Para Inspirar

Inspiração: conheça 10 atletas negros que conquistaram seu espaço e fizeram história!

Dentro dos esportes ou não, a representatividade é de suma importância. Conheça como esses nomes representaram em suas categorias e inspiraram muitas pessoas

10 de Junho de 2022


Se você pesquisar agora sobre representatividade, irá se deparar com milhares de artigos. Para ser mais exato: o Google mostra aproximadamente 16.700.000 resultados e, de cara, seu significado segundo o dicionário Oxford Languages. O substantivo feminino representatividade significa “qualidade de alguém, de um partido, de um grupo ou de um sindicato, cujo embasamento na população faz que ele possa exprimir-se verdadeiramente em seu nome”. 

No português mais atual e aplicado, representatividade é a possibilidade de uma parcela de pessoas que representam determinado grupo poder se ver ocupando espaços que deveriam ser seus também, mas por motivos históricos, marcados por muito preconceito e opressão, não são. 

No quarto episódio do Podcast Plenae, ouvimos a história da bailarina Ingrid Silva sobre ter se tornado uma bailarina clássica e enfrentando preconceitos dentro da modalidade, essencialmente ocupada por mulheres brancas, com determinado biotipo corporal muito semelhante aos de mulheres européias.

Esse estereótipo era bem distante do de Ingrid, que possui curvas e também uma pele negra. Nem mesmo a sapatilha de sua cor ela encontrava, e cansada de empregar a técnica aprendida nos Estados Unidos de pintar sua sapatilha com base de maquiagem, ela decidiu expor a problemática e ir atrás de solução.

Depois disso, Ingrid acabou ganhando ainda mais notoriedade e abriu inúmeras portas para que outras meninas negras se sentissem no direito de ocupar aquele espaço. Além disso, marcas de sapatilha se conscientizaram e passaram a fabricar modelos de cor mais escura, que fugissem ao rosa claro. Há até mesmo uma sapatilha antiga de Ingrid, pintada com base, exposta em um museu americano.

E no esporte?

Se ballet ou outros tipos de dança são um esporte ou não, cabe interpretação e uma discussão longa. Mas para além dos palcos, há um infinito de possibilidades que se enquadram como exercício físico, e muitos deles passíveis de ganhar medalha. Escolhemos esses, especificamente, para falar aqui hoje. 

Por muito tempo, negros foram banidos de competições ou eram isolados em categorias específicas, como o atletismo, por falsas convicções de que eles seriam bons somente naquilo. Esse tema foi bastante discutido no segundo episódio da segunda temporada do podcast Vidas Negras, uma produção da Rádio Novelo em parceria com o Spotify. Nele, há nada mais, nada menos, do que a participação de Daiane dos Santos, um dos principais nomes da ginástica olímpica do Brasil - se não o principal - e, claro, negra. 

“Ser uma ginasta negra é uma quebra de paradigmas que se tinham antes, aquelas histórias fantasiosas e opressoras, na verdade, que negros não podiam fazer esportes artísticos ou natação e tantos outros esportes porque nós não tínhamos aptidão para eles. Isso é um engano, um equívoco, uma forma de nos barrar e barrar nosso crescimento”, diz Daiane em seu episódio. 

“Tirando os projetos sociais, esporte olímpico no Brasil é coisa de algumas escolas, academia ou clube. (...) E quem é que tem cota em clube, nesses de elite? E a gente precisa olhar também pra forma como as pessoas negras são vistas no esporte. E para isso a gente precisa voltar no começo do século passado, na época do tal ‘racismo científico’, em que pessoas brancas tidas como cientistas pela sociedade pregavam a existência de raças e que entre elas, havia raças mais evoluídas - como a branca -, e menos evoluídas - como a negra. Vale lembrar que todas essas teorias caíram por terra e que raça não existe do ponto de vista biológico. Raça só existe como uma construção social. Ou seja, apesar de biologicamente não haver nada que diferencie uma pessoa branca de uma pessoa negra, a sociedade foi toda construída para que uma pessoa negra fosse entendida como ‘menos gente’ do que a branca, e para que a pessoa branca tenha privilégios por isso. E reconhecer que socialmente existem raças, e que a sociedade por ser racista ainda entende que pessoas brancas são superiores, é importante para que se possa combater isso”, diz Tiago Rogero, produtor da reportagem do Vidas Negras. 


