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Candomblé: mitos e verdades que você precisa saber

Uma das religiões mais antigas que existe é também vítima de antigos preconceitos e mitos. Neste artigo, te contamos mais sobre o assunto!

22 de Setembro de 2023


No primeiro episódio da décima terceira temporada do Podcast Plenae, conhecemos a história de fé de Carmem Virginia, candomblecista, desde quando ela era sequer capaz de entender o que era isso direito. O chamado veio assim, bem cedo: em uma visita a um terreiro perto de sua casa, por mera curiosidade infantil, veio o encanto sem volta e, posteriormente, a “convocação” espiritual para se tornar cozinheira do terreiro, um papel com bastante significado para a religião. 

De lá para cá, a conexão só aumentou e os laços se estreitaram. O que era para ser um ofício espiritual se tornou ofício de vida, e a cozinha ganhou novos espaços em sua rotina, assim como a religião também. Porém, infelizmente o candomblé, dogma escolhido por Carmem por pura identificação, ainda é vítima de muito preconceito e inverdades por conta da intolerância religiosa.

Hoje, falaremos um pouco sobre o que é mito e o que é verdade em relação ao candomblé, uma das religiões mais antigas, e tão legítima e bonita quanto todas as outras. Leia mais a seguir!

Candomblé é diferente de umbanda

Verdade! Nesta matéria, te explicamos mais profundamente a história de origem de cada um. Mas, basicamente, o candomblé vem de fora do Brasil - suas origens são africanas -, enquanto a umbanda foi criada por aqui, se baseando no Candomblé, mas com outras referências também (inclusive do cristianismo). 

Além disso, o candomblé é mais antigo e cultua orixás, enquanto a umbanda é mais nova e também cultua orixás, mas além deles, há os guias, e um contato importante com o natural.

O candomblé não é para família ou para criança

Falso. A religião, como qualquer outra, prega união, paz e amor. Ela é um lugar para todos e a nossa personagem, Carmem Virgínia, é a prova disso, já que começou a sua iniciação ainda bem nova. Mas, é importante ressaltar que, apesar do seu primeiro contato com a religião ter sido ainda aos 7, foi somente aos 14 que ela ingressou de forma mais séria e comprometida.


Isso porque é preciso responsabilidade e maturidade para iniciar uma jornada espiritual que demande dessa criança, e é preciso ainda que os pais e líderes religiosos estejam atentos aos sinais de maturidade desse praticante. Mas as crianças são, sim, bem-vindas, inclusive, um dos três valores mais importantes dessa religião são os filhos e trazê-los para perto, incluindo nos rituais, é bem-vindo, mas não é obrigatório.

Os candomblecistas não acreditam em Deus

Falso - e essa é ainda mais delicada, já que o conceito de Deus varia muito. Para os panteístas, por exemplo, Deus é tudo aquilo que nos cerca: eu, você, uma simples cachoeira, como te contamos neste artigo. Eles são, inclusive, monoteístas: o deus único para a Nação Ketu é Olorum, para a Nação Bantu é Zambi e para a Nação Jeje é Mawu, como explica este artigo. “São nações independentes na prática diária e, em virtude do sincretismo existente no Brasil, a maioria dos participantes considera como sendo o mesmo Deus da Igreja Católica”, explicam os autores. 


O candomblé é intrinsecamente ligado à natureza

Verdade. Os rituais candomblecistas são realizados em terreiros, que são casas onde os sacerdotes e adeptos se reúnem e encenam uma convivência com forças da natureza e ancestrais. Eles reúnem centenas de pessoas e podem durar horas, no mínimo duas. 

“(...) A natureza é o princípio de existência de culto, os Orixás são as representações ou até mesmo a materialização dessas, seja na forma de possessão (transe mítico) de algum iniciado, ou nas formas de representações simbólicas de bens materiais. (...) Nesse sentido, deve-se ressaltar que, o culto prestado aos Orixás nos terreiros de candomblé, em um determinado momento, ultrapassa os limites de um culto à ancestralidade de um grupo, remetendo-se ao culto à natureza, pois, os membros que compõem as comunidades de santo, ou melhor, os terreiros, acreditam que os homens sejam o resultado da somatória de todas as partes ou elementos que compõem a natureza”, explica este artigo


Animais são judiados e torturados em cerimônias candomblecistas

Falso. “O candomblé possui um ‘Modo Tradicional de Alimentação’, alimentamo-nos da mesma proteína animal comprada no açougue e comida fartamente nas churrascarias, mas somos contra a dor, a tensão da ‘imolação’ e contra o modo como a sociedade em geral consome carne”, explica o professor Dr. Sidnei Barreto Nogueira a este artigo.

