque cardíaco. Principalmente pelo fato de terem ao seu lado alguém que irá identificar qualquer alteração, prever alguma piora e prestar um rápido socorro.

Agora, eles se dedicaram a estudar o quadro cardíaco sobre uma ótica maior, e identificaram que homens e mulheres, com idades entre 50 e 70 anos e apresentando altos índices de colesterol, hipertensão ou diabetes, eram 16% mais propensos a estarem vivos ao final do estudo, que levou 14 anos para ser concluído. de estudo se eram casados.

Por fim, concluíram que apesar dos bons índices apontarem para os casados, especificamente, qualquer tipo de relação duradoura e saudável - como amizade ou familiar - pode ser de grande ajuda para comorbidades cardíacas. Afinal, como já sabemos, a vida social pode influenciar e muito na sua longevidade.


Ou, pelo menos, ajuda no processo. É o que acreditam os pesquisadores das universidades de Emory e Rutgers, ambas nos Estados Unidos. Publicado no “Journal of Health and Social Behavior”, o estudo analisou mais de 500 pacientes que tinham sido submetidos a cirurgia de emergência, e concluiu que as pessoas casadas apresentam uma maior confiança em si mesmo para enfrentar as dores do pós-operatório e estavam menos preocupadas com a operação num geral. Isso agiliza consideravelmente o processo da cura.

Além disso, em casos de cirurgia cardíaca, a pesquisa sugeriu que as pessoas casadas apresentaram três vezes mais chances de sobreviverem aos três primeiros meses após o procedimento do que as solteiras. Isso porque, além do otimismo citado no último parágrafo, há também uma maior atenção aos cuidados básicos como tomar remédios e se manter livre de episódios estressantes. Esse apoio emocional diário, por anos a fio, partindo de uma mesma pessoa, exerce mais efeitos em nós mesmos do que imaginamos!


Ela não existe! Afinal, cada casal possui suas particularidades e dinâmicas específicas, que podem ou não funcionar. Em caso de não funcionarem, é importante que sejam reavaliadas e discutidas em conjunto - mas nunca serem deixadas de lado.

Ter essa preocupação constante com o bem-estar da sua relação é, por si só, um bom indicador. E apesar de não existir uma receita de sucesso para boas relações, dicas são sempre bem-vindas. Mais do que isso: saber o que pode definir um casamento considerado saudável já é de grande valia.

A Casa do Saber, um centro de debates, cursos, palestras e disseminação do conhecimentos sociais e antropológicos, reuniu em uma live 6 fatores que podem definir a tão sonhada “felicidade conjugar”. Confira neste vídeo.

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Para Inspirar

Paula Pfeifer em "​​Eu sou uma surda que ouve"

Desmistificando a deficiência auditiva por meio de seus textos e de sua própria existência, Paula prova de que não há limitações quando se tem um objetivo.

4 de Dezembro de 2022



Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

 

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Paula Pfeifer: Eu sou surda. Só de ouvir essa frase, talvez você já se pergunte: “Como assim, surda, se ela fala tão bem?”. É que graças à medicina e à tecnologia, eu sou uma surda que ouve. Pode parecer coisa de ficção científica, mas não é. Quando as pessoas escutam as palavras “surdez” ou “surdo”, elas automaticamente associam à língua de sinais, intérprete de libras, surdos que não falam. Só que eu e milhões de pessoas no mundo inteiro somos surdos oralizados. Pessoas com algum grau de surdez que falam, que leem lábios e que usam próteses auditivas para voltar ao mundo dos sons.

[trilha sonora]

 

Geyze Diniz: Aos 6 anos de idade, a escritora Paula Pfeifer começou a perceber um ruído estranho em seu ouvido, mas só aos 16 que ela recebeu o diagnóstico que tinha surdez severa, bilateral e progressiva. Após alguns anos escondendo sua deficiência auditiva até de si mesma, foi na faculdade que ela revelou seu segredo e saiu do armário da surdez. De lá pra cá, Paula se dedica a criar conteúdo sobre surdez e tecnologia para disseminar informação de qualidade sobre o tema.

