Para Inspirar
Morar e ser independente podem parecer premissas básicas para uma terceira idade com conforto, mas há ainda muito o que se fazer a respeito.
21 de Outubro de 2021
O século XX é considerado o mais sangrento de toda a história humana, mas foi, também, o de maior avanço tecnológico e de qualidade de vida, gerando um aumento exponencial na quantidade de pessoas idosas por um simples motivo: estamos vivendo mais do que nunca. Para se ter uma ideia, em 1900 a expectativa de vida no Brasil era de 33,7 anos. Pouco mais de um século depois, em 2014, esse número era de 75,4 anos.
Com novas e revolucionárias descobertas na medicina, passamos a viver mais que o dobro. Porém, gera uma nova problemática: como lidar com o número cada vez maior de pessoas idosas numa sociedade que até então não precisava se preocupar com esse problema? Uma das ideias mais tradicionais que vêm à cabeça é a do asilo.
Para o engenheiro civil e PHD em Gestão de Saúde, Norton Mello, eles já deveriam estar obsoletos. “É muito importante que a gente deixe esse pensamento prisional no passado, onde os idosos eram largados em verdadeiros depósitos, esperando a morte. Só assim conseguiremos ter uma visão mais aspiracional, que fuja da trilogia quarto, cozinha e sofá”.
A tecnologia como aliada
De acordo com Norton, a tecnologia deve manter o seu papel de facilitadora das nossas vidas até a velhice. Por mais que os idosos eventualmente apresentem dificuldades em acompanhar o ritmo galopante dos avanços tecnológicos, ainda é possível usar as inovações para garantir uma qualidade de vida mais alta e bem pensada do que os asilos tradicionais.
“Em termos de tecnologia, existem aspectos que podem assustar em um primeiro momento, mas facilitam em um segundo. Imagine um controle remoto que tem 20 botões. A pessoa idosa, quando muda de um canal para outro, pode não conseguir voltar para o original. A partir do momento em que você tem a simplificação dessas tecnologias, seja um controle com menos botões ou o próprio controle de voz, a gente tem uma aplicabilidade mais prática dessas situações no dia a dia desse indivíduo”, explica o engenheiro.
Objetos como robôs de telepresença e vasos sanitários que higienizam quem o usa podem parecer futuristas demais, mas cada vez mais se tornam uma necessidade. Isso porque eles são importantes para manter a independência e a humanização de quem já está aqui há bastante tempo. Ajudam, também, a criar uma experiência sensorial que, para o engenheiro, é fundamental.
“É preciso trazer experiências imersivas, que resgatem boas memórias daquela pessoa, em ambientes multisensoriais onde ela possa ter barulho de praia, chuva, selva. Você cria essas sensações. Da mesma forma o olfato, estimulando que ele trabalhe com aqueles cheiros de pão fresquinho, jasmim, manjericão”, diz ele.
A ideia é que os ambientes sejam cada vez mais acolhedores em vez de se assemelharem a prisões. Não depender de um cuidador ou cuidadora para realizar necessidades básicas e manter a higiene já é um bom começo na maneira de repensarmos as habitações para a terceira idade, estimulando a independência e gerando dignidade.
Realidade atual
Tais habitações, sejam elas os tradicionais asilos ou qualquer outra espécie de ILPI (Instituições de Longa Permanência para Idosos), não são assim pensadas pois, para Mello, o problema começa na base: “Engenheiros e arquitetos possuem, hoje, excelentes formações técnicas. Mas não têm, por exemplo, disciplinas que ajudem a pensar na área da saúde e do bem-estar”, relata.
Essa dificuldade em enxergar novas alternativas se propaga de forma cíclica. “Hoje, eu ainda converso com empresários e empreiteiros cujos projetos para idosos envolvem um terreno grande em local afastado, com um lago, algo mais contemplativo onde a pessoa vive seus últimos dias apenas esperando a morte chegar. Isso pode parecer confortável, mas remover uma pessoa de idade do ambiente urbano onde ela passou sua vida inteira não faz muito sentido, e ainda por cima, o isola”, explica Norton..