“Comemos bodes, galinhas, galos e aves, escolhidos ou criados por nós, tratados, lavados, honrados ritualmente e, depois, essa carne sagrada se junta à comunidade e une a comunidade. O princípio é do repasto e do comer em família e isso começa desde a escolha ou criação do animal que servirá de alimento. O rito não inclui barbárie e faz o animal sofrer, como é comum em abatedouros, não faz parte do rito ancestral”, conclui. 


O candomblé cultua os mortos e pede mal a eles 

Sim e não. “Sim para cultuamos os ‘mortos’ – temos aqui o sentido ocidental e assustador da palavra. Cultuamos os mortos, mas não como a nossa coirmã Umbanda, que também não prega o “MAL”. Somos a religião da memória ancestral, da continuidade, o culto àqueles que estiveram conosco é um museu historiográfico”, explica o professor ao mesmo artigo. 

“Honramos a “morte” que nos toca quando chega a hora e honramos igualmente os nossos entes queridos e isso se dá por meio de um complexo conjunto de ritos e saberes ancestrais”, explica. O candomblé, portanto, cultua os mortos, mas de forma alguma os deseja mal. 


O Exu é a representação do demônio

Não exatamente. Essa representação "maligna", como conta a historiadora e educadora Lisandra PIngo ao jornal da USP, foi feita pela igreja católica e, posteriormente, pelas igrejas evangélicas. “Aconteceu uma espécie de 'reapropriação' dessa atitude, principalmente pelas igrejas neopentecostais”, conta. 

Ela ainda levanta aspectos históricos da questão e relembra que a representação do “demônio brasileiro” (Exu) era diferente do “demônio europeu” (Diabo), e isso estaria muito relacionado a um processo de racismo. 

“O Exu é personagem controverso, talvez a mais controversa de todas as divindades do panteão iorubá. Alguns o consideram exclusivamente mau, outros o consideram capaz de atos benéficos e maléficos e outros, ainda, enfatizam seus traços de benevolência”, diz ela. 

“As muitas faces da natureza de Exu acham-se apresentadas nos odus e em outras formas de narrativa oral iorubá: sua competência como estrategista, sua inclinação para o lúdico, sua fidelidade à palavra e à verdade, seu bom senso e ponderação, que propiciam sensatez e discernimento para julgar com justiça e sabedoria. Essas qualidades o tornam interessante e atraente para alguns e indesejável para outros”, conclui. 

Portanto, colocá-lo somente como uma entidade do mal é também simplificar um pouco do que essa figura tão complexa e cheia de faces representa e que, recentemente, virou até mesmo tema para samba enredo em escolas de samba. O que a religião propõe é que se veja além dessa dualidade de bem X mal, já que ambas as forças habitam todos nós.


O candomblé possui outros nomes ao redor do país

Verdadeiro. Em Recife, a religião é conhecida como Xangô, no Rio de Janeiro recebe o nome de Macumba (que tem sido rejeitado por ter uma conotação pejorativa), tambor de mina no Maranhão e batuque no Rio Grande do Sul. “Até por conta dessas variações, algumas pessoas preferem simplesmente denominar esse conjunto de cultos com o nome de religião dos orixás, deixando de lado as diferenças entre eles”, como explica artigo do Museu Afro. 

Pronto! Agora você mergulhou de vez nesse assunto e conhece um pouco mais sobre a riqueza que o candomblé pode oferecer. Lembre-se sempre: é importante combater a intolerância religiosa, as fake news e pregar o amor que todos os dogmas podem oferecer à sua maneira.

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Ciúmes: como entendê-lo e como curá-lo?

Tão comum quanto nocivo, o ciúmes é parte da nossa gama possível e infinita de sentimentos, e envolve nosso cérebro mais do que nosso coração

14 de Dezembro de 2022


Se você foi jovem nos anos 2000, certamente assistiu a obra de Manoel Carlos, Mulheres Apaixonadas. Para além dos vários enredos possíveis que uma novela propõe, um deles se conecta com o nosso artigo: o ciúmes doentio da personagem Heloísa (Giulia Gam), que via em cada movimentação do seu marido, Sérgio (Marcello Antony), uma potencial ameaça ao relacionamento.

A palavra doentio aqui não é usada em vão: o ciúmes, quando em excesso, deve ser tratado como uma doença, uma condição que atrasa a vida da pessoa de quem sente e, claro, de quem é o objeto do sentimento. Há até um grupo de apoio - também mencionado na telenovela - para isso: o MADA, ou Grupo de Mulheres Que Amam Demais Anônimas. Sim, como um Alcoólicos Anônimos, mas aqui, o álcool não é o problema.

