Para Inspirar
Matéria-prima natural, ela é benéfica para diferentes fins - como é o caso da Olívia, filha do chef Henrique Fogaça -, mas segue enfrentando preconceitos culturais
3 de Junho de 2022
No terceiro episódio da oitava temporada do Podcast Plenae, conhecemos o lado paterno do renomado chef Henrique Fogaça. Representando o pilar Relações, ele contou a história de sua filha, Olívia, que aos 14 anos segue sem ter sua síndrome diagnosticada.
Sua condição a inibe de levar uma vida típica, como andar ou até mesmo falar. A adolescente, filha de um cozinheiro premiado, se alimenta por sonda e passa grande parte dos seus dias em uma cadeira de rodas.
O que ela não poderia imaginar é que seu pai, Fogaça, seria incansável em busca de melhorar sua qualidade de vida. E em uma dessas buscas, ele se deparou com o canabidiol, substância natural amplamente estudada, mas que ainda enfrenta grande preconceito cultural no Brasil e no mundo.
“A conhecida maconha e haxixe são todos produtos feitos a partir da planta cannabis sativa. Essa planta contém mais de 500 produtos químicos. Desses, mais de 100 apresentam uma estrutura similar, chamadas de canabinoides. O canabidiol é um desses canabinóides, mas ele não é o responsável pelos efeitos conhecidos da maconha, não produz barato ou dependência química. Isso quem produz é o THC, outra substância e que pode ser isolada”, explica Francisco Silveira Guimarães, médico e professor de farmacologia na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, que pertence à USP.
Seus caminhos foram levados aos estudos da cannabis há mais de 30 anos. “Foi basicamente devido ao meu orientador de doutorado, Antonio Zuardi, um dos grandes pesquisadores dessa área e hoje já premiado. Ele que implementou essa linha de pesquisa aqui e criou um grupo de outros psiquiatras no Hospital das Clínicas. Quem o incentivou foi Elisardo Carlini, falecido recentemente, e que foi o grande pioneiro dessa área de pesquisa em canabinóides aqui no Brasil”, resume.
O Brasil é referência na pesquisa da substância. A USP ocupa o primeiro lugar como a instituição que mais publicou artigos sobre o canabidiol no mundo de 1940 até 2019, segundo o estudo Global Trends in Cannabis and Cannabidiol Research, publicado em 2020 na revista Current Pharmaceutical Biotechnology.
"Existem no momento, em várias partes no mundo, várias preparações contendo canabidiol, em alguns países são vendidos até como suplementos alimentares. As quantidades são bastante variadas, isso é até um pouco preocupante porque os estudos mostram que em mais de 30% dos casos aquelas quantidades que estão descritas nos rótulos não são reais. Por outro lado, ele também é muito usado como medicamento, inclusive aqui no Brasil. Aí é muito melhor classificado, você pode comprar ele puro, ou em spray, e em formatos que contém metade canabidiol e metade THC.
Para quê usar?
Antes de definir essa pergunta, é preciso entender o processo de um estudo e os níveis de evidência. O primeiro estágio é chamado de cultura de célula, seguido pelo estágio pré-clínicas, quando ainda não começou a ser testado em seres humanos. Depois, há os primeiros estudos nos seres humanos (inicialmente chamado de estudos abertos, onde não tem um controle), e depois finalmente os ensaios clínicos, que são estudos grandes, com controle.
Nessa última etapa, os participantes não recebem a substância, chamado de “duplo cego”, ou seja, a pessoa pode receber a substância estudada ou um placebo - qualquer substância ou tratamento inerte (ou seja, que não apresenta interação com o organismo) empregado como se fosse ativo. Nem a pessoa e nem o avaliador, no caso um médico, sabem. Esse último estágio é chamado padrão ouro, que vai realmente cravar se aquele tratamento ou substância possuem efetividade.
“No momento, esse padrão ouro só foi atingido para o tratamento de crianças com epilepsia de difícil controle, em síndromes mais raras, ou então combinado com o THC no tratamento sintomático da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Agora, do ponto de vista pré-clínico, o canabidiol tem um potencial enorme, principalmente do ponto de vista psiquiátrico e neurológico e até para câncer. Já temos evidências de muitos outros usos, por exemplo, para ansiedade e Síndrome de Burnout. Até mesmo Parkinson, insônia e dores crônicas também já apresentaram evidências”, conta o pesquisador.