Nomes a se inspirar 

Mas indo direto ao ponto: vamos conhecer esses nomes que conseguiram ultrapassar tantas e tantas barreiras e se consolidar como esportistas tão (ou até mais!) talentosos que outros esportistas brancos? Confira a seguir!

Jesse Owens

É impossível começar essa lista sem mencionar o velocista, primeiro atleta na história a vencer quatro ouros numa mesma Olimpíada. Isso se deu durante as Olimpíadas de Berlim, em 1936, durante o período em que Adolf Hitler comandava a então Alemanha Nazista. E, como sabemos, o nazismo pregava a superioridade da raça branca (ariana) sobre as outras. 

Aída dos Santos

Ainda dentro do atletismo, Aída dos Santos é motivo para se emocionar. Além de ser negra, ela é mulher e enfrentou duplamente os preconceitos da época (1964). Mas foi nas Olimpíadas de Tóquio que ela, sem uniforme ou treinador, se consagrou como a primeira mulher brasileira com a melhor colocação em uma prova individual de olimpíada. Ela era a única mulher daquela delegação inteira. 

Lewis Hamington 

Você com certeza já ouviu falar dele, que além de velocista, ganhou notoriedade por sua beleza e por sua intensa participação em protestos raciais. Ele é o primeiro e único negro a correr na Fórmula 1 e possui a incrível marca de sete vezes campeão mundial na categoria, sendo considerado por muitos o maior nome da história no automobilismo.

Em 2020, ele ultrapassou a marca de vitórias de Michael Schumacher e também se consagrou como o segundo piloto mais jovem a se tornar campeão do mundo na categoria. Em 2018, Hamilton se tornou o piloto mais bem pago da história do esporte.

Serena Williams

E se o assunto é esporte elitista, precisamos exaltar ela, um dos principais nomes do tênis da atualidade. Ela é a atleta que mais possui Grand Slams (os quatro eventos anuais mais importantes do tênis) somando simples, duplas e duplas mistas. É também a terceira tenista a permanecer por mais semanas na liderança do ranking mundial. 

Ela ainda conquistou quatro ouros olímpicos, três nas duplas e um no simples, e se tornou a tenista feminina que mais arrecadou prêmios na história, possuindo um aproveitamento de 85% de vitórias na carreira, em mais de 1.200 partidas. Inspiração pura!

LeBron James

Nas quadras de basquete mais prestigiadas, ali está ele, dono de três anéis de campeão da NBA e dois ouros olímpicos. Nas capas de revista, também: ele foi o primeiro negro, e terceiro homem na história, a ser capa da revista Vogue. 

E, por fim, nos projetos sociais, ele é também um grande figurão: fundador da LeBron James Family Foundation, fundador junto com a prefeitura de Akron a Promise School, uma escola que além de ensinar, ajuda a combater a evasão escolar e financiador de 2300 bolsas anuais na Universidade de Akron.

Formiga

Falar de futebol feminino brasileiro é lembrar de Marta, também negra, na hora. Isso porque ela é a maior vencedora de Bolas de Ouro da história - mais do que qualquer homem, aliás. Mas, antes dela, havia Miraildes Maciel Mota, mais conhecida como Formiga. 