 

Ouça no final do episódio as reflexões do Historiador Leandro Karnal para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.

 

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Paula Pfeifer: Eu devia ter uns 6 anos de idade quando percebi um ruído estranho no meu ouvido. O apartamento em que a gente morava, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, tinha um corredor em formato de “S”, onde eu adorava correr. Numa tarde, eu encostei a cabeça na parede e gritei: “Mãe, tem um apito no meu ouvido!”. A minha memória mais antiga da surdez ainda é nítida, mesmo que tenha passado quase 35 anos.

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Eu lembro do olhar intrigado da minha tia-avó, toda vez que eu repetia a palavrinha mágica das pessoas que não escutam direito: “Hã?”. Pra ela, eu falava “hã?” demais. Às vezes, ela comentava com a minha mãe e a minha avó que desconfiava que eu não ouvia bem. As duas sempre retrucavam: “Imagina, que bobagem!”. Como eu tinha a voz perfeita, ouvia muita coisa e conversava normalmente, era mais fácil pensar que eu era distraída. E, nos anos 80, não havia toda essa informação facilmente disponível hoje.

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Fiz uma audiometria e a fonoaudióloga deixou claro que eu tinha uma perda auditiva, mas minha mãe não lidou bem com a notícia e disse à fono que ela estava enganada. Só posso explicar de uma forma: é a clássica negação. Quando a surdez se manifesta na infância, nem todos os pais lidam com isso da melhor maneira. Embora a surdez seja considerada uma urgência quando acomete as crianças, muitas famílias levam anos até buscar reabilitação auditiva, sem saber o quanto estão prejudicando os seus pequenos. Afinal, tudo é comunicação, e a saúde auditiva é fundamental para o nosso pleno desenvolvimento.
[trilha sonora]

Fui levada a um otorrino que disse que o canal do meu ouvido se abriria conforme eu crescesse. E que daí ficaria tudo bem porque eu passaria a ouvir melhor. A gente acreditou nesse diagnóstico médico errado, e eu fui me virando com leitura labial. Na escola, eu procurava sempre um lugar estratégico para me sentar. Na época, meu ouvido bom era o direito. Então, eu sentava na fileira lateral e encostava a cabeça na parede, pra ter uma visão panorâmica da sala de aula e “ouvir” com os olhos.

A coisa se complicou na adolescência. Conversar no telefone com as amigas e namoradinhos era um pesadelo. Eu não entendia nada do que eles diziam. Para não passar vergonha, eu pedia para quem atendesse o telefonema dizer que eu não estava em casa. 

No segundo ano do ensino médio, eu fiquei muito amiga de uma menina que era surda oralizada. Ela tinha a voz bem diferente, mas dava para entender direitinho o que ela falava. A gente conversava tanto durante a aula que os professores colocaram cada uma numa ponta da classe. Só que a gente continuava conversando, sem som, somente com leitura labial.

Um dia, um colega me perguntou: “Como é que você consegue entender o que ela fala sem som?”. Aquela pergunta me intrigou tanto, que eu cheguei em casa e falei para a minha mãe: “Até hoje aquele canal que o médico disse que ia abrir não abriu. Vamos procurar outro especialista?”. E assim nós fomos a outro otorrino. 

Eu tinha 16 anos quando finalmente recebi o diagnóstico certo. Eu nunca vou esquecer o movimento dos lábios do médico quando ele me falou: “Você tem deficiência auditiva neurossensorial, bilateral, de caráter severo e progressivo”. Como em muitos casos, a minha surdez é de causa desconhecida. Mas a causa não importava muito. O mais difícil era pensar que, em breve, eu precisaria lidar com a chegada do silêncio total. Meu mundo caiu? Não. Em vez de pensar em mim, eu pensei nos outros. 

