Para Inspirar

Aprender para viver bem

O que a humanidade alcançou em conjunto é extraordinário. O que nos traz à pergunta: dentro de um planeta com tantas espécies, como foi que nós, seres humanos, chegamos tão longe?

23 de Abril de 2018


A neurocientista brasileira, com trabalho reconhecido mundialmente, assumiu o palco para falar sobre o funcionamento do cérebro humano. Em uma palestra dinâmica, repleta de curiosidades e vídeos bacanas, Suzana usou a ciência para emocionar e nos fez terminar o dia com um sentimento bom sobre nosso papel como humanos na Terra e em nossas próprias vidas.

BIOLOGICAMENTE, O QUE NOS TORNA TÃO ESPECIAIS?


Nós, humanos, somos responsáveis pela criação de tantas e tantas coisas que até nos acostumamos com elas. Encaramos nossas conquistas aqui no planeta como se fossem parte natural dele. Raras vezes – ou nunca – paramos para ver que quase tudo que há ao nosso redor é resultado do trabalho da teimosa, criativa e inquieta espécie humana.

Paredes, fios elétricos, arquitetura, sistemas complexos, a própria linguagem. Basta olhar ao redor. O que a humanidade alcançou em conjunto é extraordinário. O que nos traz à pergunta: dentro de um planeta com tantas espécies, como foi que nós, seres humanos, chegamos tão longe? Se somos apenas primatas, mais um animal no mundo, como foi que, cientificamente falando, conquistamos essa capacidade?

Simplificar esse raciocínio é tentador. Queremos logo imaginar que foi só uma questão decidida pela evolução. Nós, humanos, somos o ápice da evolução no planeta e ponto. Mas, na realidade, a resposta é um pouco mais complexa – e maravilhosamente curiosa – que isso.


Por muito tempo, os cientistas imaginavam que nossa diferença em relação aos outros animais se devia a algumas capacidades que acreditávamos ser só nossas, como o conceito de grandezas numéricas, o reconhecimento de padrões abstratos, o uso de símbolos como linguagem, a utilização e criação de ferramentas, a empatia e a capacidade de mentir e ludibriar.

Só que quanto mais se começou a estudar todas essas propriedades, mais se descobriu que humanos não eram os únicos aqui na Terra a possuí-las. Algumas espécies de aves, outros primatas e até ratos também possuem algumas dessas habilidades que achávamos tão humanas.

Se não temos mais esta tal exclusividade, como foi então que chegamos aqui? Os últimos estudos sobre o assunto, que envolvem pesquisas mais aprofundadas sobre o cérebro, nos mostraram que não precisamos mais pensar em termos de exclusividade, mas sim começar a nos entender através do todo, ou da combinação de dois elementos: capacidade biológica e capacidade de aprendizado.

Nossa biologia, somada à nossa capacidade de aprender e transmitir conhecimento de maneira organizada foram os dois elementos que, combinados, nos ajudaram a chegar até aqui.

CAPACIDADE BIOLÓGICA E O QUE NOSSOS NEURÔNIOS TÊM A VER COM NOSSA COZINHA


Durante muitos anos, o consenso era de que espécies cujo cérebro tinham um tamanho parecido possuíam obrigatoriamente a mesma quantidade de neurônios entre si. Porém, fomos descobrindo que em espécies mais complexas, como os primatas, a evolução aconteceu de maneira tal que a quantidade de neurônios aumentou, enquanto o tamanho do cérebro se manteve o mesmo. Isso quer dizer que não era mais o tamanho do cérebro que ditava a evolução e sim sua capacidade.

Trocando em miúdos, o que biologicamente nos distingue de todos os outros animais é o número de neurônios que temos em nosso córtex cerebral – justamente a parte de cima do cérebro, que permite que a nossa vida seja muito mais que simplesmente detectar estímulos e responder a eles.

É ali que reside a capacidade do autoconhecimento, de olhar para nós mesmos, pensar no que queremos alcançar e no porquê queremos alcançar. Resolvido: nós, seres humanos, temos o maior número de neurônios dentre todas as espécies da natureza. Claro, isso ainda não responde a questão primordial: por que nós?