Em cidades, como em São Paulo, algumas políticas públicas já estão em curso há um tempo, como as academias ao ar livre, comuns em praças espalhadas ao longo da metrópole e a isenção de algumas taxas, como o bilhete do metrô, incentivando que eles ocupem a cidade sem se preocuparem com o valor. Mas elas estão longe de ser suficientes.
Para Norton, seria mais eficiente se as políticas públicas tivessem uma melhor divulgação dos direitos garantidos à terceira idade, e que os temas fossem tratados com menos tabu, tema também comentado nesta matéria. “A quem você gostaria que pertencesse a decisão do seu futuro quando você já não puder tomar mais essas decisões? É curioso como muitas pessoas compram jazigos, mas não se preparam para o envelhecimento”, pontua.
Preparar-se, porém, atravessa outra questão social tão profunda quanto o problema crônico habitacional no Brasil: “Na base da nossa pirâmide, onde estão os pobres, temos as pessoas que dependem das políticas públicas. Na ponta, há os ricos, que conseguem transformar suas próprias casas em UTI se for necessário”, explica o PhD.
Entre as duas camadas, é claro, há a classe média, que para ele, é achatada de todos os lados, e que veem no envelhecimento a perda de seu status social. “Ela não tem condições financeiras de ser atendida como os mais ricos, sofre com o medo de depender da caridade e das políticas públicas governamentais, e tenta se equilibrar da forma como pode na longevidade.”
Entra, também, a questão da previdência social e a tão sonhada aposentadoria tranquila, como falamos nesta matéria. E o fato da terceira idade sempre parecer algo tão distante é determinante. Nunca achamos que será sobre nós, mas o tempo passa e eventualmente chegamos a esse ponto. Por isso, é tão importante deixar os tabus acerca do tema de lado, para que possamos nos planejar de forma individual e enquanto sociedade, e fazer desse período da vida, de fato, a “melhor idade”.
Para Inspirar
A sétima temporada do Podcast Plenae está no ar! Confira a história do empreendedor Eduardo Foz. Aperte o play e inspire-se!
27 de Fevereiro de 2022
Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
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Edu Foz: Existe um desenho animado que se chama “O Fantástico Mundo de Bobby”. É sobre um menino com muita imaginação. Eu me identifico com esse personagem e brinco que vivo no “Incrível Mundo de Foz”. Quando eu entro na minha bolha, com meus 100 filhos, a vida lá fora desaparece. No meu universo, não existe diferença entre humanos e outras espécies. Todos os seres são iguais.
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Geyze Diniz: O empreendedor Eduardo Foz é apaixonado por bichos desde pequeno, e transformou sua paixão por animais no sonho de criar um mundo melhor para as futuras gerações. Edu vive em São Paulo, cercado por todo tipo de espécie, como cotias, veados, araras, coelhos, furões, rãs e jibóias. Hoje, ele se considera pai de mais de 100 filhos, e tem um propósito que abraça milhares de outros.
Conheça a história de amor e empatia pelos bichos de Edu Foz, criador da ONG Zoo Foz que usa a zooterapia para educar e transformar o mundo em um lugar melhor. Ouça, no final do episódio, as reflexões do especialista em desenvolvimento humano, Marc Kirst, para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e este é o podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.
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Edu Foz: A minha memória mais antiga relacionada a animais envolve tartaruguinhas e jabutis. Eles ficam numa espécie de canteiro, na sala do apartamento onde eu morava com meus pais e dois irmãos, em São Paulo. Na mesma sala, tinha um aquário retangular, talvez de uns 50 centímetros de largura por uns 30 de altura.
Eu ainda era bem pequeno, quando a gente se mudou pra casa da avó Zezé. Como toda boa vó, ela deixava eu ter tudo que eu queria. E tudo que eu queria era bicho. Eu dizia: “Vó, posso ter mais um jabuti?”. Pode. “Mais um peixe?”. Pode. “Periquito? Canarinho?”. Pode, pode, pode. Minha mãe ficava louca e falava: “Se entrar mais um animal, eu saio de casa!” Não adiantava nada, coitada. No dia seguinte, chegava mais um.
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Eu herdei do meu pai e do meu tio essa alucinação por animais. O quarto do meu tio Cacá devia ter uns 20 aquários. Não sei como cabia. O meu programa preferido na infância era ir a uma loja na Rua dos Pinheiros, aos sábados, comprar um peixe. Eu juntava toda a minha mesada só pra isso.