O ciúmes, é claro, não se trata de uma exclusividade feminina. Aliás, é bastante comum entre os dois gêneros e é fonte até mesmo de crimes passionais. Revogada em 2015, a Lei do Feminicídio (nº 13.104), prevê pena de 12 a 30 anos para homens que violentam mulheres de alguma maneira, motivados pelo fato delas serem isso: mulheres.


E, como sabemos, muitos desses crimes, classificados como “passionais” pela lei, são fonte desse sentimento de posse tão difícil que é o ciúmes. A seguir, explicaremos sua origem, seu trajeto em nosso cérebro e os caminhos possíveis para sentí-lo de forma moderada. 

A psicanálise e o ciúmes

Te contamos aqui neste artigo um pouco mais sobre os mecanismos da paixão no nosso cérebro, esse sentimento tão intenso e avassalador que ativa circuitos potentes e opera em nosso metabolismo como o uso de substâncias químicas recreativas - as drogas. 

“A paixão, do ponto de vista do cérebro, se assemelha a uma espécie de demência temporária, hipermotivacional, com características de estresse, obsessão e compulsão” explica o neurocientista e professor Pedro Calabrez em vídeo para a Casa do Saber. 

Com o ciúmes, o processo não é muito diferente. Para o psicanalista Guilherme Facci, em entrevista à Revista Gama, o ciúme é um dos sentimentos mais humanos que existem, comum desde a infância, e é considerado hoje como saudável se ocorre em certa medida.

Mas, se ele se torna persistente, se é baseado em um “imaginário inflacionado”, ou fundado em uma “verdade absoluta”, como descreve nessa entrevista, pode ser delirante e virar uma patologia próxima à paranoia. A investigação acerca do tema é tamanha que, ainda no começo do século, outro psicanalista - esse bastante famoso - se debruçou sobre o tema em um dos seus vários escritos: Sigmund Freud.

Em
“Alguns Mecanismos Neuróticos no Ciúme, na Paranoia e na Homossexualidade”, o considerado pai da psicanálise traça justamente esse mesmo paralelo citado por Guilherme, que é o do ciumento como um paranoico. Ele ainda fazia uma distinção: havia o ciúme normal, comum, corriqueiro; o projetivo, que ainda estaria dentro da normalidade; e o patológico, que seria o delirante.

Mas essa não é uma teoria absoluta e causa divergência entre os estudiosos.

Os níveis normais de ciúmes É difícil cravar essa questão, já que ela é individual e diz respeito também à linguagem de amor que aquele indivíduo foi exposto. Para alguns, ciúmes ainda é sinônimo de amor, e sua ausência indica uma clara falta de afeto.

Para outros, a movimentação é justamente contrária, e a natureza desses entendimentos podem ser múltiplas. Crianças que foram expostas a um relacionamento tóxico ainda na infância, por exemplo, podem entender o ciúmes como um modus operandi, ou seja, é assim que se ama quando se ama.

Outras, que buscaram a ajuda de um psicoterapeuta, por exemplo, podem ir para o caminho oposto e entender até o mínimo sinal de ciúmes como algo que as sufoca.  Para o especialista mencionado anteriormente, há algum nível de classificação possível. “No normal, tem alguém olhando para meu par, aquilo me incomoda um pouco. Tem algum apego ao objeto amoroso, um desconforto, mas que passa rápido, é algo que não se sustenta muito, é uma bobagem”, explica.

Mas esse duelo de sentimentos começa a se tornar um problema quando a certeza absoluta, aquela mencionada no tópico anterior, entra em jogo. É nesse imaginário muito inflacionado que mora o problema, o grande divisor de águas para um diagnóstico de uma psicose. O problema é que isso pode acontecer na neurose também, como ele prossegue.

O ciumento se aproxima muito de um paranóico justamente porque busca essa tal verdade que se quer chegar a qualquer custo. Mas, para a psicanálise, não há em nenhuma hipótese uma verdade absoluta.  “O problema já começa por aí: acreditamos que é possível encontrar o nosso objeto amoroso que vai nos completar. E é o primeiro equívoco. O segundo equívoco é que a gente vai poder apreender esse objeto, tê-lo”, explica.
É aí que se consagra o ciúme patológico: quando acredita-se que perder aquela pessoa é perder uma parte de si, o que não é verdade.  A falta que todos temos. Como te contamos neste artigo, segundo o famoso psicanalista francês, Jacques Lacan, nós só existimos a partir do olhar do outro.

Portanto, o que sabemos sobre nós mesmos é baseado em evidências que “nos contaram”. Exemplo: você sabe que tem uma personalidade forte pois cresceu ouvindo que tinha. Se considera uma pessoa engraçada pois sempre fez o outro rir. E assim por diante.
Partindo desse princípio, sabemos que o outro é imprescindível para que a gente se reconheça, por exemplo, dentro de uma relação - seja ela qual for!

