Para Inspirar

As diferentes concepções de liberdade

De tão poética, a palavra liberdade abre margem para diferentes interpretações. Afinal, o que é liberdade para você?

11 de Março de 2022


Na sétima temporada do Podcast Plenae, conhecemos a história de Maha Mamo, ativista de direitos humanos, oradora motivacional e escritora. Apesar de ter ganhado notoriedade nos dias de hoje, ela passou 30 anos sem ter uma nacionalidade. Isso inclui, inclusive, ausência de todo ou qualquer documento que comprovasse sua existência enquanto cidadã. 


Sua luta para deixar de ser apátrida - termo que designa pessoas sem pátria - e ser reconhecida como pertencente a uma nação chegou ao fim aqui, em terras brasileiras. Maha Mamo, depois de muito procurar em outros lugares, recebeu a certidão de número “001”, a primeira apátrida a ganhar documentação no Brasil. 


A tão sonhada liberdade


“Comecei a me questionar: Quem sou eu como ser humano? Pra que eu realmente quero essa liberdade de ir e vir, de fazer o que eu quiser?”, se questiona a personagem representante do pilar Contexto. Há quem diga que não há cenário mais liberto do que o que ela se encontrava, afinal, por não ter documentação, ela era praticamente irrastreável também.


Mas, justamente pela ausência de documentos, ela era incapacitada de sequer existir, estudar, fazer tratamentos médicos. Nada, nenhuma porta aberta. Isso era ser livre então? Mas o que é liberdade afinal? 


A liberdade é uma das palavras mais inspiradoras desde que o mundo é mundo. Gregos e troianos: todos discutiam essa dádiva. Mas foi a partir de 1789, com a Revolução Francesa, que ela tornou-se ainda mais objeto de desejo, sendo adicionados à ela os termos igualdade e fraternidade.


Esse tripé, inclusive, foi fundamental na queda do Antigo Regime e na consolidação do Estado de Direito como o conhecemos hoje. Caía por terra o poder absoluto monárquico, a servidão direta no campo, a ausência de representatividade nas assembleias. E, das cinzas de um velho mundo, surgia algo que se dizia, pela primeira vez em muito tempo, livre.


Igual para todos? 


É a liberdade, porém, absoluta como os reis e rainhas que a precederam? É igual a todos os seres humanos? Ou temos, cada um de nós, nossas próprias visões do que significa ser livre? A resposta dessa pergunta tende muito mais à segunda opção quando lembramos de quantas pessoas já ficaram marcadas para sempre na filosofia, sociologia e tantos outros campos das ciências sociais ao discorrerem sobre o que significa a liberdade. 


Citando alguns exemplos, para o filósofo existencialista dinamarquês Soren Kierkegaard, a liberdade é inerente ao ser humano pois somos os únicos e diretos responsáveis pela nossa própria vida e existência. Isso resulta em um dos pontos centrais de toda sua obra: a angústia. De traçar nosso próprio caminho sem que isso seja predeterminado por uma divindade, pelo nascimento ou quaisquer circunstâncias, e todas as possibilidades que deixamos para trás ao fazermos nossas escolhas. Ou seja, para ele, ser livre é também angustiante.


A conceituação de Kierkegaard traz um ponto interessante: a ideia de uma divindade superior é diametralmente oposta à liberdade e autonomia humanas? Para Baruch Espinosa, aquele filósofo holandês que falou sobre afeto e te contamos aqui neste artigo, não necessariamente. 


Cerca de um século antes da supracitada Revolução Francesa, Espinosa foi perseguido em seu tempo pelo clero cristão por pregar diversas ideias tidas como afrontosas aos dogmas da época. Uma delas é justamente o fato de que liberdade não é apenas o livre arbítrio, mas também a proximidade do ser humano consigo mesmo.


Ou seja, a “maldade” não se dá em decorrência da escolha em se afastar do divino e nem Deus seria uma autoridade impiedosa que estaria disposto a nos punir apenas por exercermos o direito de sermos livres. Para o filósofo, isso era uma invenção do clero à época para se colocar como os verdadeiros intérpretes da Palavra e, assim, ser uma casta com direitos especiais. Enquanto a liberdade, em suma, existe em cada pessoa como o poder simultâneo da mente e do corpo.