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Como seria se alguém soubesse desse fato ao meu respeito? Como seria a reação das pessoas? Será que eu seria vítima de piadinhas e de capacitismo? Quando a minha mãe e eu saímos do consultório, ela estava com o rosto inchado de tanto chorar. Enquanto a gente esperava o elevador, eu disse a ela: “Esquece isso que ouvimos aqui. E nunca mais toque nesse assunto comigo”. Olhando para trás, eu vejo que foi uma atitude infantil de uma adolescente apavorada. A palavra “deficiência” não fazia parte do meu mundo. Em termos práticos, o diagnóstico não mudou muita coisa no meu dia a dia. Eu usei poucas vezes o aparelho auditivo caríssimo que a fono recomendou, porque eu tinha vergonha de usar e entrei para o armário da surdez, tentando esconder a minha deficiência auditiva até de mim mesma.

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Eu me formei no ensino médio e fiquei muito agoniada na hora de escolher uma profissão. Eu tinha vontade de estudar jornalismo ou direito. Mas como, se eu tinha dificuldade para ouvir e para me comunicar? Eu acabei prestando vestibular para o curso de ciências sociais, mesmo sem vocação, e a escolha estava intimamente ligada ao fato de que esse curso não requeria muita interação humana e eu poderia passar bastante tempo com a cabeça enterrada em livros.


A faculdade me tirou da minha zona de conforto. Eram novos amigos, novos professores, novas vozes e novas bocas pra decifrar. Eu ganhei fama de antipática, porque eu não respondia quando os colegas me cumprimentavam. Um dia, na aula de antropologia, a professora me chamou e eu não ouvi. Mas eu li os lábios dela dizendo pra classe inteira que eu era mal-educada. Eu chamei a professora e falei bem alto, pra todo mundo ouvir: “Eu não respondi porque eu não escutei. Eu não sou mal-educada, eu sou surda”. 

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Todo mundo me olhou com os olhos arregalados, e a professora ficou com as bochechas coradas de vergonha. No intervalo, alguns colegas vieram me dizer que se sentiam aliviados em saber que eu não era metida como eles achavam. Esse episódio é muito marcante pra mim. Foi a primeira vez que eu verbalizei alguma coisa a respeito da minha deficiência. Como eu vivia no armário da surdez desde que recebi o diagnóstico, eu achava que, se revelasse o meu segredo, as pessoas ficariam horrorizadas ou algo semelhante. E na verdade elas pouco se importaram. 

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A partir daí, eu comecei a me assumir como surda e a me interessar pelo tema. No último ano da faculdade, eu prestei um concurso público na Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul. Pela primeira vez, eu tive que lidar com a palavra “deficiente” no meu dia a dia. Eu concorri a uma vaga reservada a pessoas com deficiência, no início das cotas para PCDs em concursos públicos. Eu passei no concurso e, no primeiro dia de trabalho, um colega foi apresentar os três recém nomeados aos outros funcionários. E disse assim: “Esse aqui é o Giovano, esse aqui é o Cristiano e essa é a deficiente”. Eu nunca tinha ouvido falar na palavra capacitismo, eu nem sabia o que era isso. Mas o preconceito já estava ali, escancarado. 

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Alguns meses depois, um colega, muito observador, começou a questionar a minha teimosia em não usar aparelhos auditivos. Ele passou muito tempo insistindo, e eu lembro de um dia em que ele me disse: “Paula, não é possível que tu não te acertes com teus aparelhos auditivos. Deixa de frescura, porque até a minha tia de 80 anos se acertou com os dela e ganhou muita qualidade de vida”. Ele tinha razão. E foi assim que eu dei um basta em todas as desculpas esfarrapadas que contava pra mim mesma tentando justificar porque os meus aparelhos estavam na gaveta ao invés de estarem nos meus ouvidos.

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A partir daí, eu nunca mais deixei de usar os meus aparelhos auditivos. Sair do armário da surdez me tornou mais leve. Eu gastava muita energia fingindo que era uma pessoa que ouvia e fingindo que entendia o que as pessoas estavam falando. Uma cena clássica da surdez é ficar só sorrindo e concordando numa roda de conversa, sem ter a menor ideia do que os outros estão dizendo. Aí você concorda e reza para que não seja uma pergunta. Assumir a surdez me deu liberdade pra eu falar: “Eu não ouvi, você pode repetir?”. 