Da minha mãe, veio a paixão por plantas. Mesmo morando em São Paulo, no meio da cidade, eu buscava cada cantinho da natureza. Na escola, durante o recreio, adorava ficar olhando para o sol, para as árvores, para os pássaros. Eu só gostava de estudar biologia e artes. Aquela tarefa de colocar o feijão em cima do algodão molhado e ver ele brotar, pra mim era o máximo.
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Aos 15 anos, pedi um pavão de presente, e ganhei. Só depois eu descobri que, na primavera, o macho berra de madrugada para chamar a fêmea. Lá pelas 4 horas da manhã, ele começava a gritar. Parecia uma buzina de caminhão. Meu pai me dava uma bronca e eu subia no telhado, onde o pavão gostava de dormir, para acalmá-lo. Imagina a cena: um adolescente de shorts, em cima de uma casa, abraçado a um pavão estridente às 4h30 da manhã. Os vizinhos deviam me achar maluco. Infelizmente, não deu para ficar com o pavão, e ele foi para a fazenda de um amigo.
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Nunca fui bom de estudar e só prestei vestibular para ganhar um carro. Escolhi psicologia numa faculdade particular que tinha mais vaga do que candidato. Fiz o curso por um ano. Foi bom pra eu entender que não era tão louco, só diferente das outras pessoas.
Depois, decidi mudar para o curso de economia e comecei a ganhar dinheiro promovendo festas. Fui trabalhar numa startup de internet e entrei numa fase de correr atrás de grana. Abri uma corretora de seguros e fiz um bom pé de meia. Nessa etapa da minha vida, eu trocava mais de carro do que de cueca. Bom, tô exagerando, mas eu era bem materialista.
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Com o passar dos anos, descobri que a maior riqueza é o tempo, não o dinheiro. Do que adiantava se matar de trabalhar e não poder estar com as pessoas que eu amo? Hoje na minha garagem não tem nenhum carro, graças a Deus.
Enquanto eu trabalhava, ia aumentando o número e a variedade de animais (filhos). Me casei com uma mulher maravilhosa e moramos num apartamento com tucano, arara, calopsitas. Me separei e, para poder ter mais animais, mudei para uma casa no bairro do Morumbi. Ninguém me segurava mais.
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Eu passei a ter quati, cachorro (a Bela, minha border collie, que tem 12 anos), cervo, coruja, gavião, cacatua, flamingo, veado, antílope, coelho, ovelha, jacaré, cobra, e outras espécies. Hoje eu tenho mais de 100 filhos. Sim, dentro de uma casa, no meio da cidade. Todos vieram de criadouros homologados pelo Ibama ou foram doados de uma forma legal e não podem ser reintroduzidos na natureza.
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Meus amigos dizem que sou um cara excêntrico. Eu discordo. Da mesma forma que tem gente que gosta de filho humano, eu gosto de filho de qualquer espécie. Meus filhos vivem soltos pela casa. Sem brigas, em perfeita harmonia. Tem até namoro interespécie. A Duda, um cervo, namora um grou coroado da África do Sul, que é uma ave de 1 metro e meio. Eu acho que pra eles não importa como cada um é por fora, mas sim por dentro. Morar com esses animais é como viver dentro de uma escola de amor e tolerância. Muitas pessoas acham estranho a convivência com animais silvestres e exóticos, porque consideram os animais perigosos. Eu acredito que perigoso é sempre o ser humano. Nunca tive problema com bicho, só com gente.
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A minha casa começou a virar uma atração para os filhos dos meus amigos. Eles pediam para visitar o zoológico do tio Foz. Era a referência que as crianças tinham de um monte de animal num único lugar. Até que uma amiga, a Fabiana Calfat, me deu um toque. Ela disse: “Pô, Fozito, o que você faz para os animais é lindo. Por que não transforma essa sua paixão em algo maior?” Peguei carona na brincadeira das crianças e criei a marca Zoo Foz.
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A coisa foi crescendo e o estalo mesmo veio quando a mesma amiga me levou à Fundação Fada, uma ONG dedicada a melhorar a qualidade de vida de pessoas com transtorno do espectro autista. A minha conexão com aquela causa foi forte e imediata. Assim como eu, os autistas vivem no mundinho deles. Muitos também têm mais facilidade de se relacionar com os animais do que com gente. Eu comecei a levar os animais para interagir com as crianças e jovens, e o efeito era surreal. Uma tartaruga transforma a vida de um autista.