Algumas pesquisas com outros primatas nos ajudam a começar a esclarecer essa questão. O que se descobriu foi que durante os milhares de anos de evolução, os outros primatas não conseguiram alcançar um cérebro mais complexo simplesmente por uma questão física: eles chegaram ao limite do que um organismo consegue sustentar em termos de energia e metabolismo.

Resumindo bastante, manter bilhões de neurônios trabalhando gasta muita caloria! Só para dar um exemplo, para conseguir manter funcionando no máximo 53 bilhões de neurônios em um corpo franzino de 25 kg, um primata com um organismo construído para a alimentação com a qual ele se sustenta normalmente deveria passar 8 horas por dia comendo.

Para ter um corpo maior que 25 kg, esse primata teria que abrir mão de neurônios, ou então passar o dia comendo, o que tornaria a sobrevivência, digamos, um tanto quanto inviável. Ao que tudo indica, o que mudou nossa história evolutiva foi o desenvolvimento de um hábito aparentemente simples: começar a cozinhar os alimentos.

Afinal, cozinhar nada mais é que pré-digerir a comida, o que facilitou nossa apropriação de calorias ao longo dos milhares de anos – com isso, nos tornamos capazes de aproveitar mais calorias em menos tempo. Ou seja, não podemos menosprezar o papel da cozinha na definição da biologia da nossa espécie.

Esta mudança de paradigma nos levou à cultura da agricultura, à civilização com divisões de tarefas, ao mercado, à invenção da eletricidade... e aos dias de hoje, em que um simples lanchinho esquentado no micro-ondas pode garantir muito mais que as calorias de que precisamos para sobreviver. Mas isso é assunto para outra conversa.

CAPACIDADE DE APRENDIZADO E O PODER DE NUNCA DEIXAR DE ABSORVER COISAS NOVAS


Agora que entendemos um pouco mais sobre nosso cérebro, fica mais fácil entender que de fato a biologia nos tornou diferentes. Mas vai além disso. Nosso cérebro, biologicamente, é o mesmo há milhares de anos. Como foi que conseguimos evoluir da carne assada na fogueira para os grandes avanços tecnológicos que vivemos hoje?

Graças à nossa capacidade de organizar processos e sistematizar o conhecimento. De desenvolver nossas próprias capacidades e transformá-las em habilidades. E esse crescimento vem acontecendo de forma exponencial, já que mais tecnologia nos dá mais tempo disponível para pensar em mais tecnologias – e assim sucessivamente, como um ciclo.

Dessa maneira, conseguimos cada vez mais nos dedicar à nossa capacidade de aprendizado, investigando sistematicamente nosso mundo, aplicando as tecnologias que criamos e passando tudo isso adiante. Nosso cérebro é muito mais que um córtex avantajado repleto de neurônios: temos, sim, essa facilidade biológica, mas temos também o poder de esculpir os neurônios que recebemos.

Quando nascemos, chegamos ao mundo com um excesso de sinapses. Somos como um bloco de mármore apto para quase tudo, mas bom para quase nada. E é com o aprendizado que vamos esculpindo esse bloco. Com o tempo, nosso cérebro mantém as conexões e neurônios que funcionam e arranca fora as conexões que não interessam.

O aprendizado nada mais é que esse processo de conexões mantidas e conexões removidas. E é a maneira como esculpimos nossos “blocos de mármore” que faz de cada um de nós indivíduos únicos. Durante toda a vida aprendemos, num eterno sistema de tentativa e erro. E nosso cérebro tem um mecanismo feito para isso: quando uma tentativa dá certo, ele nos premia com a sensação de prazer.

A partir dela, o caminho que fizemos para acertar é fortalecido e se torna cada vez mais fácil chegar nele novamente, neurologicamente falando. O fascinante é que esse sistema não funciona só quando somos bebês pequeninos aprendendo como funciona a vida. Funciona a vida inteira, o tempo todo, para tudo o que aprendemos, das tarefas mais simples às equações mais complexas.

Para aprender, é preciso ter a oportunidade de aprender. Essas oportunidades podem ser recebidas dos outros (como de pais e amigos que nos incentivam, por exemplo) ou dadas a nós mesmos. Este último caminho acontece somente quando nos damos conta do que realmente queremos para nós e nos permitimos conhecer as alternativas que a vida oferece para que sigamos aprendendo.