O tempo foi passando e eu fui perdendo a pouca audição que eu tinha. A surdez tem graus: leve, moderado, severo, profundo. Eu conheci e experimentei todos esses graus. E quando eu cheguei na surdez profunda, a sensação era de viver trancada num aquário. Sem aparelho, eu só escutava estouros, portas batendo, trovão alto e um zumbido constante. Eu era prisioneira do silêncio. E ainda por cima tinha o zumbido como carcereiro, o tempo todo me lembrando: “Eu tô aqui, eu tô aqui”. Eu queria muito sair daquela prisão, mas não via a menor possibilidade de como fazer isso acontecer.

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Em 2010, decidi criar o site Crônicas da Surdez e passei a escrever sobre os perrengues que eu passava no dia a dia. Era quase uma terapia, porque eu não tinha com quem conversar sobre a minha deficiência auditiva. 

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A audiência foi crescendo aos poucos cada vez mais e, a partir daí, um monte de coisas legais aconteceram, entre elas um convite pra fazer a minha primeira palestra num congresso de otorrinolaringologia, que aconteceu em Campos do Jordão. Depois da palestra, saímos com um grupo de 10 fonoaudiólogas para jantar. Apesar de ser expert em leitura labial desde pequenininha, naquele dia, ter que ler o lábio de várias pessoas num ambiente escuro e super barulhento foi impossível. Era a surdez, mais uma vez me afastando das pessoas. 

A minha mãe tirou uma foto minha dormindo na ponta da mesa. Quando ela me mostrou, eu ri, todo mundo riu. Mas eu fui pro banheiro chorar, porque essa foto me mostrava claramente que eu tinha chegado no fundo do poço. Enquanto todo mundo se divertia e conversava, eu dormia, porque não conseguia acompanhar as conversas. E foi aí que eu decidi investigar se podia fazer um implante coclear. Esse implante é um dispositivo de altíssima tecnologia indicado nos casos de surdez severa ou profunda. Eu descobri que sim, eu tinha indicação médica para fazer a cirurgia do ouvido biônico. A foto foi tirada no dia 16 de agosto de 2013. No dia 28 de setembro, eu entrava no hospital para operar o meu ouvido direito. E a partir daí, a minha vida mudou. 

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O meu sonho era poder escutar uma música e entender a letra sem leitura labial. Algumas semanas após a cirurgia, eu estava sentada em cima da minha cama, sem prestar atenção na TV, e começou a tocar a música de abertura de uma novela das 8. E era “Eu sei que vou te amar”. Quando aquela música entrou pelo meu ouvido e fez sentido, o meu corpo arrepiou inteiro. Eu estava ouvindo uma música e entendendo a letra inteirinha pela primeira vez.
Aos 31 anos, eu voltei a ouvir as vozes dos meus amores. Da minha mãe, da minha vó, do meu irmão. Eu voltei a ouvir e a controlar a minha própria voz, porque eu não tinha como saber antes se eu estava gritando ou falando baixinho. Quando eu ouvi passarinhos pela primeira vez, depois de tantos e tantos anos, foi emocionante. O dia em que eu fui até a praia para descobrir se eu tinha voltado a ouvir o mar, que eu tanto amava, e sim, eu tinha, eu não tenho nem palavras para descrever o que eu senti.

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Quando eu voltei a ouvir com o ouvido biônico, percebi que estava no trabalho errado, na cidade errada. E aí eu pensei: “Bom, agora que eu consigo fazer o que eu quiser, o que que eu quero fazer?”. A vida foi abrindo os caminhos. Por uma sucessão de coincidências, por causa do meu primeiro livro, eu conheci o meu marido, que é otorrino, especializado em surdez e em implante coclear. Um ano depois, pedi demissão, me mudei pro Rio de Janeiro, me casei e me tornei madrasta de três crianças.

