Para Inspirar

O que é positividade tóxica - e como ela afeta negativamente nossa mente

Ver somente o lado bom de todos os eventos cotidianos pode condicionar o seu cérebro mais resistente às realidades da vida

2 de Setembro de 2020


O ano é de 2020 e o mundo é então acometido por uma pandemia que já apresentava seus primeiros sinais ao final do ano anterior no território asiático - mas foi solenemente ignorada por todo o resto do planeta. De repente, nos vimos confinados em nossas próprias casas e, em muitos casos, acompanhados somente de nós mesmos e nossos pensamentos.

Por mais importante que a atitude positiva seja importante para tornar nossas rotinas mais leves, não podemos negligenciar nossas próprias emoções negativas, que fazem parte dessa dança chamada viver. Não só em situação pandêmica, mas em ocorrências comuns da vida - como o fim de um relacionamento ou a morte de um ente querido - todas elas pedem que se respire fundo e abrace a sua tristeza interior para que a ferida seja curada.


Entrevistados pelo portal Huffpost britânico, alguns psicólogos comentaram sobre o assunto e explicaram de forma científica o porquê devemos dar vasão mesmo aos sentimentos negativos que habitam dentro de nós. Essa negação já possui até mesmo um termo científico: positividade tóxica. Confira os principais pensamentos reunidos a seguir.


Simplificação do cérebro humano

Para a assistente social e diretora de desenvolvimento de programas do Newport Institute, Heather Monroe, a positividade tóxica pode simplificar o cérebro e a maneira como ele processa nossas emoções. Isso, a longo prazo, pode incentivar uma pessoa a inibir ou calar seus sentimentos e, por fim, desenvolver alguma doença de natureza emocional.

“Acreditar que, se ignorarmos as emoções difíceis e as partes de nossa vida que não vão bem, seremos muito mais felizes pode simplificar demais o cérebro humano e ser prejudicial a nossa saúde mental” diz. Isso porque sentir-se conectado e ouvido pelos outros é um dos antídotos mais poderosos contra a depressão e a ansiedade, segundo a especialista.

Multitarefas também pode ser tóxico

Está tudo bem em não conseguir realizar todos os seus sonhos e vontades de uma vez só. Durante a pandemia, fomos bombardeados com a ditadura da alta produção. Redes sociais e posts nos incentivando a estarmos em constante produção, seja de uma nova receita, ou tirando um velho projeto da gaveta ou aprendendo a fazer artesanato e falar um novo idioma.

Mas, como dissemos nessa matéria, o ócio é também muito importante para sua criatividade e para o respiro de seu cérebro. Mais do que isso, encher-se de tarefas ao longo do dia é negar seus próprios sentimentos e não parar para ouvi-los.

Para o psicoterapeuta Noel McDermott, também entrevistado pelo portal Huffpost britânico, “mesmo em tempos normais, concentrar-se no seu eu interior é sempre um desafio, pois todos temos nossos demônios”. Mas na pandemia, isso ficou ainda mais evidente. “Um dos maiores exemplos de positividade tóxica é a negação da natureza traumática da pandemia”, afirma.


Deslegitimação e invalidação de sentimentos

Estar preocupado ou chateado com alguma situação faz parte do funcionamento cerebral humano. É inclusive o que nos mantém vivos, alertas aos perigos que o mundo oferece, desde quando ainda éramos homo sapiens vagando pela natureza selvagem.

Evidentemente, os riscos hoje são diferentes - mas ainda assim, se nos geram preocupação, é porque acionam esse dispositivo mental que carregamos dentro de nós enquanto espécies ao longo dos milênios. A preocupação exacerbada pode gerar um estresse que, a longo prazo, também nos faz mal.

Mas simplesmente ignorá-la e fingir que ela não existe não parece uma boa solução. Afinal, é preciso fazer as pazes até mesmo com o estresse, como explicamos aqui. Até porque, em situações atípicas como no caso da pandemia, é preciso que o cérebro reconheça a situação em que está exposto para então se acostumar.

Segundo a terapeuta novaiorquina Jenny Maenpaa, é preciso estar atento à sua própria auto sabotagem. Assumir uma atitude positiva e otimista não necessariamente implica em ignorar todo o resto. “Você pode combater a positividade tóxica reconhecendo que diversas emoções complexas podem existir ao mesmo tempo dentro em você” afirma ao portal britânico Huffpost.