Depois de adultos, nossa capacidade de aprender está em nossas mãos. E vai além do aprendizado das ciências exatas ou humanas, de banco de escola. Tudo pode nos ensinar. Uma experiência, seja ela boa ou ruim, é um imenso aprendizado. O que nós fazemos com ele é que nos vai ajudar a continuar evoluindo, como pessoas, como espécie. O que faz nossa vantagem sobre as outras espécies na Terra realmente valer a pena é o poder de sermos capazes de mudar nossa vida para melhor.
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Fafá de Belém em “A voz da fé”

Na quinta temporada do Podcast Plenae - Histórias para Refletir, inspire-se com a fé generosa de Fafá de Belém

13 de Junho de 2021


Leia a transcrição completa do episódio abaixo:


[trilha sonora]

Fafá de Belém: A primeira vez que eu senti uma grande manifestação Divina foi na minha Primeira Comunhão. Eu tinha uns 9 anos. Fiz a confissão sozinha, solitária, e fui orar. Em determinado momento, era como se eu não estivesse ali. Eu me lembro perfeitamente. Essa sensação se repetiu várias vezes na minha vida. Senti isso na igrejinha onde os 3 pastorinhos de Fátima foram batizados, em Fátima, Portugal. Senti em Santiago de Compostela, na Espanha. No Círio de Nazaré, em Belém do Pará, também é assim. De repente, eu começo a chorar sem saber o porquê. Na Porciúncula, em Assis, na Itália, o choro foi tão intenso, que eu não conseguia me controlar. Morri de vergonha, porque eu urrava. Vem uma onda de frequência Divina tão alta, muito, muito, muito alta, que me arrebata. 

[trilha sonora]

Geyze Diniz: Ela nasceu como Maria de Fátima, nome em homenagem a uma promessa à Nossa Senhora de Fátima. Mas depois se tornou Fafá de Belém, em homenagem a sua terra natal, Belém do Pará. Fafá é peregrina, devota e, acima de tudo, dona de uma trajetória de fé que vai desde seus encontros com Papas, até suas conversas íntimas com Nossa Senhora de Nazaré. 

Mergulhe na emocionante trajetória de fé e espiritualidade de Fafá de Belém. Ouça, no final do episódio, as reflexões do rabino Michel Schlesinger para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se. 

[trilha sonora]

Fafá de Belém: A minha relação com a fé começa antes de eu existir. Quando o meu pai tinha 7 anos, em Portugal, na década de 30, ele teve febre tifóide. Foi desenganado pelo médico e recebeu a extrema unção. E uma tia dele muito, muito religiosa, estava voltando de Fátima e então ele fez uma promessa pra Nossa Senhora. Ele beberia a água do Santuário e se recuperaria e a primeira filha que ele tivesse seria dela. 

Eu acredito que nós temos um Deus interior muito, muito poderoso, que é a fé. Ela empurra a gente pra frente, mesmo quando todo mundo diz que não tem luz no final do túnel. Qualquer fagulha de um fósforo se apagando é luz, e luz é esperança. O meu pai criança tinha essa fagulha divina, de que ele ficaria bom bebendo a água de Nossa Senhora de Fátima, que já vinha carregada de emoção e fé. Ele se recuperou, teve 3 filhos antes de mim, meus irmãos, e eu fui obviamente dedicada à Nossa Senhora de Fátima, que me acompanha desde então. 

[trilha sonora]

A minha relação com a fé é ainda mais forte, porque eu nasci em Belém do Pará, a cidade com a maior procissão mariana do mundo: o Círio de Nazaré. O Círio acontece no segundo domingo de outubro, desde 1793. A fé do paraense é tão próxima e poderosa que, quando chega final de setembro, ela é quase palpável. A frequência de Belém muda. É como se a cidade inteira brilhasse, num estado de amor absoluto.

A relação que qualquer paraense estabelece com a fé não é do medo, nem da punição. A nossa fé é FELIZ. Nós temos uma amiga, uma companheira, uma mãezinha, uma confidente que nos ouve, pra quem nós confessamos o inconfessável, pra quem nós pedimos o que não se pode pedir pra ninguém. Ela é Nossa Senhora de Nazaré. Ela é tão próxima de nós, que ela é Naza, Nazinha, Nazarezinha, Nazoca, e até Nossa Senhora de Nazaré, pra quem não tem muita intimidade. Eu entendo também que a fé não tem nada a ver com religião. 