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O foco do meu trabalho, desde então, é a criação de conteúdo sobre surdez e tecnologias auditivas. Criei uma comunidade que hoje tem 22 mil membros. Em 2018, venci um programa global de liderança do Facebook como residente da América Latina. Foram mais de 6.500 inscritos no mundo inteiro. Esse programa nos deu acesso a fundo de 1 milhão de dólares pra criar e executar um projeto em prol da nossa comunidade. O projeto se chamou Surdos que Ouvem e foi um sucesso. Milhões de pessoas assistiram a nossa campanha em vídeo. Milhares participaram dos nossos eventos. E incontáveis pessoas passaram a usar aparelhos auditivos ou fizeram implante coclear depois de conhecer o nosso trabalho.

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Segundo a Organização Mundial de Saúde divulgou no Relatório Mundial da Audição de 2021, há 1 bilhão e 500 milhões de pessoas com algum grau de perda auditiva hoje no mundo. A nossa missão é disseminar informação de qualidade para que todos saibam os caminhos possíveis para quem nasce com algum grau de deficiência auditiva ou para quem passa a perder a audição ao longo dos anos. A audição é o único sentido humano capaz de ser recuperado artificialmente. Reabilitação auditiva e tecnologia são sinônimo de qualidade de vida: ouvindo melhor, você para de se isolar, de sentir medo das interações sociais e se sente mais seguro para correr atrás dos seus sonhos. 

Outro tema muito importante nesse universo é a acessibilidade, que precisa ser uma luta coletiva, porque ninguém está livre de vir a ter uma deficiência em qualquer momento da vida. Hoje, todos nós temos um celular na palma da mão e consumimos muito conteúdo em vídeo. As legendas são essenciais. Há pouco tempo, o IBGE apresentou os dados da Pesquisa Nacional de Saúde, feita em 2019, e eles mostram que a maioria das pessoas com algum grau de surdez no Brasil não usa Língua de Sinais. Mas nós precisamos pensar em todas as pessoas surdas sempre, e a acessibilidade total para surdos envolve legendas e intérprete de Libras.

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Quando eu comecei a compartilhar as minhas dores e conquistas, eu entendi o poder da autoaceitação, o poder de vencer o medo na direção da mudança. E, com essa mudança, entendi que podia inspirar muitas pessoas a escutarem o barulho de dentro e mudarem as suas próprias vidas.

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Leandro Karnal: História tocante da Paula Pfeifer. Primeiro ela tem que lutar com um problema: surdez progressiva. Ela tem que descobrir até na negação da mãe do primeiro diagnóstico o que fazer diante de uma realidade, que segundo o dado que ela mesma fornece, mais de 1,5 bilhão de pessoas no mundo tem algum tipo de deficiência auditiva. Depois, o que ela mostra, que ela consegue lutar, construir sua história, fazer um concurso e enfrentar o capacitismo, o preconceito das pessoas contra alguma limitação de outra pessoa. Mas, o mais interessante da história não é só nos revelar o que todos sabemos: que o mundo é tomado de preconceitos, que as pessoas julgam a partir de modelos de perfeição. Mas que ela própria teve que superar alguns preconceitos, como a resistência dela a um aparelho e insistir em não usar um aparelho quando ela poderia e ela conseguiu melhorar a sua qualidade de vida através do uso da tecnologia. O preconceito estava no mundo e de alguma forma, ela mesma teve que trabalhar nela a questão da surdez e os desafios que isto pode representar para alguém. O que é bonito na história é que ela se transformou em uma pessoa que luta pra visibilidade, pra diminuição do preconceito, para poder não ser de novo apresentada como a deficiente do grupo, ou seja, que ela tenha identidade, que ela seja a Paula Pfeifer antes ser qualquer outra característica. Então ela conseguiu superar muitas questões, conseguiu superar muitos preconceitos externos e internos e fazer da sua característica específica uma alavanca, um foco que ajuda tanta gente no trabalho que ela faz. Parabéns, Paula.


Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.


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