Para Inspirar
Não há uma receita única para um processo tão individual, mas há alguns caminhos possíveis de acolhimento para essa pessoa que tanto precisa.
8 de Dezembro de 2023
No quarto episódio da décima quarta temporada do Podcast Plenae, conhecemos a história de Bella Santoyo, que representou o pilar Relações e nos emocionou com o seu relato. Dentre as lembranças dos momentos marcantes que a trouxeram até aqui, um deles falou mais alto: a morte súbita de seu ex-marido após um ano de casamento.
Esse acontecimento não é um mero detalhe em sua história, é na verdade o que muda todo o curso dela. Foi a partir dessa partida que ela revolucionou, por exemplo, a sua carreira profissional e seus demais caminhos. Além disso, ela descobriu durante o seu processo de luto que estava grávida - e, por incrível que pareça, essa notícia foi o que te deu forças.
Para outras pessoas, pode ser que a descoberta não fosse tão positiva. Mas isso é porque o luto é um processo extremamente individual e só quem o sente pode relatar. E o luto da viuvez é ainda mais específico: há toda uma vida, uma família que precisa continuar, sem aquele parceiro ao lado.
Hoje, falaremos um pouco sobre esse acolhimento, quais são os caminhos possíveis para oferecê-lo e um pouco mais sobre o luto em si.
Te contamos nessa matéria sobre os já conhecidos estágios do luto. Porém, eles não são uma unanimidade entre os especialistas, já que essa é uma jornada muito específica de cada indivíduo. “O luto é um processo natural, é a nossa reação diante da perda de alguém ou algo significativo para nós, na qual havia um investimento afetivo. Ou mesmo a perdas simbólicas, como um sonho ou projeto de vida”, explica Sandra Evangelista, psicóloga, pesquisadora e produtora de conteúdo na temática do luto e saúde mental.
Ela, que faz parte da equipe preceptora no ambulatório Pequenos Enlutados do Proalu (Programa de Acolhimento ao Luto) da UNIFESP atuando como supervisora, pontua que o processo de luto é impactado por vários fatores: as crenças, a expressão do luto naquela família e naquela cultura, a personalidade da pessoa enlutada, como ela lida e lidou com as perdas anteriores ao longo da vida, as circunstâncias da morte - tudo isso irá impactar.
“Sabe-se que mortes repentinas ou violentas podem ser fator de risco para um luto que se complica ou se prolonga. Isso significa que esse processo natural pode se transformar em um processo de adoecimento. Se há uma comorbidade, se a pessoa já trazia em sua biografia um diagnóstico de transtorno mental, como depressão, ansiedade, entre outros, isso pode se agravar”, pontua.
Outro fator que pode tornar o luto ainda mais difícil de ser elaborado é a qualidade do vínculo entre o ente que se foi e quem ficou. Relações com muitos conflitos, ambivalentes, com sentimentos de oposição ódio-amor, por exemplo, podem complicar ainda mais o processo, pois não permitem reparações.
Como mencionamos, o luto é uma experiência individual e intransponível, ou seja, não há como delinear um único padrão para esse processo que atinge cada um de uma única forma. “O luto pela perda de um ente querido é um processo universal, reação natural ao fenômeno da finitude. Porém, ele é também singular, porque significa a quebra, o rompimento do vínculo com aquela pessoa e a perda do mundo presumido conhecido pelo enlutado, que se desfaz e precisa ser reconstruído”, diz.
Ter de reconstruir esse mundo presumido sem a pessoa amada mencionado por Sandra pode ser um processo bem diferente em cada idade e até para cada gênero. Como te contamos nessa matéria sobre cuidados paliativos, a morte é ainda um tabu gigantesco no Brasil - e isso é ainda pior para os homens. Eles, aliás, procuram menos ajuda especializada em geral, como também te contamos aqui, mas piora quando o assunto é busca por psicólogos.
Uma pesquisa inédita feita pelo Instituto Ideia a pedido da revista GQ Brasil mostrou que, ainda que sofram com ansiedade, estresse e depressão, os homens brasileiros não são adeptos ao processo terapêutico. Apenas 16% dos entrevistados responderam frequentar sessões de análise com profissionais da área da saúde. Por outro lado, 80% disse que não cuida da saúde mental. Desses, 65% não fazem, mas poderiam fazer. Só 5% optou por "Prefiro não responder".
“É comum que homens lidem com o processo de forma mais contida, pois desde pequenos são ensinados a não expressar suas emoções, e no caso das mulheres, tem-se a permissão para reações emocionais. Mas, em ambos os casos há uma tentativa de silenciar, de dosar as expressões de dor e sofrimento, com o imperativo social de ‘seguir em frente’, especialmente incorporado ao universo masculino em um espaço de tempo menor que as mulheres, que permanecem sintomáticas por mais tempo”, comenta Sandra.