O primeiro Círio de Nazaré a gente acompanha no colo de alguém, vestidinho de anjo. No segundo, você vai com alguém te segurando, sentadinho numa varanda ou numa cadeirinha, vestidinho de anjo, com a sua coroa. Pelo resto da vida INTEIRA, todos nós paraenses temos um grande amor pelo Círio. Eu participei de todos, nos meus 64 anos. Quando eu não podia tá lá presencialmente, alguém me avisava pelo telefone: “Lá vem a Santa! A santa tá chegando!”. Aí eu me ajoelhava, onde quer que estivesse. Cantava o hino Vós Sois o Lírio Mimoso, rezava uma Ave Maria, agradecia à saúde, à família, aos amigos, pedia paz, pedia amor. Depois da internet, eu podia acompanhar virtualmente. Mas sempre que foi possível, eu estive lá.

A igreja católica vai à frente do Círio, claro, mas a procissão é ecumênica. Todo mundo tá lá: candomblé, umbanda, muçulmano, judeu, espírita, e até os ateus. Entre os evangélicos, a Adventista de Sétimo Dia e a Igreja Batista abrem seus templos para distribuir água e receber peregrinos ou romeiros, que precisam de um acolhimento. Todos pedem bênçãos à Nossa Senhora de Nazaré, aquele ser de luz que passeia em forma de uma imagem, pequenina, pelos rios e ruas de Belém. 

[trilha sonora]

Há 10 anos, eu organizo a Varanda de Nazaré, um espaço pra receber pessoas de outros lugares e mostrar pra elas a nossa fé alegre. Eu levo amigos, artistas, teólogos, jornalistas, intelectuais, pessoas que não necessariamente têm conexão com a espiritualidade. Eu quero que eles sintam o que é ver 2 milhões de pessoas em estado de fé, felicidade e gratidão.

O historiador Leandro Karnal escreveu que a Varanda de Nazaré foi uma das experiências mais bonitas que ele já teve. Ele, que já foi coroinha, mas é ateu, de repente rezando Salve Rainha e cantando todas as músicas religiosas, de Maria de Nazaré a Oração de São Francisco. Essa é a grande transformação do Círio. O Círio não exige nada de ninguém. Basta você estar aberto pra sentir a experiência. 

Quem vai na procissão, diurna ou noturna, não consegue andar. Tem que soltar o corpo e sentir aquela grande onda que navega pelas ruas de Belém. O corpo não pode oferecer resistência, porque quem comanda o ritmo é a procissão. Isso, por si só, já é um poder muito grande. Todas as casas, prédios chiques ou simples, barracas de feira, comércios, todos têm o cartaz do Círio. A gente ouve histórias de cura, de livramento. Relatos de milagres temos todos os dias. Eu acredito que tudo que a gente quer com muita fé e que vem do fundo da alma acontece. 

[trilha sonora]

Em 1995, eu tive um ano muito difícil. Profissionalmente foi ótimo, mas enfrentei o final de um relacionamento muito doloroso. Custei a me recuperar. E um ano depois, ainda abalada, eu estava em Portugal e fui passar uns dias na Itália com a minha filha, Mariana, uma amiga, Marluce e a filha dela, Roberta. Achei estranho, porque eu não estava conseguindo achar lugar em nenhum hotel. Mas finalmente conseguimos 2 quartos geminados, na Piazza di Spagna. Chegamos na quinta-feira e eu falei: “Meu Deus, que coisa linda tá a cidade”. E minha amiga, que é muito mais conectada do que eu, que sou muito desligada, respondeu: “Fafá, a gente tá na Páscoa! Na Itália, em Roma!”. Cara, eu estava passando por um período tão complexo, que eu nem me dei conta da data. 

