Para Inspirar

Daniela Mercury em "O amor que mudou o mundo"

Na sexta temporada do Podcast Plenae, Daniela Mercury conta como ser verdadeira com seus sentimentos pode ser transformador.

5 de Setembro de 2021


Leia a transcrição completa do episódio abaixo:


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Daniela Mercury: Era 2013 e nenhum artista até então havia anunciado publicamente seu casamento com alguém do mesmo sexo da forma como fizemos. O meu amor por Malu foi capa de várias revistas importantes do Brasil. O nosso casamento virou notícia no Jornal Nacional e se tornou um tema político.

Nossas entrevistas deram oxigênio pra discussão da causa LGBTQIA+ no Brasil e em outros países. Ativistas e ONGs de direitos humanos reforçam constantemente que o nosso testemunho inspirou muita gente a falar sobre sua orientação sexual e identidade de gênero e a lutar por seu direito de amar. 


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Geyze Diniz: Sua vida vive sob os holofotes há mais de três décadas, mas foi em 2013 que mesmo acostumada com a grande exposição midiática, a cantora Daniela Mercury deu luz a um tema importante que mexeria com sua vida e privacidade: a homofobia. Daniela anunciou seu relacionamento com a jornalista Malu Verçosa e, mesmo sabendo do grande preconceito que relacionamentos homoafetivos sofrem, agarrou com unhas e dentes a luta por respeito e amor que qualquer relacionamento deve ter.

Conheça a história de entrega e amor de Daniela Mercury. Ouça no final do episódio as reflexões da psicanalista Vera Iaconelli para lhe ajudar a se conectar com a história e com o momento presente. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.


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Daniela Mercury: Eu conhecia Malu há mais de cinco anos. Ela é jornalista e trabalhava na área cultural. O nosso caminho já havia se cruzado algumas vezes, sempre de forma rápida. Um dia a gente participou de um evento, em Salvador, e no final, por coincidência, nós nos sentamos lado a lado numa mesa de umas 20 pessoas, num restaurante. Na época, eu morava em São Paulo e contei a Malu que eu estava com muita dificuldade de ficar longe da Bahia. Apesar de amar São Paulo, eu sentia muita falta da minha família e da energia do mar que me ajuda a compor.

Malu tinha vivido oito anos em São Paulo e ficou muito sensibilizada. 
O cuidado dela acendeu alguma coisa em mim. Porque normalmente as pessoas não se preocupam com os artistas. Olham pra gente, como se a nossa vida fosse perfeita, sem problemas, o que obviamente não é verdade. É difícil saber em que momento nasce a paixão. O que eu sei é que, daquele dia em diante, o rosto e as palavras de Malu nunca mais saíram da minha cabeça.


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Por muito tempo não nos encontramos, nem nos vimos. Mas eu pensava nela com frequência, sem entender o porquê. Meses depois, quando voltei a morar em Salvador, tentei falar com ela. Mandei algumas mensagens só pra conversar. E nossa amizade se aprofundou.  Até que percebi que o que sentia por ela, era mais do que amizade. Então mandei uma poesia para ela e sutilmente tentei descobrir se havia reciprocidade. Ela silenciou. E eu também. Até que não resisti e então mandei mais um poema, dessa vez, de Mia Couto que dizia: “E todo silêncio é música em estado de gravidez “e ela respondeu: “então eu vou parir uma orquestra.”


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Eu vinha de dois casamentos e me questionei: “Será que é isso mesmo? Faz sentido ficar com ela e viver essa revolução?" Sou movida por desafios, sou artista desde menina e tenho uma mente muito aberta, sempre fui livre sexualmente e tive coragem de fazer mudanças radicais em minha carreira. 


Decidi ser bailarina profissional aos 10 anos de idade. Aos 15, comecei a cantar em barzinhos e trios elétricos. Com 17 anos fazia teatro. Entrei na faculdade de dança aos 18. Um ano depois, me casei. Aos 20, tive meu primeiro filho. Aos 21, minha primeira menina chegou. Sou precursora de um gênero musical, o Axé, criei um novo circuito oficial no carnaval de Salvador, coloquei música eletrônica e música erudita em cima do trio elétrico. Faço parte do início do carnaval de rua de São Paulo, investi numa carreira internacional.