Incluindo homens e mulheres, ela é a única pessoa a ter participado como atleta de sete Copas do Mundo, e foi também duas vezes vice-campeã Olímpica e uma vez vice-campeã mundial de futebol. Atualmente ela joga no PSG, na França e em 9 de Junho de 2019, no mundial na França, tornou-se a jogadora mais velha a entrar em campo numa Copa do Mundo Feminina.
Muhammad Ali
E nos ringues? Temos também! Considerado por quem acompanha o boxe como o maior boxeador de todos os tempos, ele foi campeão mundial na categoria peso-pesado, campeão olímpico na categoria meio-pesado e, no boxe profissional, fez um total de 61 lutas com 56 vitórias e apenas 5 derrotas.
Seu nome de berço é Cassius Clay, mas ele se tornou Muhammad Ali ao se converter ao islamismo, e posteriormente se filiou à organização conhecida como Islâmicos Negros, que lutava pelos direitos dos negros norte-americanos. Em 1967, ele se recusou a lutar na Guerra do Vietnã e, por isso, ficou impedido de competir no boxe por três anos e teve retirado seu cinturão dos pesos-pesados. Rafaela Silva Ainda dentro dos ringues, o assunto agora é judô. E é do Brasil! A judoca Rafaela Silva tornou-se a primeira brasileira a se sagrar campeã mundial na modalidade em 2013. Foi campeã em 2016 nas Olimpíadas do Rio e, com isso, se tornou a primeira atleta da história do judô brasileiro, entre homens e mulheres, a ser campeã olímpica e mundial. Esse ano ela levou a medalha de ouro no Grand Prix de Portugal em 2022. Ela não competia desde 2019, quando conquistou o ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2019 realizados em Lima, no Peru, em agosto, mas foi invalidada no mês seguinte, por causa de um resultado positivo no exame antidoping. Tiger Woods No golfe, não tem pra ninguém. Dentre seus feitos está, principalmente, ocupar um esporte elitista e composto por brancos em sua maioria. Mas falando em prêmios, ele conquistou treze títulos importantes antes dos 30 anos de idade (Masters de Golfe, U.S. Open, The Open e PGA) e se tornou o que mais vezes conquistou a PGA Tour entre qualquer atleta em atividade.  Ao todo foram 108 títulos. Além disso, em 2009, Tiger se tornou o primeiro desportista bilionário da história, arrecadando US$ 1 bilhão em patrocínios, cachês e prêmios, segundo a Forbes.  Simone Biles E se falamos em Daiane dos Santos no começo deste artigo, não poderia faltar o nome mais popular da atualidade na ginástica olímpica. Aos 23 anos, a norte-americana é dona de 25 medalhas em campeonatos mundiais, sendo dezenove delas de ouro, se tornando a ginasta mais condecorada da história dos Estados Unidos em mundiais. Ela se tornou também a primeira afro-americana a conquistar três Campeonatos Mundiais consecutivos no individual geral e a única da história a conquistar cinco títulos mundiais na mesma rotina. Hoje em dia, além de continuar brilhando nos tablados, ela traz à luz a pauta de saúde mental dos atletas, tema bastante tabu até então, e não participou das primeiras provas das Olimpíadas de Beijing para cuidar de sua mente. Os nomes não precisam parar por aqui. Há todo dia, novos surgindo, e mesmo no passado, houveram muitos outros que não constam aqui nessa lista. Isso porque essa é ainda uma outra herança triste do racismo: histórias incríveis não contadas. Você sentiu falta de alguém nessa lista? Comente aqui embaixo e vamos seguir falando mais sobre o tema! Representatividade importa, e muito!

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Carola Videira em "A inclusão é uma luta de todos"

Na décima primeira temporada do Podcast Plenae, ouça o relato emocionante sobre maternidade e inclusão de Carola Videira.

6 de Março de 2023



Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

[trilha sonora]

Carola Videira: Desde muito nova, eu pressenti que teria filhos especiais. Eu estudei fisioterapia, o meu primeiro estágio foi na AACD, uma instituição que cuida de pessoas com deficiência. Durou só uma semana, eu liguei pra minha mãe e falei: “Mãe, vem me buscar porque eu não vou trabalhar aqui. Eu tenho certeza que eu vou ter um filho assim”. Não era hora de lidar com aquilo. A segunda vez que eu verbalizei esse pensamento foi quando o meu marido me pediu em casamento. Eu disse: “Eu só aceito casar com você, se eu souber o que você vai fazer se tivermos um filho com deficiência”. E ele respondeu que amaria igualmente. A terceira foi a caminho da maternidade. Eu escrevi uma carta pra minha mãe pedindo ajuda, caso alguma coisa acontecesse. Porque, apesar da gestação ter sido tranquila, eu sabia que tinha algo errado ali. 