O ciúmes entre irmãos, por exemplo, também é normal,
como mencionamos aqui. Mas é importante ressaltar que sempre haverá a falta, em todo ser humano. Nascemos faltantes e estaremos sempre em busca, pelo resto de nossas vidas, de preencher esses vazios que nos habitam.  Essa busca pode ser instigante, como a busca por um propósito, mas também pode gerar angústia e frustração.

Todos esses sentimentos são legítimos e válidos, fazem parte, e cabe a nós saber nomeá-los e gerenciá-los,
como mencionamos neste artigo É no processo de análise, por exemplo, que podemos entender que essa falta é estrutural. “Eu sei que eu não vou encontrar o objeto que me completa porque esse objeto não existe”, como pontua Guilherme.

E aí começa o entendimento de que, se esse objeto não existe, então sentir ciúmes de algo que foi produzido pelo meu inconsciente é uma batalha em vão, que só irá machucar e não terá de fato um fim. Há ainda quem relacione o ciúme ao ato sexual, o desejo que haja essa terceira pessoa imaginária para que então, durante o ato, haja a ilusão de que você está possuindo aquele objeto que o outro queira, mas que agora é seu.

E novamente: tudo isso é fruto da ilusão de controle.
Falamos dela por aqui também, lembra?  É tudo parte de crença, que afinal, é o que nos torna humanos em sua maior potência. Crer é intrínseco a nossa existência, e crenças são indiscutíveis porque são individuais, partem da experiência de vida daquele ser humano, como explicamos lá naquele comecinho. 

O problema é crer que um outro ser humano será seu, ou que o outro ser humano está tomando determinadas atitudes segundo o seu próprio olhar, o que posiciona tudo ainda mais no campo da imaginação, já que é impossível decifrar o que o outro está fazendo, essa é uma leitura somente sua.  

É possível curar o ciúme? A neurociência já identificou quais circuitos cerebrais são ativados quando a sensação dá as caras. Uma pesquisa publicada pelo Instituto Nacional de Ciências Radiológicas do Japão na revista Science, por exemplo, mostrou que quando sentimos inveja de uma pessoa - sentimento próximo ao ciúme - o córtex anterior cingulado (CAC), mesma área que está mais ativa quando sentimos dores físicas, funciona com mais intensidade. 

 Pesquisadores da Universidade da Califórnia em Los Angeles fizeram um experimento onde os participantes iam lentamente se sentindo excluídos e reforçaram a tese de que o CAC era intensamente provocado e deixava a pessoa à beira de um ataque de nervos. Ainda, de acordo com uma pesquisa publicada na "Frontiers in Ecology and Evolution" e reveladas neste artigo, o ciúmes faz com que níveis de testosterona – ligados à agressividade e competitividade – e de cortisol – um indicador de estresse do organismo – aumentem exponencialmente.

Se a dor de um ciúmes pode ser comparada a uma dor física, então parte-se do princípio de que há um remédio para curá-la. Mas, infelizmente, ainda não há nenhuma droga dessa natureza fabricada, apesar das incessantes buscas. Isso porque o mecanismo neuroquímico exato por trás desses sentimentos ainda não foram decifrados de maneira exata. 

Mas,
como explica esse artigo da Revista Galileu, o processo para se chegar a um novo composto e comercializá-lo é longo, demanda muito investimento de tempo e de dinheiro, além das várias etapas de segurança obrigatórias que devem ser submetidas.  O que já se sabe é que seria uma droga comparável às que já conhecemos, ou seja, tarjada, vendida controladamente e sempre com a indicação de um acompanhamento de psiquiatra e psicólogo juntos.

Esses, aliás, já podem ser usados para atenuar a dor de quem sente ciúmes, mas tratando seus sintomas finais, como uma depressão ou a ansiedade que o sentimento causa. Ele pode ser entendido até mesmo como um TOC, mas isso tudo, claro, com indicação. Por fim, uma outra possibilidade cogitada pelos pesquisadores e levantada pela Galileu é desenvolver uma terapia baseada em estimulação magnética transcraniana (EMT), uma técnica, que consiste em emitir correntes elétricas que alteram a atividade cerebral.

Porém, a técnica, já usada em tratamento de doenças como depressão, mal de Parkinson e enxaqueca, só pode ser aplicada na superfície do cérebro, mas os circuitos do ciúme e da dor social se localizam mais profundamente no órgão. Por ora, olhar profundamente para o que causa esse transtorno segue sendo a melhor saída possível.

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