A minha trajetória artística tinha me dado largueza de espírito para experimentar o novo. E namorar Malu era me entregar ao desconhecido e a surpresa. 
As conversas da gente aumentaram e, conforme o tempo passava, eu me encantava cada vez mais pela sua altivez, inteligência, personalidade forte e beleza. E me encantei ainda mais quando descobri que tínhamos visões de mundo parecidas, os mesmos valores humanos e muitos sonhos em comum. 

 

Paixão é um sentimento agudo e fascinante. Quando acontece, incendeia a gente por dentro, é um rebuliço, um tumulto. A paixão é deliciosamente perigosa. Sem ela a vida fica chata e burocrática. Eu sou inconsequente. Quando a paixão vem, eu me jogo.

 

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Com Malu conheci uma relação de igual pra igual, de mulheres fortes e independentes que sabem o que querem. 


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Somos duas leoninas bem sucedidas em suas profissões, que sempre foram protagonistas de sua própria história. Em poucos meses de namoro, eu e Malu decidimos trocar alianças. Foi em Paris, num dia lindo de primavera, com céu azul, sol e frio. Eu queria uma aliança bem básica, igual à dos meus pais. Procuramos uma joalheria na Galeria Lafayette e o vendedor só percebeu que a gente era um casal quando nós duas estendemos as mãos pra medir os anéis.

Ele pareceu um pouco surpreso, mas sorriu e atendeu a gente com gentileza. Ali, eu me dei conta de que até na França, onde os direitos civis são mais avançados, casais de mulheres ainda causam alguma surpresa. Saímos da loja com as alianças, saltitando como duas adolescentes apaixonadas e eufóricas, de mãos dadas. Passeamos de bicicleta e fomos a duas igrejas, a basílica de Sacré Coeur e a igreja de Sant Madeleine. Trocar alianças foi uma maneira simbólica e romântica de celebrar nossa união.


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Da França, fomos a Portugal, onde eu tinha shows agendados no Coliseu de Lisboa. Eu ia ter que falar com a imprensa e disse a Malu: “Acho que vai ser necessário anunciar a nossa relação. Eu sou uma artista tão conhecida aqui, quanto no Brasil”.


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Não foi uma decisão simples, porque nós tínhamos pouco tempo juntas. Eu nunca gostei de falar sobre minha vida pessoal, prefiro dar entrevistas sobre o meu trabalho. Mas não dava pra esconder. Além do mais, anunciar o nosso casamento não era só comunicar o amor entre duas pessoas. Era um ato contra o preconceito. A gente imaginava que a repercussão seria enorme e que as nossas vidas seriam devassadas, mas a gente não imaginava como o assunto ia ser tratado. E essa era a nossa maior preocupação.


Era também a preocupação com as nossas famílias. A minha mãe é uma intelectual, assistente social, meu pai é muito culto e tem a cabeça e o coração abertos. Os pais de Malu e irmãos também. Mas tínhamos que avisar a eles que íamos tornar público o nosso relacionamento.

 

Meus filhos receberam a notícia muito bem também. Sempre me preocupei sobre como a fama impacta em meus filhos, como eles podem lidar com isso e serem felizes, e a partir do momento em que anunciasse minha relação com Malu, a repercussão seria enorme e eles provavelmente seriam questionados e teriam que se manifestar sobre o assunto.

 

Eu e Malu passamos uma noite, praticamente em claro, conversando como fazer esse anúncio. Decidimos publicar um post no meu perfil do Instagram, que em 2013 não era uma rede social tão grande como hoje. Foi no dia 3 de abril. Fizemos uma montagem de fotos e um texto com um tom firme, natural e alegre. Na legenda do post eu dizia: “Malu agora é minha esposa, minha família, minha inspiração pra cantar”.


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A repercussão foi bombástica e muito mais consistente e positiva do que poderíamos imaginar. Como artista, eu já fazia parte da família brasileira. Quando anunciei que estava apaixonada por Malu, o tema das relações homoafetivas entrou nas casas das pessoas. Foi uma vitória enorme pra nós e pra causa LGBTQIA+.


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Nesses 9 anos de dedicação mais profunda à causa LGBTQIA+, eu compreendi melhor como a invisibilidade social e o discurso de ódio desumanizam os grupos minoritários. A sexualidade envolve todos os aspectos da vida de todas as pessoas. Para confrontar o preconceito é necessário fomentar debates com a família, com a escola, com o Estado, com a sociedade e questionar as relações de poder, para então buscar uma nova forma de lidar com as questões de gênero. 