Religião e liberdade 


A resposta pode, como tudo, variar de acordo com interpretações. A tradição judaico-cristã conta a antiga história de Adão e Eva e o Pecado Original e ela, por si só, é sobre escolhas e a liberdade que temos de fazê-las. Para a Revista Gama, Ruben Sternschein, rabino e doutor em filosofia judaica pela USP, “nossa liberdade está pré-determinada pela genética, por um contexto social e pela história de cada um. Mas, dentro de tudo isso, temos várias maneiras de sermos nós mesmos. Esta é nossa liberdade”. 


A alegoria de Adão e Eva mostra que a liberdade não é absoluta. Ela traz consequências, que devem ser analisadas e encaradas por quem faz tais escolhas. De novo, retorna-se a Kierkegaard e a angústia que isso pode trazer. Mas, num contexto social, parece óbvio que a liberdade de uma pessoa vai até onde começa a de outra e assim sucessivamente.


Liberdades em tempos atuais


Parece óbvio, mas ultimamente não tem sido tão claro assim. Principalmente quando se fala em liberdade de expressão. Muito se tem usado esse jargão, algo muito importante em contextos reais de censura e tirania para justificar a propagação de discursos de ódio. A liberdade de expressão hoje em dia, aqui, é garantida. Mas ela nunca significou isenção de consequências pelo que se fala.


Ainda assim, hoje em dia, em pleno século 21, as pessoas podem ter seus direitos fundamentais cerceados de fato, e não apenas usar isso como muleta para fingir uma perseguição que nada mais é do que a consequência pela propagação de discursos de ódio. 


Ela é, inclusive, garantida pela nossa Constituição, mais especificamente no Artigo 5º, que diz: é livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato”. Já no art. 220, é vedada “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”


Para o pastor Henrique Vieira, também em entrevista à Revista Gama, não existe liberdade efetiva com a desigualdade social que vivemos no Brasil. “Ela tem que ser fruto de uma libertação que seja econômica, política e cultural, promovida coletivamente.” 


É, novamente, o caso de Maha Mamo, a refugiada libanesa que veio ao Brasil como apátrida e participante da sétima temporada do Podcast Plenae. Maha nasceu e cresceu no Líbano onde, de acordo com as leis locais, só se consegue a cidadania do país caso seu pai seja libanês. Como ele não era, ela foi considerada apátrida e teve sua existência ignorada, pois não conseguia documentos e, por extensão, não tinha muitos direitos básicos.


Aqui no Brasil, pela primeira vez, conquistaram o direito à existência só por terem ganhado documentos como o CPF. Isso representa, na prática, a liberdade de existir nos tempos atuais. De ser vista e reconhecida como um ser humano. Diferentes contextos históricos, sociais, geográficos - tudo isso influencia a visão que temos desse ideal inspirador que é a liberdade. 


O respeito, porém, deve andar sempre de mãos dadas com ela, lembrando sempre que o outro tem o mesmo direito a ser livre. Só assim ela, de fato, abre as asas sobre nós.

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Ellen Langer e a ilusão do controle

Por que nos damos melhor quando acreditamos ter o controle da situação? Confira entrevista com a professora de Harvard, Ellen Langer

30 de Setembro de 2020


O que diferencia uma ilusão de uma crença? Para a ciência - ou melhor, para uma cientista em especial - “a palavra ilusão significa que as expectativas das pessoas são melhores do que a realidade realmente sugere a eles”. Já a crença, por sua vez, é algo natural, que se manifesta de forma genuína no sujeito.

Essa cientista é a professora de psicologia na Universidade de Harvard, Ellen Langer. A pesquisadora, que participou do evento Plenae em 2018 para falar sobre mindfulness e o poder da possibilidade de retardar o envelheciment o, volta a falar com nosso portal, dessa vez sobre o seu principal objeto de estudo há mais de 40 anos: a ilusão do controle e o seu poder sobre a nossa vida.