É o caso de Olívia, filha de Henrique Fogaça, mencionado no começo deste artigo. Graças às pesquisas do pai e da luta para conseguir informação e acesso, ele passou a medicá-la e viu efeitos incríveis. Hoje, ela já consegue sorrir, olhar nos olhos, dar seus primeiros passos com a ajuda de uma prótese e, para a alegria do chefe, comer papinhas eventuais feitas, claro, por ele.
“Nas primeiras pesquisas feitas com a substância em ratos, observou-se que ele oferecia o mesmo efeito que ansiolíticos já conhecidos no mercado, como o Diazepam, ou Valium no nome comercial. A diferença principal é que ele não produz tanta sedação quanto esses remédios tarjados”, explicou o mesmo pesquisador, mas ao podcast da Revista Gama.
Assim como qualquer outro fármaco, ele oferece algum efeito adverso, que no caso, ainda vem sendo estudado. Novamente: isso vale para qualquer remédio. O que intriga os pesquisadores é justamente a baixa quantidade de efeitos adversos em comparação com o grande poder terapêutico do canabidiol. “A pessoa usar ao seu bel prazer não é uma coisa que seja recomendado pra nada”, pontua.
Em termos de inovação e modernidade, as áreas que estão mais avançadas em termos terapêuticos e caminhando para se tornarem padrão ouro, segundo Francisco, são no tratamento do estresse e da dor crônica. “E sabemos que o canabidiol oferece um efeito neuroprotetor que talvez possa ser útil em transtornos neurodegenerativos a longo prazo, como Alzheimer, Parkinson e até autismo, que não é neurodegenerativo, mas pode se beneficiar. Isso traz esperança, nós conseguimos entender que talvez seja possível desenvolver outros medicamentos a partir dele”.
A cannabis e a sociedade
Para que seja possível avançar nos estudos, é preciso investimento e autorizações. Segundo a revista Exame, que trouxe dados da consultoria especializada BDSA, o mercado global de cannabis legal atingiu o patamar de vendas de 21,3 bilhões de dólares em 2020, o que representa um crescimento de 48% em relação ao ano anterior. A estimativa agora é de um aumento de cerca de 17% ao ano até 2026, levando o faturamento a 55,9 bilhões de dólares em cinco anos.
A reportagem ainda conta que, em um relatório recém-lançado, Gabriel Casonato, analista do BTG Pactual digital, explica que se considerarmos que o avanço na regulação e legalização da cannabis para fins medicinais ou recreativos deve avançar em países como Israel e Alemanha, a cifra prevista para os próximos anos beira os 100 bilhões de dólares. O montante é superior ao movimentado pela indústria de refrigerantes nos Estados Unidos ou de cervejas no Canadá.
Economicamente falando, o destaque vai para o uso terapêutico, mas a cannabis ainda pode ser usada na indústria têxtil, alimentar, recreativa e até automotiva.
Por aqui, demos um passo importante em 2019 com a liberação pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) da venda de produtos à base de cannabis em farmácias.
Porém, os preços ainda são altos, o cultivo e a manipulação da substância no país seguem proibidos, e a compra dos fármacos só pode ser feita com a apresentação de uma prescrição médica. Um dos grandes entraves que o tema encontra não só aqui no Brasil, como em muitos lugares do mundo, é o preconceito.
“Isso é uma ignorância geral sobre o que é a maconha, ela foi muitas vezes vendida como uma droga do inferno pela sociedade. Por outro lado, a juventude a enxerga como uma droga leve que não produz efeitos adversos, e isso também é ruim, pois ignora seus efeitos adversos. Mas já está muito melhor do que era há uns anos”, comenta Francisco.
Para sanar esse problema, é preciso esclarecimento à população. Campanhas potentes, como a do antifumo no começo dos anos 2000, pode ser uma solução importante na visão de Francisco. Mas, para que isso aconteça, é preciso que as entidades governamentais estejam comprometidas e determinadas a olhar para o tema com a seriedade que ele demanda. Muitas coisas boas podem vir a partir disso.