Cegueira sociológica

Por fim, a positividade tóxica pode ser nociva ainda em debates sociológicos, como racismo ou desigualdade social. Uma vez que o indivíduo está determinado a enxergar somente o que há de bonito na vida, ele acaba por ignorar muitas vezes o sofrimento do outro.

É irônico pensar que justamente as pessoas mais positivas possam ser menos empática, ainda que não propositalmente. Durante a pandemia, ao tentar pregar “vamos focar nos recuperados” insistentemente, o otimista pode estar fechando os olhos para a dor de quem perdeu um ente querido, e que pode ter ficado de fora desse foco positivo.

McDermott compara a um caso de abuso doméstico, onde a vítima não pode ser aconselhada com base somente na psicologia positiva como uma maneira de gerenciar o abuso, pois assim ela permanecerá nessa situação. “Ela deve ser aconselhada a tomar medidas para ter a segurança física e também a tomar medidas psicológicas para se recuperar do abuso” explica.

Permita-se ser e sentir

Educar o seu cérebro para manter-se grato pode te levar ao bom envelhecimento, como nos contou o neurologista Fabiano Moulin. Mas é importante que você se permita vivenciar o movimento e sentir todas as emoções que o cérebro humano é capaz de sentir. Isso vai te ajudar a elucidar questões e enxergar sob diferentes pontos de vista.



Uma vez admitido o desconforto, lide com ele de forma a educar o seu corpo, e não ignorando-o. Técnicas de respirações, como as que ensinamos aqui, podem te ajudar nessa empreitada. Entender as diferentes técnicas de meditação descritas aqui também devem ser bem-vindas para esse momento imersivo.

Cuidar da saúde mental em tempos de pandemia parece tarefa impossível, mas ouvir suas próprias queixas é o primeiro passo rumo ao autocuidado e ao autoperdão.

“Quando nos permitimos ter várias verdades aparentemente conflitantes em nossas mentes ao mesmo tempo, eliminamos a tensão entre elas e damos espaço a todas as nossas emoções, positivas e negativas”, explica Maenpaa ao Huffpost.

Todo tipo de expressão é válida: se você for mais reservado, escreva um diário. Dê corpo e alma a tudo que habita dentro de sua mente, para então identificá-los. Só assim você será capaz de lidar de maneira racional e sincera consigo mesma e com seus sentimentos. Esteja livre para sentir e, então, ser.

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A importância das relações durante o luto

Conversamos com uma psicóloga para entender como ter uma rede de apoio pode ser vantajoso e até necessário após uma perda

26 de Novembro de 2020


No primeiro episódio da terceira temporada do Podcast Plenae - Histórias Para Refletir, mergulhamos no relato profundo e cheio de emoção de Veruska Boechat, a viúva do jornalista Ricardo Boechat. Assim como todo o resto do país, Veruska foi pega de surpresa com a partida súbita e precoce dele que era não só o seu marido, mas também o seu melhor amigo e pai de suas duas filhas.

Como lidar então com uma ruptura tão brusca e violenta? Não há, é claro, uma única resposta para essa questão. Isso porque, como afirma Juliana Picoli Santiago, psicóloga clínica especializada em questões do luto, esse é um processo individual de cada sujeito e composto por diversas nuances e momentos.

“A morte de um ente querido é a experiência mais desorganizadora que um ser humano pode viver no seu ciclo vital. Quando vivemos o luto, vivemos a queda do mundo presumido, ou seja, aquilo que dá pra gente o conforto e a segurança de que as coisas são de uma certa maneira aquilo que nos coloca no mundo e nos faz viver” explica ela.

"A morte de um ente querido é a experiência mais desorganizadora que um ser humano pode viver no seu ciclo vital" diz a psicóloga. Diante desse cenário complexo e, muitas vezes, inédito, como é possível voltar ao dia a dia? “Quando falamos de rotina e organização do luto, a gente não pode falar disso sem falar necessariamente sobre rede de apoio. A pessoa que vive a situação de enlutamento tem pessoas próximas que vão viver junto com ela, e cada um de forma muito distinta. Então aquele que se percebe capaz e dispõe de mais recursos emocionais, possa servir como rede de suporte de apoio para uma pessoa mais fragilizada” diz a psicóloga.

Veruska conheceu isso na prática. “As pessoas diziam pra eu ficar numa sala reservada [no enterro]. Pra quê? Era muito melhor receber o abraço de uma pessoa que saiu de casa para me dar carinho. E eu descobri que simples presença é mais importante do que qualquer coisa que se diga” conta ela, em seu episódio.