No dia seguinte, sexta-feira da Paixão, fomos jantar num restaurante próximo ao Vaticano, uma trattoria que eu adoro. E na saída, ouvíamos cantos gregorianos, cânticos, e fomos atrás daquele som que vinha pelas ruas. A gente foi andando até o Vaticano e aí, nas muralhas do Vaticano, nas arcadas, havia centenas de peregrinos com violão, outros só em coral, outros só abraçados acompanhando, cantando em louvor ao Nosso Senhor Jesus Cristo. Estava uma Lua cheia, uma coisa linda, e nós voltamos pro hotel e eu fiquei com aquela imagem na cabeça. No sábado, a gente assistiu tudo pela televisão, a cidade tomada de gente e no domingo, domingo de Páscoa, eu acordei bem cedo, comecei assistir a missa pela televisão e eu disse: “Não, eu vou”. Tentei chamar a Mariana, acordar, não conseguia. Liguei pra minha amiga que também não atendia o telefone e a filha dela atendeu e disse: “Tia, eu vou com a senhora”. 

Nós saímos correndo pela Piazza di Spagna, não tinha táxi, não tinha nada que nos levasse a lugar nenhum, e aí fomos a pé até o Vaticano. E foi incrível. Era uma concentração de fé tão forte, que me arrebatou fisicamente. Parecia que eu estava trocando de pele. Eu, que sempre tive grande admiração pelo Papa João Paulo II, porque eu acredito que ele foi o primeiro, pelo menos do que eu tenha memória, a não se colocar como Deus, mas como homem, de repente, ele apareceu na janela. Foi aquela comoção, gritaria, choro. Eu desejei do fundo da minha alma um dia abraçá-lo. E falei pra Beta, filha da minha amiga: “Tudo que eu queria na vida era um dia poder abraçar esse homem”. 

[trilha sonora] Um ano depois, eu estava voltando de Angola, no dia 25 de agosto de 1997. Quando o avião aterrissou, peguei o celular e a caixa postal estava lotada. Tinha 10 mensagens de um amigo, muito amigo meu falando “Fafá, onde você tá!? O Papa quer falar contigo!” e coisas nesse tom, e eu achei que era aquela brincadeira "ninguém consegue te achar, é mais fácil falar com o Papa". Mas, a última mensagem era ele me dizendo numa voz mais séria: “Fafá, por favor, me liga assim que você pegar essa mensagem”.  Eram 7h30 da manhã, ele é uma pessoa que acorda tarde, mas eu telefonei assim mesmo. Ele falou: “Graaaaças a Deus, porque eu não aguento mais tá atrás de ti. O Vaticano quer falar contigo”. E eu: “Você tá brincando comigo, né?”. Ele falou: “Não, não estou brincando com você. E eles queriam te fazer um convite. Mas o interlocutor disse que tem que falar com você antes, porque não se pode dizer ‘não’ ao Vaticano. E o Vaticano não pode retirar um convite feito”. Aí eu pensei: “Meu Deus do céu, só falta ser uma oportunidade pra eu assistir à missa do Papa! Eu falei com tanta gente pra descolar um convite pra ver o Roberto Carlos cantar pra ele!”. Nunca podia imaginar que o convite era pra  EU cantar. Eu cantar pro Papa.  [trilha sonora] Era 25 de agosto de 1997. E do dia 25 ao dia 4 de outubro, eu não tive uma noite completa de sono. Eu acordava a meia noite angustiada e incomodei todos os meus amigos. Eu tirava o tom, voltava com o tom, achava que estava tudo errado. Era muito, era muito pra mim. Sabe, uma menina, nascida na beira do Igarapé, em Belém do Pará, que tem Nossa Senhora de Fátima como a proteção desde antes de nascer, receber um convite do Vaticano. Aquele convite significava muita coisa. O Papa, naquele momento e naquele ano, estava reconhecendo a importância da mulher. E além do mais, ele era devoto de Nossa Senhora de Fátima. Eu queria aproveitar a oportunidade pra realizar meu grande sonho e dar um abraço nele. Pedi para a organização, pedi para a Guarda Suíça, mas todo mundo dizia que não podia, não podia, não podia. Aí, no dia do evento, aconteceu um negócio muito louco. Cheguei no Maracanã e dormi até a hora que eu tinha que subir no palco pra cantar. Quando eu comecei a cantar a Ave Maria, em determinado momento, eu não via mais o Maracanã. Eu via a campanha das Diretas. Eu via o povo brasileiro. Eu via o Brasil. E no intervalo do solo da orquestra, eu desliguei completamente e quando eu voltei, eu estava abraçada com o Papa. Eu voltei a mim, abraçada com o Papa, e lembrei que não podia, eu tinha aprendido isso, eu não podia, ajoelhei e beijei o anel dele. [trilha sonora] Eu fiquei fora do ar uns 3 ou 4 dias, em estado de êxtase. Eu via a cena pela televisão e chorava e me perguntava: “Por que eu?”.  [trilha sonora] Eu sempre fui uma pessoa fora do convencional. Usava e uso decote, tenho uma filha que eu tive sem me casar, nunca fiquei militando de carola, com bandeiras, pregando a favor da castidade, ou contra não sei o quê, eu sempre fui muito privada na minha fé. Eu perguntava pra mim: por que eu? Não tinha uma resposta.