“A raiva tem relação com a impotência, a falta de controle sobre o evento da morte, e a ansiedade gerada pelo medo de perder pessoas queridas ou da própria finitude. A culpa é irracional, como se fosse possível evitar a perda. O medo às vezes toma uma grande proporção, desencadeando crises de pânico. O corpo físico também pode sofrer impacto; as sensações mais comuns são o aperto no peito, falta de ar, vazio no estômago, hipersensibilidade aos ruídos, entre outros”, explica Sandra.
Se o assunto é cognição, pode haver uma forte negação em relação ao evento, como um mecanismo de defesa, prejuízo na atenção e concentração, desorganização dos pensamentos e ruminação. “O desejo de recuperar o ente querido é tão intenso que ele pode até sentir a presença física do morto, apresentando alucinações visuais e auditivas”.
O corpo sente e fala, como sempre mencionamos por aqui. O sono do enlutado, por exemplo, pode se desregular completamente, para mais ou para menos. O apetite pode diminuir ou aumentar, acarretando perda ou ganho de peso e o isolamento, que difere profundamente de um estado de solitude, pode se intensificar.
“Especificamente em caso de viuvez, os sintomas mais comuns são a insônia, perda de apetite e de peso, fadiga, pesadelos, sensação de pânico, entre outros. O que se observa é uma deterioração da saúde física, com dores de cabeça, tonturas, dores no peito, dores generalizadas, processos infecciosos constantes, entre outros”, relata Evangelista.
“Em pessoas em faixa etária mais avançada, há um comprometimento da saúde física, já em viuvez em uma faixa etária por volta de 40 ou 50 anos, os sintomas emocionais e comportamentais são mais comuns como a dificuldade em tomar decisões, dificuldades com o sono, o aumento no consumo do álcool e cigarro como estratégia de enfrentamento, um quadro mais ansioso e um aumento no nível de estresse e tensão. Questões cardíacas como arritmias cardíacas, infarto do miocárdio e hipertensão podem ser precipitados pelos rompimentos das relações humanas significativas”.
Mas então, como ajudar esse indivíduo que sofre tanto ao seu lado? A compreensão, é claro, deve ser o primeiro passo. Essa pessoa enlutada, sobretudo por viuvez, perdeu o mundo que conhecia e precisará reconstruir um novo, onde ela possa existir agora sozinha.
A sua imagem pessoal e do seu papel na família e na sociedade se modificou, portanto, escutar e acolher todo tipo de relato que vier do sujeito é imprescindível. Apontar suas qualidades e propor novas possibilidades também pode ajudar, oferecendo novos horizontes sem deixar de entender suas necessidades para cada momento.
“Há perdas secundárias algumas vezes, em que o enlutado mudará de casa, de hábitos, de círculo social. Ter o cuidado de garantir a autonomia possível do enlutado é muito importante, o que ele dá conta de realizar e no que a rede de apoio pode de fato contribuir, sendo a maior contribuição, a presença e o afeto. Ressalto a importância da previsibilidade e da rotina para que ele se sinta seguro. Nada de grandes mudanças, a menos que sejam necessárias e inevitáveis”, pontua a especialista.
Se a viuvez ocorre de forma precoce, em uma idade produtiva e preenchida de muitos compromissos, essa reorganização pode ser ainda mais desafiadora, já que essa vida prática convoca e não para de acontecer ao redor. Piora o fato de que essa pessoa pode ter que assumir responsabilidades novas, como gerenciar os negócios da família, se tornar a única provedora, assumir sozinha a educação dos filhos e até assumir dívidas.
“Ela poderá sentir o peso do mundo em suas costas, e sem ter com quem dividir; poderá ter que adiar planos ou ter que modificá-los em razão da nova configuração familiar. Neste caso, é preciso saber que o enlutado não dará conta de tudo, é preciso ajudá-lo a organizar as novas tarefas e toda carga emocional envolvida neste processo”.
As relações e as redes de apoio são fundamentais nesse período, como te contamos aqui. Inclusive, o papel das relações nesse momento pode ser até mesmo para incentivar a pessoa a sentir tudo que ela precisar. “Às vezes muitos anos após a perda, os sentimentos não vividos, as lágrimas não derramadas, as palavras não ditas, provocam o sufocamento e transformam-se em sintomas como insônia, crises de pânico, raivas irracionais, embotamento emocional (quando a pessoa fica ensimesmada), solidão e perda de prazer e sentido na vida, sem que ela se dê conta que os sintomas são respostas ao seu luto não vivido e não elaborado”.