Vivemos tempos obscuros no Brasil. O autoritarismo voltou a nos assombrar e fragiliza nossas conquistas democráticas. Vemos tentativas de silenciamento e censura. Há uma guerra cultural contra os artistas, jornalistas, LGBTs, líderes indígenas, cientistas, ONGs e ativistas de direitos humanos. A nossa democracia está em risco. A pandemia de coronavírus já matou milhares de brasileiros e desde o início da pandemia o governo federal descumpre a obrigação de elaborar e executar, de modo eficiente, um programa nacional contra a COVID-19. 


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Felizmente, em contraponto a tudo isso, há um crescente engajamento social. A sociedade civil, os artistas, a imprensa e as ONGs de direitos humanos têm denunciado e repudiado as atitudes antidemocráticas. Os jovens lutam cada vez mais contra o racismo, o machismo, a LGBTFOBIA e contra a destruição do meio ambiente. Mas, nesse contexto político, está muito difícil avançar. A paz e o desenvolvimento só serão alcançados através da educação, da justiça social, da distribuição de renda, do reconhecimento, da igualdade e da liberdade.

Não há crescimento sustentável sem respeito aos direitos humanos. E essas lutas são de todos os brasileiros. 
Trabalho por uma sociedade inclusiva, que valorize a diversidade de todas as formas. De gênero, étnica, racial, econômica, política, cultural, de crenças, de origem e outras. E a educação é a principal ferramenta para atingirmos esse objetivo.

Aprender a conviver com as diferenças ensina a gente a amar os diferentes. Além do meu trabalho com a UNICEF, atuo como conselheira da sociedade civil no Observatório de Direitos Humanos, do CNJ. Eu e Malu somos embaixadoras da igualdade da ONU e lançamos, em Nova York, a primeira campanha mundial, da organização, contra a homofobia e a transfobia.


As nossas três filhas, Márcia, Alice e Bela e meus filhos mais velhos Gabriel e Giovana também são militantes da causa LGBTQIA+. As nossas meninas são o maior símbolo do nosso amor. Nós também escrevemos um livro com a nossa história de amor e damos palestras e entrevistas. Malu sempre fala que "o nosso amor é maior que nós.” 


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A minha arte é um poderoso instrumento de luta e transformação. Desde que estamos juntas, fiz várias músicas pra Malu, “Maria Casaria”, com o texto do primeiro poema que escrevi para ela. "Oh Maria, oh Maria, oh Maria, oh Maria, oh Maria, casaria". “Sem Argumento”, que é o meu pedido de casamento pra ela. "Duas Leoas" que cantamos juntas e tem um lindo videoclipe com a participação das nossas filhas. E “Rainha do Axé”: "Eu e ela, eu e ela, eu e ela, ela e eu, Malu e eu". Repetimos uma foto icônica de John Lennon e Yoko Ono na cama para a capa do meu álbum Vinil Virtual.

E, para afrontar com amor, fizemos uma cerimônia de casamento em cima do trio elétrico, no carnaval. "Tá proibido o carnaval, nesse país tropical. Abra a porta desse armário que não tem censura pra me segurar"
. O hit "Proibido o Carnaval" que eu gravei com Caetano se tornou um novo hino contra a LGBTfobia e a censura. Gerou até reações do presidente da república.

No ano passado lancei minha versão de “Toda Forma de Amor”, de Lulu Santos, com os versos no feminino. "Eu sou sua esposa e você é minha mulher." 
Viver livremente minha relação com Malu mudou a realidade de muitas pessoas. Houve avanços relevantes na legislação do casamento civil e da criminalização da homotransfobia. São conquistas jurídicas importantíssimas

 

Nós duas abrimos mão de muitas coisas para nos dedicar à militância (LGBTQIA+).E estou muito feliz. Estava a nosso critério abraçar essa causa ou não. Mas a gente decidiu fazer isso, porque mudar o mundo faz parte do nosso encantamento uma pela outra. Hoje nós temos certeza que o nosso amor mudou o mundo.


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Vera Iaconelli: O depoimento da Daniela Mercury traz pra gente a confirmação de um fato muitas vezes esquecido. O amor é um ato político, o amor, ele faz parte do que é legítimo e do que é interditado na polis. Existem as pessoas que têm direito a amar, e as que não têm. Na hora que a Daniela descobre em si mesma o desejo pela Malu e reconhece que é recíproco, ela poderia ter deixado isso como um assunto de foro íntimo e pessoal só tendo efeitos ali, na família.