Para Inspirar
Inspirados no episódio de Mariana Kupfer, investigamos a maternidade solo opcional no Brasil, seus números e os propósitos dessas mães
7 de Outubro de 2020
Quando se fala em maternidade solo, tristes imagens povoam o nosso imaginário. Isso porque, segundo levantamento do IBGE, mais de 80% das crianças brasileiras têm uma mulher como principal responsável - e 5,5 milhões delas não têm o nome do pai no registro de nascimento. Essa realidade tão difícil e recorrente acomete, sobretudo, as mulheres mais pobres, que não escolheram estarem sozinhas, mas sim, foram abandonadas pelo pai da criança.
Mas e quando a maternidade solo é uma opção pessoal? Como vimos
no episódio da apresentadora Mariana Kupfer
na segunda temporada do Podcast Plenae - Histórias Para Refletir,
a ciência pode ser a principal parceira da mulher nessas circunstâncias, e hoje há diferentes opções de caminhos que ela pode tomar para realizar o sonho da maternidade.
Parte-se do princípio de que instinto pertence a ordem do biológico, portanto, é um impulso interior incontrolável e inconsciente, muito relacionado às necessidades da sua sobrevivência ou da sua espécie. Sendo assim, o instinto materno como verdade absoluta e irrefutável vem sendo contestado em algumas instâncias.
“A maternidade envolve uma série de estruturas como política, economia, cultura. A psicanálise não acredita no instinto materno, mas sim na pulsão, que atravessa o âmbito dos nossos mais íntimos desejos” explica a psicanalista e pesquisadora de comportamento, Luisa Lancellotti. “A gente vai falar que a mãe nasce junto com o bebê, pois sem ele, ela não poderia ser mãe - seja ele adotivo, biológico ou de consideração. Portanto, trata-se de uma construção” diz.
Esse nascimento da mãe se dá antes mesmo do nascimento desse filho. Pela nossa cultura, ela já começa a nascer a partir do resultado positivo do exame, na sexologia e até mesmo na escolha do nome ou no momento de decorar o quarto. “Se eu posso escolher ser mãe, algo me diz que isso passa pelo desejo, então não há um instinto - se não, todas as mulheres gostariam de ser e a gente vê na clínica que isso não é verdade” explica a psicanalista.
E por onde esse desejo interno em ser mãe que algumas mulheres nutrem passa internamente? “Essa questão é infinita, pois a pulsão não tem um objeto fixo, diferente de um instinto. Pode ser por cuidado, pode ser uma questão de reparação da própria infância, diz respeito somente a vida daquela pessoa, portanto, não existe uma resposta fixa. E não cabe a nós debater esse porquê, mas sim entender que ela tem esse direito de decidir.” comenta Luisa.
Sendo assim, o “ser mãe” vai ter um significado próprio, diferente para cada uma. Por isso mesmo, a psicanálise defende que não existe uma mãe ideal, mas sim uma mãe possível. “Esse conceito foi condenado por anos, mas na realidade ele traz liberdade, pois as mães sempre se sentiram muito culpadas por tudo. Além disso, a sociedade não pode dizer o que é bom e o que é ruim, até porque não conhecemos a vida dessa mãe e como ela exerce essa maternagem dela.”
Também amplamente discutido pela psicanálise, as figuras maternas e paternas, diferentemente do que se pensa, não representam pessoas necessariamente, mas sim, funções sociais. A figura materna pode ser exercida pela mãe, por uma avó, por uma enfermeira - e até mesmo por alguém do sexo masculino.
Isso porque essa pessoa é quem investirá o que os estudos psicanalíticos entendem por libido, que é essa energia e cuidado que a espécie humana literalmente necessita para sobreviver nos primeiros anos.
O problema é que o bebê se torna tão dependente dessa conexão que, muitas vezes, se confunde com essa “mãe”. “É muito gostoso fusionar com a mãe, seria ótimo se pudéssemos viver com aquele cuidado incondicional (considerando a perspectiva do bebê) da primeira infância, mas isso é nocivo a longo prazo” explica.
E é aí que entra a figura paterna. “Ela funciona como uma intervenção, uma possibilidade de enxergar outras perspectivas, e pode ser representada por qualquer pessoa, não necessariamente um pai” explica Luisa. Na literatura, essa figura paterna pode ser um chefe ou até mesmo a lei, por exemplo, pois ambos representam essa ruptura e castração.