Eu acredito, então eu posso

De forma objetiva, a ilusão de controle é a ideia de que o ser humano acredita poder controlar uma série de eventos em sua vida, sejam eles dependente de alguma habilidade específica que pode ser aprimorada - como ir bem em uma prova depois de muito estudar, por exemplo - ou eventos que dependam de sorte, como a loteria.

A supersticiosidade simples de jogar sempre os mesmos números em jogos de azar é uma prova dessa teoria. Você não muda nem um único dígito, pois acredita que suas chances de ganhar serão maiores se manter a sua tradição - ainda que isso não seja realmente uma verdade.

O caso é que, internamente, nós não sabemos se temos mesmo esse controle em mãos, portanto, não estamos iludidos. Mas algo em você acredita ter esse controle, portanto, de alguns anos para cá, Ellen parou de pesquisar a ilusão do controle, e passou a estudar a crença do controle.


Ilusão X Crença

Imagine, novamente, um cenário de um jogo de azar. Há fatores envolvidos que não dependem do jogador, mas sim, da sorte - como jogar os dados. Mas esse jogador realmente acredita que, depois de tantos jogos, ele está aprimorando sua técnica em simplesmente arremessar as duas preciosas peças.

Ele não se ilude, pois não sabe de fato se está melhorando ou não. Mas ele acredita estar e aposta todas as suas fichas nessa crença. “Se você pensa que eu não tenho o controle, e eu penso ter o controle, você pensa que eu tenho uma ilusão, mas o que eu tenho é uma crença” explica a professora.

Eu posso me iludir achando que ganharei no carteado hoje porque os ventos que sopram estão à favor, mesmo internamente não tendo certeza disso. Mas se eu realmente acreditar que ganharei no carteado, eu moverei montanhas para que isso aconteça, praticarei noite adentro e enxergarei formas de atingir isso.

Esse é o grande divisor de águas entre a ilusão e a crença: quando se acredita ter o controle sobre algo, o sujeito se torna mais lúcido, organizado e empenhado. Basicamente, ele se torna mindful , ou seja, presente no momento, atento ativamente a si e aos que o cercam.

“Quando você acredita ter o controle, você faz escolhas, e quando você faz escolhas, você presta atenção a diferentes aspectos das suas alternativas. Você acaba captando mais informação, vê coisas que outras pessoas não veem e acaba ganhando alguma vantagem sobre oportunidades que os outros nem mesmo perceberam. Isso é o mindfulness na prática” diz a pesquisadora.


Os benefícios em acreditar

Para Ellen, acreditar que temos o controle sobre as situações é algo absolutamente positivo. “Quando você acredita ter controle, você está mais propenso a tomar atitudes e fica menos estressado. Você não precisa necessariamente ter o controle, mas o exercício de acreditar faz você se sentir bem” explica.

“Em situações onde você acredita não ter nenhum controle - tendo ou não, de fato - você fica estressado, você passa o seu tempo não tomando nenhuma atitude ou fazendo algo que seja bom para você” diz. E isso foi comprovado em alguns experimentos realizados por Ellen e seu grupo de pesquisadores: as pessoas que acreditavam ter controle, se encontravam em um lugar físico e psicológico melhor ao final.

O mesmo serve para a longevidade. Se o sujeito acreditar que possui algum controle sobre sua capacidade de chegar longe, logo, ele tomará as medidas necessárias para isso. “Se você acredita possuir algum controle sobre o seu próprio mundo, então você realmente toma atitudes por ele, sendo mais seletivo e cuidadoso. Agora se você acredita que não, nenhuma de suas ações fará diferença, então você não estará muito propenso a fazer coisas que irão resultar em uma vida longa” explica.

O mesmo se emprega na pandemia. “Se você ficar sentado três dias seguidos, preocupado em pegar o vírus, você pode imaginar todos os efeitos negativos que irá acarretar em vários aspectos da sua vida. Se no lugar disso, você fizer as coisas certas, como o distanciamento social ou usar máscaras, você presume que não irá ser infectado, e consegue tomar ações efetivas” diz Ellen.

“A verdade é que, nós não sabemos qual dos dois grupos de pessoas realmente irão se infectar. Mas aqueles que tomam alguma atitude, por sentir que possuem algum controle sobre isso, estão vivendo uma vida melhor durante a pandemia” conclui.

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