Mas, na hora que ela resolve levantar essa bandeira publicamente pra legitimar o amor entre duas mulheres, ela dá um passo a mais e repercute a escolha dela para enfrentar preconceitos, mas também criar um espaço onde outros sujeitos, que às vezes não admitem para si mesmos, possam se sentir representados e também pra que outros sujeitos possam ser mais tolerantes com filhos, irmãos amigas, ex-esposas que se descubram desejando pessoas do mesmo gênero, sejam homens ou sejam mulheres.

Então, a Daniela pega essa expressão social, cultural, artística, toda essa admiração que as pessoas já tinham por ela e transforma isso em uma munição em favor do amor. Então, eu acho que a grande importância do gesto dela é que ela pode se fazer ouvir no mundo e cada um de nós, seja onde você tiver, também tem esta ação, representando a si mesmo e aos demais e com isso, abrindo portas pra quem vier. Nem todo mundo tem  essa expressão pública que a Daniela e a Malu tem, mas todo mundo ali no seu mundo pode, não reproduzindo violência e preconceitos, agir em favor do amor, lá no seu espaço, no seu trabalho, na sua vida particular. 


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Geyze Diniz:
Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.

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Perder a fé pode afetar a saúde do seu cérebro

Perder a fé em um poder superior pode ser uma das experiências mais profundas da vida.

15 de Março de 2019


Perder a fé em um poder superior pode ser uma das experiências mais profundas da vida. Dependendo de quão forte essa fé era originalmente, ou quão central era para o seu senso de identidade ou comunidade, a tendência para o ateísmo pode destruir as convicções e os sistemas sociais que dão sentido e segurança à sua existência. Pesquisas sugerem, no entanto, que a perda da fé em poderes superiores também pode ter efeitos muito tangíveis na forma como o cérebro funciona e na saúde física. Neurologicamente, os fiéis e ateus, explica Jeff Anderson, neurocientista da Universidade de Utah, “têm a mesma arquitetura e processam informações de maneiras muito semelhantes”. Diversos estudos, no entanto, sugeriram que a fé em um poder superior e a experiência de estados transcendentais estão associados a menos atividade em áreas do cérebro associadas ao pensamento analítico e mais em áreas associadas ao pensamento intuitivo e empático. "Não está claro se ser mais ou menos crítico-analítico é melhor ou pior", aponta Andrew Newberg, neurocientista do Hospital Universitário Thomas Jefferson e pioneiro em neuroteologia, o estudo das ligações entre experiências religiosas e o cérebro. “Como todas as coisas na vida, essas são diferenças que funcionam melhor para diferentes tipos de pessoas” e em diferentes tipos de situações. Perder a fé em um poder espiritual maior não necessariamente leva a uma diminuição da atividade nas partes intuitiva e empática de nossos cérebros. Algumas pessoas podem apenas redirecionar esses circuitos cerebrais para uma crença menos espiritual, mas ainda abstrato, como o conceito de justiça. Independentemente do efeito exato que a falta de crença tem em nossa atividade neurológica e processos de pensamento resultantes, muitas evidências sugerem que “ter algum tipo de crença espiritual está associado a ser mais psicologicamente ajustado e ser fisicamente mais saudável”, segundo Anthony Jack, do Laboratório de Cérebro, Mente e Consciência da Universidade Case Western Reserve . Alguns estudos apontam, por exemplo, que os crentes têm, em média, pressão arterial mais baixa do que seus pares não religiosos, além de melhores resultados quando atingidos por câncer, doenças cardíacas, artrite reumatoide e depressão. Eles vivem até sete anos a mais e relatam menos ansiedade, depressão e estresse do que os ateus. Alguns benefícios da religião provavelmente se devem à ampla rede social de apoio oferecida pelas igrejas, assim como à prática da oração e da meditação. Outros benefícios, sugere Jack, provavelmente derivam do poder da crença em algo superior por si só dar um sentido ao mundo e propósito à vida. O pensamento analítico totalmente naturalista, argumenta ele, “é inadequado para encontrar significado ou propósito, ou coisas que nos motivem ou nos conectem com as pessoas” da mesma forma como faz o pensamento abstrato. Leia o artigo completo aqui . Fonte: Mark Hay Síntese: Equipe Plenae

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