Nove anos depois, eu recebi outro convite do Vaticano, dessa vez pra cantar pra Bento 16, em Valência, na Espanha. Seria eu e a cantora lírica Montserrat Caballé. Quando o meu olhar cruzou com o do Papa Bento 16, eu fiquei fascinada. Eu vi nos olhos dele todo o mar. E mais uma vez eu perguntei: mas, por que eu? 

Levei essa dúvida pra Dom Romer, que durante muito tempo esteve ao lado do arcebispo do Rio de Janeiro, e ele me disse: “Minha filha, você foi a escolhida porque tem um discurso que é absolutamente coerente com as suas ações". Segundo ele, haviam vários nomes na mesa e o fator decisivo foi a coerência entre o que eu faço e o que eu falo, porque é isso que a Igreja precisa. 

Eu nunca imaginei que esse ponto teria sido fundamental pra minha escolha. E pra mim foi muito importante, porque eu defendo essa coerência desde que me entendo por gente. Eu cresci tendo que administrar muitos “nãos”. Saí de casa aos 17 anos. Eu nunca era a mais bonita, eu não era a menina que queria ser miss, eu não era aquela que estava atrás de um casamento, eu não era magra e vinha do Norte, um lugar completamente fora do eixo artístico convencional. E mesmo assim, eu achei o meu lugar, sem abrir mão do que eu sou e do que eu acredito.

Eu ainda cantei para um terceiro Papa! Em 2013, quando eu soube que o Papa Francisco vinha pra Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, eu me ajoelhei diante de Nossa Senhora de Fátima e disse pra ela: “Agora TEM que ser eu”. E fui escolhida novamente e tive a honra, a graça e a glória de levar o Círio de Nazaré pro Papa Francisco e para todo mundo conhecerem o que é a fé da minha terra. 

[trilha sonora]

Acho o Papa Francisco um grande ser humano. Estou lendo um livro dele, em que ele diz que a gente, quando se confessa, não é para ser punido, é pra conversar com Deus, para refletir junto com ele sobre os nossos atos. Deus não manda o pobre se ajoelhar no milho, nem o rico construir um templo pra poder perdoá-los. Quando a gente reza dez Ave Marias ou dez Pai Nossos, é porque isso vai fazer a gente refletir sobre o que nos levou a tomar uma atitude contrária à nossa natureza, ao que julgamos correto e ao que é correto. E a minha fé é assim, a minha fé é leve, intuitiva, e é puro amor. Sou Fafá de Belém, sou católica, mas a minha religião é a fé. 

[trilha sonora]

Miguel Schlesinger: Cada religião tem a sua linguagem, os seus rituais. Mas a fé, a espiritualidade, é algo que extrapola as doutrinas e as diferenças entre elas. Quando a Fafá de Belém fala sobre a presença de várias religiões no Círio de Nazaré, é sobre este elo em comum a que ela se refere. Tanto faz se o seu ritual é um pouco assim ou um pouco assado, o que importa é essa busca por um sentido da vida, é a crença em algo maior. 

Existe um conceito judaico que se chama Tikun Olam, em hebraico, a ideia se refere ao aprimoramento do Universo. Esse conceito está presente em todas as religiões. A gente tem o dever de fazer do mundo um lugar melhor. O sentido da vida está justamente em aproveitar essa nossa passagem por aqui para deixar uma marca, uma pegada, e essa pegada que a gente deixa é o aprimoramento do indivíduo, da sociedade e do mundo. 

[trilha sonora]

Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.


[trilha sonora]

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