Geyze Diniz: Carolina Videira sempre soube que teria um filho com deficiência. E, claro, ela sabia que esse filho mudaria sua vida pessoal. Ela só não imaginava que ele lhe traria um novo propósito profissional.  Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se. [trilha sonora] Carola Videira: O parto foi tranquilo, João nasceu saudável. Mas, quando ele tinha 3 meses, eu percebi que ele estava demorando pra firmar o pescoço. O corpo do João continuava bem molinho. Passou mais de um mês até o pediatra concordar comigo e pedir um monte de exames. O João fez o teste do pezinho ampliado, que rastreia mais de 50 doenças. A gente investigou de erros inatos do metabolismo até problemas oftalmológicos e todos os resultados davam normais. O médico pediu exames mais complexos. E foi em uma ressonância magnética de crânio que detectamos a falta de mielina, que é a substância que encapa nossos neurônios.  Existem mais de 8 mil síndromes catalogadas pela ciência. E pra fechar o diagnóstico de uma delas, é preciso ter ao menos três indícios diferentes. E o João só tinha um, a falta de mielina. Mesmo sem saber qual era o problema dele, a gente começou um processo de intervenção precoce. Aos 6 meses, João já fazia fisioterapia, fonoaudiologia, Terapia Ocupacional e integração sensorial. Ele foi crescendo como um bonequinho de pano. Os músculos não se firmavam, ele também não conseguia falar, porque a fala também dependia de força muscular.  [trilha sonora] Quando João completou 2 anos, chegou a hora de colocá-lo numa escola. Os médicos me disseram que, com sorte, eu encontraria vaga em uma instituição especial. Só que eu queria um colégio comum. Isso aconteceu em 2010, antes da promulgação da Lei Brasileira de Inclusão, que obriga, de fato, as escolas a aceitarem crianças e adolescentes com algum tipo de deficiência.  Eu consegui uma vaga em um colégio particular porque eu conhecia a dona. A babá ia junto com o João pras aulas, porque ele precisava de cuidado integral. Assim que ele entrou na escola, eu me deparei com diversas barreiras de preconceito das outras pessoas. Alguns pais não queriam a presença do João na sala. E o meu filho não fazia mal a ninguém. Ele ficava no cantinho, na cadeira de rodas, não mordia nem batia nas outras crianças. Mas mesmo assim, ele não era bem-vindo por todo mundo. [trilha sonora] Mas não foi só o meu filho que foi excluído. Eu também me sentia excluída da sociedade. [trilha sonora] Os lugares que eu frequentava eu deixei de frequentar, porque não tinham nem rampa. Muitos amigos se afastaram. Vários convites deixaram de chegar, porque as pessoas não sabiam como lidar com o João. E ao invés de me perguntarem o que fazer, era muito mais fácil sumir. Eu fui descobrindo que ser mãe de uma criança com deficiência é uma experiência duplamente solitária. [trilha sonora] Na escola, embora aceitassem a presença do meu filho, não acreditavam no desenvolvimento pedagógico dele. Por exemplo, todas as crianças levavam pra casa atividades uma vez por semana. E quando eu chamei uma reunião pra perguntar porque que não tinha atividade pro João, me perguntaram se queriam que mandassem lição para eu fazer, porque meu filho não era capaz.  Eu, que já tinha um mestrado em neurociência, pensei: “Acho que alguém vai ter que rasgar o diploma. Afinal aquela fala ia contra tudo que eu estudei. Todo cérebro tem capacidade de aprender. Se o João ainda não aprendeu, é porque a gente não tá sabendo ensinar”. [trilha sonora] Um dia, a Cláudia, a babá, me contou que, toda vez que o João chorava, as professoras pediam para ele sair da sala. E aí ela me disse: “Por que que a senhora paga escola? Se é pra ficar passeando no corredor, deixa que eu levo ele no parque”. E quando eu fui questionar o colégio, a presença da babá foi proibida em sala de aula. Disseram que eu precisaria contratar uma acompanhante terapêutica ou uma professora só pra ele. O João não se comunicava com palavras, só que ele tinha compreensão das coisas. Ele ria na hora que era pra rir. Ele chorava quando tinha algum desconforto. A risada e o choro não eram aleatórios. Mas só a Cláudia e eu acreditávamos no potencial do João. Ninguém mais acreditava, nem mesmo o meu marido.  [trilha sonora] Quer dizer, isso entre os adultos. Porque as crianças tinham muito interesse pelo João.  [trilha sonora] Um dia, a professora leu um livro chamado “A História de João Jiló”. Que é a história do fruto, o jiló, que é amargo e que ninguém gostava dele, mas também nunca ninguém tinha experimentado pra saber. O João dava gargalhadas com esse livro. E aí, toda vez quando ele ficava incomodado com alguma coisa, os colegas começavam a contar essa história para fazer ele rir. E os alunos apelidaram o João de João Jiló.  Pro meu filho ter amigos, eu comecei a convidar esses colegas para irem na minha casa. As crianças começaram a entender a dinâmica e passaram a insistir pros pais convidarem o João também. O primeiro convite chegou quando ele tinha quase 4 anos. Uma mãe me ligou e falou: “Olha, me desculpa se eu não souber usar as palavras certas. Mas a minha filha quer muito que o seu filho venha brincar aqui em casa. Você deixa? O que que eu preciso fazer?”. Eu desliguei o telefone e chorei. Talvez ela não faça a menor ideia até hoje do significado daquele convite. [trilha sonora] Foi mais ou menos nessa época que eu decidi engravidar de novo. As pessoas achavam uma insanidade, mas eu fui em frente. Procurei um geneticista que me pediu um exame de genoma do João. E foi assim que a gente finalmente recebeu um diagnóstico. O João tinha uma alteração no DNA, que levava a uma síndrome chamada Pelizaeus-Merzbacher like. “Like”, de “como”, em inglês, porque não era exatamente a mesma síndrome, mas a que mais se aproximava. É uma alteração tão rara, mas tão rara, que na época só existiam 18 casos catalogadas no mundo. Um detalhe curioso da história foi descobrir que eu tenho a mesma alteração genética. A doença só não se manifestou em mim porque eu sou mulher. Então, o médico recomendou que eu fizesse uma fertilização in vitro e implantasse o embrião de uma menina. Esse procedimento é permitido pela lei, nesses casos. Nós fizemos a inseminação e assim nasceu a Maria Cecília, uma criança sem nenhuma deficiência.  [trilha sonora] Minha filha ainda era pequena quando nos mudamos para Boston, nos Estados Unidos. Fomos pra lá, porque encontramos um médico que estava estudando a mesma alteração genética do João em Harvard. Esse pesquisador incluiu o João em um estudo que usava uma tecnologia chamada estimulação transcraniana. O objetivo era aumentar o nível de mielina do cérebro dele. O que de fato aconteceu e melhorou a capacidade de resposta do corpo do João. Os cientistas colocaram no João um equipamento chamado tobii eye, que faz rastreamento ocular. A gente descobriu que o João conseguia controlar as pálpebras. Quando ele piscava, era como se ele clicasse num mouse. Com muita dificuldade, o meu filho mostrou que ele entendia tudo o que a gente falava, coisa que eu nunca tinha duvidado. O que faltava era ferramenta de comunicação. Foi através do computador e das piscadas que ele conseguiu interagir com a gente. E aconteceu uma coisa incrível. Ele clicou as letras “j-o-a-o” e escreveu o nome dele no computador.  Quando a gente voltou pro Brasil, eu levei o equipamento pra escola. As pessoas se emocionaram, choraram e acharam que aquilo fosse um milagre! Mas eu falei: “Não, não é milagre não. Isso é falta de formação e de informação. Se ele é capaz de identificar as letras mesmo sendo retirado da sala de aula, pensem no que ele pode aprender se vocês acreditarem nele do mesmo jeito que eu acredito?”.  [trilha sonora] Foi a partir dali que eu falei pra mim mesma: “Eu vou incluir o João na escola. Eu vou incluir João no mundo”. E eu me vi num cenário de muito privilégio. Primeiro, porque tenho formação acadêmica. Segundo, porque tenho condições financeiras. Terceiro, porque tive força, coragem e saúde mental pra lidar com aquela barra toda. Mas, aí que eu comecei a me questionar: “Cadê as outras crianças com deficiência? Por que que eu não vejo elas no Brasil? Nas escolas? Nas ruas?”. Eu parei e refleti: “Caramba, não é só pelo João que eu tenho que lutar. Tem milhares de outros Joões e Marias nesse Brasil que precisam de ajuda. É isso que eu vou fazer. Se eu incluí o João, que é o mais difícil, pelas questões das múltiplas deficiências, eu vou incluir todo mundo. Eu quero que todas as escolas tenham crianças diversas, com e sem deficiência, com diversidade racial, religiosa, cultural. Foi assim que eu entendi o que ia fazer para o resto da minha vida.  [trilha sonora] Eu fui me capacitar pra trabalhar nessa causa. Porque, apesar da neurociência, eu nunca tinha trabalhado no ambiente escolar. Quando eu trazia os meus aprendizados pro colégio, me botavam de canto, e falavam: “Aqui você é mãe, nós os educadores”. Ok. Então, eu fiz uma especialização em práticas inclusivas e gestão das diferenças. Depois, entrei num doutorado pra estudar violência escolar. Aí, eu não era mais apenas a mãe do João. Eu era uma neurocientista, educadora, mãe do João e da Maria.  [trilha sonora] A essa altura nós estávamos em 2014. A Lei Brasileira de Inclusão estava sendo redigida. Essa lei garante o que tá na nossa Constituição desde 1988: o acesso à educação para todas as crianças. O texto é lindo, só que se a gente colocar esses alunos para dentro da escola, sem preparar os professores,  retirar as barreiras isso vai ser inserção. Não vamos estar incluindo ninguém. Foi aí que eu criei uma ONG pra fazer essa legislação ser de fato cumprida. Foi assim que nasceu a Turma do Jiló. [trilha sonora] Eu gosto desse nome. O “turma” é porque eu não faço nada sozinha e eu tive um bando de amigo que me ajudaram desde sempre. E “jiló” não é só por ser o apelido do João, mas pela analogia com o fruto. O jiló é muito gostoso, se você souber preparar. É a mesma coisa com a inclusão. Muita gente ainda acha que esse assunto é mimimi, chato. Só que a inclusão é boa para todo mundo, se a gente souber fazer. Criamos uma metodologia a partir dos meus estudos sobre escolas inovadoras que vi pelo mundo. Adequamos o processo pra realidade brasileira, fomos atrás dos melhores educadores do país. Procuramos o Ministério Público, conseguimos autorização pra aplicar o método em uma escola pública em Santana do Parnaíba, na região metropolitana de São Paulo. Era um colégio com um índice de violência absurdo, tinham 63 alunos com alguma deficiência. O índice de evasão escolar era em torno de 40%. Confesso que tomei um baita susto, eu estava acostumada com o ambiente privado e eu sabia que o desafio seria gigantesco. [trilha sonora] Foi um projeto de um ano inteiro, que envolveu funcionários, professores, alunos e as famílias. O Ministério Público fez uma pesquisa na região pra medir a evasão escolar daquele colégio que caiu para menos de meio por cento.  [trilha sonora] Daí, o método virou política pública, a ONG nasceu de fato e a Turma do Jiló se expandiu pra outras escolas públicas e privadas e também chegamos nas empresas. A gente já atendeu mais de 100 mil pessoas, entre estudantes e funcionários, e já formamos mais de 3 mil professores. [trilha sonora] Conciliar o trabalho da ONG com a maternidade ficou bem mais difícil quando o João chegou na adolescência. Por causa dos hormônios e o metabolismo dele qualquer resfriado virava uma pneumonia. Passamos três anos entrando e saindo de UTIs. Nesse processo, o João foi perdendo o pouco que ele tinha. Já não podia mais comer pela boca, já não podia mais entrar no mar nem na piscina. O momento mais difícil foi ter que tirar o João da escola. Eu levei um tempo para entender, pra aceitar, me preparar. Mas, quando o João era bebê, teve um médico que me disse: “Não precisa gastar seu tempo nem o seu dinheiro. Deixa ele bem cuidado, dentro de casa, porque ele não vai viver nem dois anos”. O meu filho já estava com 13. [trilha sonora] No dia 28 de novembro de 2021, um domingo, eu coloquei o João pra dormir e na segunda-feira ele não acordou.  Quando ele morreu, pela primeira vez, eu me questionei se deveria continuar o trabalho da Turma do Jiló. Eu não sabia se eu ia ter força. Mas aí, a única vez que eu sonhei com o João desde então, ele me disse: “Mãe, esse não era o meu propósito. Era o seu propósito”. E é mesmo. Então, desistir não é uma opção. E aceitar a exclusão não é uma opção.  [trilha sonora] Mas, o mais bonito disso tudo é que, depois da morte do meu filho, eu passei a ter mais tempo pra cuidar da Turma do Jiló e da Maria Cecília. 2022 tá sendo o ano mais incrível da minha vida. Eu ganhei um prêmio extremamente importante no terceiro setor, que é o Empreendedor Social do Ano. E também venci o prêmio das Nações Unidas pelo trabalho que eu faço frente a redução das desigualdades.  O João me ensinou muitas coisas. A lição mais importante de todas foi a de ser humana. A gente não nasce humano, a gente se torna humano. E aceitar o diferente é parte fundamental desse processo, porque a gente aprende a acolher as contradições que todos nós temos. Mas essa luta não pode ser só do excluído. Ela tem que ser de todos nós.  [trilha sonora] Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae. [trilha sonora]

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