Portanto, o conselho de especialista é sempre contar com a sua rede de apoio e, claro, com ajuda médica especializada que sempre pode vir a calhar. “Peça ajuda, expresse suas emoções e sentimentos sem constrangimentos, compartilhe a sua dor com aqueles que você ama. Aos familiares, sejam compreensivos e atenciosos. Ofereçam tempo, colo, ouvidos. Sejam empáticos e compassivos. Observem e busquem ajuda quando necessário”. E acredite: esse período turbulento também passará!
Para Inspirar
Ao contrário do que se pensa, o Panteísmo não se assemelha ao Ateísmo – que nega a existência de um Deus. Mas sim, enxerga o criador de outra forma.
25 de Setembro de 2020
Para entendermos o Panteísmo, vamos começar do começo. E que tal pela sua etimologia? A palavra derivada do grego “pan” (“tudo”), e “theos” (“deus”). Logo, “tudo é Deus”.
O Panteísmo é uma crença de que Deus não é o criador absoluto, pois é maior do que isso: ele abrange e compõe tudo, faz parte do Universo e se manifesta na Natureza, pois ambos são idênticos.
Portanto, ele é encontrado em todo o cosmos, em cada manifestação física e química, e está por toda a parte, pois ele é o todo, e corresponde a universalidade dos seres.
Ainda de acordo com essa filosofia, esse Deus não criou o cosmos e também não intervém na vida das pessoas, porque faz parte da realidade, já que há uma expressão divina em tudo que existe. Basta olhar ao seu redor ou para dentro de si, como relata Fernanda Souza em seu episódio para a segunda temporada do Podcast Plenae - Histórias Para Refletir.
O termo, citado pela primeira vez somente no século XVIII, já era visitado no campo das ideias pelo filósofo holandês de origem judia, Baruch de Espinosa, um século antes. Espinosa, em sua obra “Ética”, descreveu Deus como uma unidade de substância, e ainda cravou a ideia revolucionária para a época de que corpo e espírito eram a mesma coisa.
De lá para cá, o conceito não só ganhou mais explicações, como também muitos adeptos. Hoje ele perdeu a imagem negativa atribuída em tempos remotos e ainda encontra semelhanças em religiões como o Hinduísmo, Budismo, e até traços do Judaísmo.
Em entrevista ao canal The Institute of Art and Ideas, a professora e autora do livro Panteísmo: Deuses, Mundos, Monstros, Mary Jane Rubenstein, explicou as concepções de Deus e sua relação com a natureza que vêm sendo estudado pela ciência e pelo Panteísmo.
Para ela, divindade não tem a ver com onipotência, mas com negociação. “A natureza não destrói todas as coisas e recria tudo do zero. A natureza trabalha com o que tem, com todas as suas variedades de bactérias e cogumelos e árvores, e todas essas partes trabalham para fazer com que a floresta seja a floresta”.
De todas as formas possíveis, já que segundo a filosofia panteísta, esse trabalho que acontece todos os dias diante de nossos olhos em pequenas doses nada mais é do que a representação divina e a atuação de Deus - que faz parte de tudo isso.
“Pensamento, consciência e racionalidade sempre foram tidos como algo divino. Mas e se pensarmos a respeito da gravidade ou magnetismo? São forças incríveis que seguram tudo junto, mantém tudo funcionando no mundo. O Panteísmo nos encoraja a olhar e prestar atenção em tudo ao nosso redor” comenta a pesquisadora. “Se Deus é a fonte de tudo, início, meio e fim, não poderíamos chamá-lo de Universo?”.
O escritor Reza Aslan, autor de “Deus: uma história humana”, concorda. Em sua mais recente obra, onde viaja através dos séculos para entender as diferentes versões que já foram atribuídas a essa mesma figura divina, o autor conclui hoje que o Panteísmo talvez seja a filosofia mais fiel às suas crenças, pois entende que Deus não é o criador de tudo, pois ele é absolutamente tudo.
Em sua obra mencionada anteriormente, Aslan comprova que o Panteísmo apresenta semelhanças com as manifestações de fé mais ancestrais da nossa espécie, que ainda na pré-história, acreditavam que uma única essência e alma habitava em todas as coisas do mundo - sejam elas ativas ou inativas.
"Como crente e panteísta, adoro Deus não com medo e temor, mas com reverência e admiração pelo funcionamento do universo – pois o universo é Deus" explica o autor. "Você não precisa temer a Deus. Você é Deus".
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