O importante é que essa criança tenha contato com vários tipos de cuidado, porque isso a fará mais criativa e espontânea. “Em algumas tribos africanas, durante muitos anos, a criança era criada pela tribo inteira. Isso fazia com que ela circulasse esses vários universos e cuidados e se adaptasse melhor” conclui a psicanalista.
Valendo-se do princípio de que a maternidade é um desejo e uma escolha individual de cada mulher, e de que ela é completamente apta a desempenhar essa função sozinha se esse for o seu desejo, quais são os caminhos que ela poderá tomar a partir dessa decisão?
A adoção é, evidentemente, um dos caminhos possíveis para essa mãe. Mas se o seu desejo for a gestação, a reprodução assistida, que muitas vezes é uma opção também de casais - neste caso, que enfrentam alguma dificuldade reprodutiva - pode ser um dos caminhos.
“O primeiro passo é o check-up completo, para analisar a saúde da paciente. O segundo, se for uma reprodução independente, é escolher o sêmem no banco, seja nacional ou internacional” explica o doutor Dani Ejzenberg, ginecologista e obstetra, especializado em reprodução assistida.
Uma vez escolhido o sêmem, ela poderá optar por dois caminhos: a inseminação intra uterina, que é um caminho mais simples e possui uma taxa de sucesso de 12 a 15% por tentativa, ou a fertilização in vitro, que possui uma taxa de sucesso maior, de 50 a 60% - a depender de sua idade ou da sua doadora.
A inseminação é quando o espermatozoide é colocado no corpo dessa mulher para que ele siga de forma natural ao seu óvulo. Já a fertilização in vitro é quando esse processo de fecundação acontece em laboratório e, posteriormente, esse óvulo é colocado dentro da mulher que irá gestá-lo.
“Os tratamentos de reprodução assistida têm um risco muito reduzidos, apesar de não inexistentes. As maiores complicações que elas podem enfrentar são provenientes de suas gestações avançadas, que já poderiam acontecer de qualquer maneira” explica Dani. Isso porque, segundo ele, a maioria das mulheres que procura esse tipo de método, já ultrapassou os 40 anos de idade.
Segundo o doutor, a procura pelos métodos têm aumentado cada vez mais. As mulheres solteiras ainda não são maioria, mas já representam uma parcela significativa delas. “Em geral, são pacientes já estabelecidas profissionalmente, com boa condição social, já passaram dos 35 anos, tiveram relacionamentos não frutíferos e agora se consideram maduras o suficiente para engravidar” explica.
E esse pai costuma fazer muita falta? “Não, pois em geral, as famílias apoiam e são parceiras, que acabam desenvolvendo esse papel. Mais importante do que um pai, é essas mulheres terem uma rede de apoio, pessoas que vão desenvolver papéis importantes na educação dessas crianças”. Se lembra da figura paterna que explicamos? Pois bem.
“A legislação brasileira é uma das mais liberais do mundo, e permite que a pessoa sozinha possa ter filho, tanto homem quanto mulher. Uma pessoa gestar pra outra no Brasil também é permitido, se for feita de forma voluntária e não cobrada, e pode-se adotar sozinho também” diz o doutor. Há diversos caminhos para se ter filhos, mas somente você poderá decidir isso.
Sendo assim, fazemos das palavras de Mariana Kupfer, as nossas. “Mãe não é um estado civil, é um estado de amor”. É uma escolha pessoal e um papel que pode sim ser desempenhado individualmente - quando ele se trata de uma opção. Tem a ver com o seus desejos e propósitos e, ainda assim, toda mãe é ótima dentro de suas capacidades, porque mais importante do que a perfeição, é o amor investido.
Confira os dados a seguir:
- Esses dados abrangem mães solos por opção, por abandono e ainda as viúvas;
- A fertilização in vitro é, dentre as opções médicas, a mais segura em taxa de sucesso;
- O Brasil é um dos nomes mais importantes na prática da fertilização - mas por aqui, ainda é bem caro;
- Fatores culturais e êxito na carreira fazem com que mulheres de todo o mundo adiem o momento da gestação.