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Mexido por aqueles encontros, em 2017, eu criei a Fundação Zoo Foz, uma organização sem fins lucrativos que atua nas áreas de educação ambiental e terapia assistida por animais. Por mês, fazemos mais de 400 atendimentos a crianças e adultos com autismo.
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Meu propósito se tornou transformar vidas para criar um mundo melhor. O Zoo Foz tem quatro pilares: amor, cuidado, educação e respeito. Com base neles, nós promovemos quatro ações. A primeira é a zooterapia, em que o animal ajuda no desenvolvimento cognitivo e motor das pessoas com deficiência. A segunda é um trabalho de educação ambiental com as crianças, porque eu acredito que educar é preservar. A nossa terceira ação são intervenções sociais, para ajudar comunidades carentes. E a quarta é o combate ao tráfico de animais.
Basicamente, eu invisto o meu tempo em animais e crianças. A criança nasce sem a palavra preconceito e, com os animais, ela aprende a ter respeito e limite. Aprende também o conceito de finitude. É um casamento que não tem como dar errado. A socialização com os animais é mais do que uma atividade de lazer. Ela também tem um forte poder educacional, que melhora o desenvolvimento sensorial, social e psicológico da pessoa. O resultado são seres mais sociáveis e amorosos, tudo que a Terra mais precisa.
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Hoje, no Zoo Foz, somos 26 pessoas, entre psicólogos, neuropediatras, advogados, administradores, contadores, biólogos e veterinários. Os estagiários não estão aqui para aprender apenas sobre o comportamento animal, mas, principalmente, sobre os meus pilares. Se os meus filhos conseguem conviver com a diferença, porque os humanos, seres que chamamos de racionais, não conseguem?
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Sem amor a gente não faz nada na nossa vida que perpetue. Eu gosto de comparar o que fazemos com as formigas. Formigas não falam. Elas fazem, e não desistem. Todos lutam por um objetivo comum. Para eu lembrar disso o tempo todo, eu tenho na minha casa uma escultura feita por esses insetos que representa minha história de vida. Quando comecei a Fundação Zoo Foz, eu era uma formiga pequenininha carregando uma maçã. Muitas vezes o peso nas minhas costas era maior do que eu conseguia carregar. Várias vezes eu pensei em abandonar o meu sonho. Mas cada vez que eu pensava em desistir, aparecia uma outra formiguinha para me ajudar. Hoje eu sei que eu faço parte de um formigueiro. O meu propósito de vida é deixar um legado. Um dia eu não vou estar mais aqui, mas o Zoo Foz vai continuar pelas mãos de outras formigas.
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Marc Kirst: Quantas pessoas você conhece que, na busca por se sentir parte, pra pertencer ou ser socialmente aceito, acabam se esvaziando de si, censurando sua própria essência, seus traços mais únicos, para se tornar mais um na multidão? E quantas dessas pessoas têm a coragem pra desaprender o molde em que se colocou, desconstruir as próprias máscaras pra voltar à origem, àquele chamado mais profundo que dissolve as ilusões e faz tudo ganhar cor?
Essa é a reflexão de propósito que o Edu nos dá de presente. Não apenas pelo discurso, mas pela prática de alguém que se permitiu ser quem sempre se foi: um exemplo de desapego da busca imediatista pelo artificial, para canalizar o amor e o serviço pelo o que é natural e, portanto, eterno. No momento da nossa civilização, em que insistimos como humanidade a nos enxergar como espécie soberana, dominante e, consequentemente, exploradora da vida na Terra, acabamos de ouvir uma história de conexão com a vida ao nosso redor, que nos convida a reconexão com o pulso que vive dentro de cada um de nós. Seres humanos, nada mais do que uma das espécies compartilhando e convivendo neste planeta lar, o legado de uma criança que preservou a própria essência, porque desde cedo sentiu na pele o mais profundo pertencimento. Seja mamífero, ave ou réptil, o milagre de olhar nos olhos da vida e reconhecer-se natureza.
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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
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