“As pessoas ficam aflitas em saber o que falar. Na verdade, quanto menos falar, melhor. Sou grata por ter conseguido filtrar o que me diziam. Eu não fiquei com raiva, nem guardei mágoa, mas as pessoas precisam aprender o que dizer no luto do outro. E também a se comportar. Enquanto teve gente que levou comida na minha casa, outros chegaram pedindo pra lanchar” conta. “Quando eu finalmente conseguia levantar, me arrumar e botar o pé pra fora, as pessoas vinham me dizer: ‘eu era fã dele, eu adorava ele’. E eu sei que é por amor, mas eu tava exausta de chorar e só queria poder falar: ‘Nossa, tá bonito o dia’”.

Para Juliana, “é adequado que nós possamos falar sobre a pessoa que se foi, sobre sua história, não se deve evitá-la. É importante que possamos trazer ao nível da palavra aquilo que nos traz significado. E muitas vezes, dar significado a uma perda, está necessariamente ligado ao poder falar sobre o que aquela pessoa significava, trazia na sua experiência e no seu papel pra vida de quem ficou. Uma pessoa não é feita só do luto, ela é feita de história, estrutura”.


Só que a dor do luto pode ser tão dolorosa quanto incapacitante, e por isso muitas vezes é confundida com a depressão. E, ao mesmo tempo que esse processo ocorre, a vida lá fora continua acontecendo. “Quem olha pro enlutado não vê que, além da tristeza, os boletos vão chegar normalmente. Você perde o seu marido num dia, no outro tem que ir ao cartório pegar a certidão de óbito. Numa hora em que você não quer conferir um papel que descreve um acidente que você nem conseguiu digerir ainda. Ninguém me disse isso” conta Veruska.

“Eu tinha tantas tarefas burocráticas pra resolver, que não conseguia mais dormir de ansiedade. Um dia, peguei um desses caderninhos tipo moleskine , de brinde, e comecei a anotar tudo que eu precisava fazer. Mesmo sem vontade, eu escolhia a tarefa mais idiota, tipo ‘trocar a titularidade da TV a cabo’ e riscava da lista. Resolver uma coisinha dessas me dava um pouquinho mais de força pra ir em frente” complementa.

Retomar a rotina aos poucos pode trazer a tão desejada sensação de normalidade que o enlutado busca. Mas “só no sentido do que a pessoa dá conta de fazer” como explica Juliana. E, para que isso seja possível, é preciso ter ajuda. “Minha primeira dica é: formar uma rede de apoio, ter pessoas próximas que possam cuidar até de suas necessidades mais básicas até que ela possa se integrar e começar entrar em contato consigo mesmo” explica a psicóloga.

“Mesmo quando se recebe cuidados adequados, a experiência do luto é tão desorganizadora que vai se refletir no sono, nos hábitos alimentares e também na cognição e memória” diz Juliana. Com todos esses aspectos da vida prejudicados, a presença de outras figuras que possam estar em condições emocionais melhores é mais do que bem-vinda, como também necessária.

Há pessoas que buscam refúgio no trabalho. A própria Veruska conta que, depois de 14 anos sem trabalhar, voltar a ativa lhe deu forças e ajudou a ocupar a cabeça. Outros preferem encarar um longo processo terapêutico e buscar uma escuta capacitada. Há ainda os que erroneamente preferem ignorar os sentimentos, sem saber que o luto não acaba, mas sim passa a fazer parte dos seus dias.

As redes de apoio podem ser feitas por amigos, familiares e escutas capacitadas

Para todas essas alternativas, a rede de apoio é o que manterá a pessoa em condição de poder optar qual caminho seguir. “Tem uma filósofa chamada Hannah Arendt que escreveu ‘Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história’. E é justamente aí que mora a importância de falar sobre aquilo que me dói para alguém. Isso dá sentido para minha vida, quando uma pessoa me escuta, ela também me traz existência. Escutar alguém é trazer alguém pra minha existência” explica.

Portanto, falar sobre o assunto é de suma importância - ter alguém não só para ajudas cotidianas, mas para que seja esse ouvido que traz à luz a existência do enlutado como um indivíduo único e independente. “Pode ser que alguém não possa contar com essa rede de apoio, então existem alguns serviços como Centro de Valorização da Vida (CVV - Disque 188) e serviços que são disponibilizados pela rede pública como o Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM). O importante é poder falar” conclui Juliana.

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